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Investidor admite apelar para ocultação de patrimônio em cripto para escapar de nova tributação no exterior

Quem aloca em cripto no exterior afirma que há “caminhos alternativos” para escapar da tributação prevista pela MP 1171, publicada há um mês

Paulo Barros

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Faz um mês que o governo publicou a Medida Provisória 1171/2023, que prevê um novo regime de tributação de rendimentos recebidos no exterior. Aplicável para pessoas físicas e empresas abertas lá fora, a MP ainda precisa tramitar no Congresso Nacional para que as alterações passem a valer a partir de janeiro de 2024.

A medida, no entanto, pode não “vingar” entre investidores com um perfil específico: aqueles que usam offshores para aplicar em criptomoedas.

Investidores de alta renda especializados em ativos digitais ouvidos pelo InfoMoney acreditam — quase de forma unânime — que a MP não deve prosperar. E se for para frente, poderá ser driblada com relativa facilidade utilizando o caráter anônimo das criptomoedas. As pessoas optaram por manter suas identidades preservadas.

“Se for obrigado a pagar imposto todo ano, posso simplesmente trazer em cripto para o Brasil”, conta uma dos investidores, com aproximadamente R$ 8 milhões investidos em ativos digitais no exterior. “Em cripto tudo é possível, tem gente que movimenta milhões dentro do País e não paga um centavo de imposto. Ou paga o mínimo possível”.

Um segundo investidor menciona que é muito simples converter reais no Brasil e enviar para fora em forma de tokens indexados ao dólar. Após a conversão, diz, o governo brasileiro tem dificuldades em rastrear os valores enviados entre carteiras digitais, que funcionam como contas bancárias sem donos conhecidos — e que podem estar em qualquer lugar do mundo.

“Declarar esse investimento é mais uma precaução, uma vontade de fazer as coisas direito, do que qualquer outra coisa”, justifica-se.

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“As pessoas arrumam um jeito de [sonegar] desde antes de existirem criptos ou offshores. Dá para se mudar para o Panamá, para o Uruguai, Porto Rico”, conta um terceiro investidor com patrimônio de cerca de R$ 10 milhões em cripto. “De verdade, o que você prefere? Dar uma parcela gigantesca de sua fortuna para o Brasil ou quem sabe comprar uma propriedade em outro país?”

O Ministério da Fazenda foi questionado sobre como espera evitar esse movimento e se de fato esses investidores não poderão ser rastreados, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Em entrevista ao InfoMoney em março, o supervisor nacional do Programa do Imposto de Renda, José Carlos Fernandes da Fonseca, afirmou que o órgão pode não ter ferramentas para descobrir sonegações atualmente, mas lembrou que a autoridade pode aplicar retroatividade de até cinco anos, caso obtenha informações sobre eventual evasão fiscal no futuro.

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“O cidadão fala assim: ‘eu vou esconder essas criptomoedas aqui porque a Receita não tem essa informação’. Podemos não ter agora, mas podemos passar a ter ano que vem ou daqui a dois anos. Temos até cinco anos para conseguir agir sobre a declaração”, disse Fonseca na ocasião.

Quem investe em cripto via offshore?

A abertura de offshore para investimento em criptomoedas não é escolha óbvia para qualquer perfil de investidor. Segundo a advogada Emilia Malgueiro, especializada em criptoativos e blockchain, paraísos fiscais não são a melhor opção, por exemplo, para empreendedores da área de Web3 que precisam internacionalizar operações.

“Não recomendamos procurar países com tributação favorecida porque entendemos que esses locais já estão criando regras, principalmente da ‘substância sobre a forma’, que é ter de fato um escritório lá. No Caribe, quase todos os países criaram essa lei impedindo que alguém tenha só um endereço para se aproveitar dos benefícios tributários”, explica.

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No entanto, offshores ainda são muito buscadas por investidores de cripto, especialmente aqueles que não abrem negócios, mas investem privadamente em ativos digitais. Eles tipicamente compram contratos de opções, fornecem liquidez em plataformas descentralizadas (no ambiente desregulado conhecido como DeFi) e, sobretudo, investem em criptomoedas em estágio inicial, à espera de uma disparada no futuro, nos eventos conhecidos como ICOs (sigla em inglês para oferta inicial de moeda).

Investidores desse calibre têm conhecimento aprofundado sobre o setor de criptos e buscam redução tributária para, por exemplo, compensar uma desvantagem em relação ao mercado de ações: ao contrário de investimentos na Bolsa, quem aloca em cripto não pode descontar perdas para pagar menos impostos.

“Uma das principais vantagens é poder incorporar criptomoedas no capital social da empresa, comprar e vender cripto tendo lucro sem precisar pagar imposto na hora da venda ou da compra, só na repatriação”, justifica um profissional que trabalha na intermediação de negócios de cripto no Brasil e movimenta R$ 60 milhões por mês em ativos digitais. Ele conta com aproximadamente R$ 7,6 milhões investidos em criptoativos no exterior via offshore.

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Esses investidores optam por abrir as chamadas Private Investment Companies (PICs) em países como as Ilhas Virgens Britânicas, Bahamas e Panamá, além de Suíça e Emirados Árabes Unidos. Nos EUA, o estado de Wyoming é também visto como vantajoso para o investidor desse mercado.

“Apesar de o criptomercado já estar mais consolidado e ter sido muito estudado nos últimos anos, a premissa é lembrar sempre da oscilação. Diante do impacto [no preço], é importante evitar ter uma cobrança tributária exagerada, o que acaba gerando possibilidade de risco muito maior”, conta Leon Bezerra, advogado especializado em offshores e investimentos em criptomoedas.

Impacto para investidores: das duas, uma

Quase todos os players do mercado cripto ouvidos pela reportagem apostam que a MP 1171/2023 não irá passar no crivo do Congresso. Mas, se a matéria de fato entrar em vigor, eles se dividem em dois grupos ao projetar as consequências.

Para um deles, representado pelo investidor pessoa física de alta renda, a mudança levará os investidores de cripto a dar um passo atrás na conformidade com as leis e passar a sonegar, apostando no aumento do uso de criptomoedas para pagamentos no Brasil e na “proteção” conferida por exchanges de criptomoedas sem presença no País.

Um segundo grupo, formado por empresários que lidam com investidores pessoa física e institucionais, acredita em um rearranjo na maneira com que esse público lidará com alocação em ativos digitais fora do Brasil.

Investidores podem sair do arranjo formal de fundos e migrar para corretagem, comprando o ativo diretamente para ter uma eficiência fiscal maior, principalmente no caso do investidor menor. Mas os institucionais, que precisam estar em um veículo formal, irão absorver esse custo a mais de imposto”, projeta Thiago César, CEO da Transfero, empresa fundada por brasileiros na Suíça que oferta fundos no exterior com exposição a criptoativos.

“Alguns devem escolher o caminho autogerenciável de comprar criptomoedas diretamente, sem um veículo, algo que pode afetar diretamente empresas que oferecem apenas fundos como meio de investimento. No caso da Transfero, nós temos as duas modalidades”, conta.

Já o advogado Leon Bezerra defende que as offshores continuarão a ter relevância, mas aponta que a MP acabará por forçar a saída desses investidores, que não verão mais vantagem em repatriar o dinheiro alocado lá fora. “[A MP] vai desestimular um capital na casa de bilhões de reais, e esse valor pode fazer falta em uma eventual fuga de capital do país”.

Entenda a MP 1171

Atualmente, os investidores podem se valer de um regime de tributação mais benéfico ao fazer qualquer aporte intermediado via offshores, incluindo criptoativos. Lançando mão do chamado diferimento fiscal, é possível recolher impostos apenas no momento de distribuição dos lucros.

Isso significa que a taxação só se aplica quando o capital alocado no exterior é de fato repatriado, dando a investidores de longo prazo flexibilidade para mover capital com custo reduzido.

No caso dos ativos digitais, setor conhecido por seu dinamismo, o diferimento fiscal dá ao investidor a flexibilidade que ele precisa para mover o capital entre diferentes posições e aproveitar a alta volatilidade dos ativos, tudo sem precisar recolher impostos enquanto a offshore não distribui lucros.

Investidores de cripto também podem se valer da faixa de isenção de R$ 35 mil por mês de lucros, o que permite repatriar ganhos abaixo desse teto mensalmente sem recolher impostos.

Pelo proposto na nova MP, o investidor passa a ser tributado na alíquota máxima de 22,5% anualmente de forma automática, sempre que os ganhos ultrapassem R$ 50 mil por ano — quantia que, para essa categoria de investidor, é considerada irrisória.

“No nosso entendimento, cai a isenção que os brasileiros às vezes utilizavam de ganho de capital abaixo de R$ 35 mil”, ressalta César, da Transfero.

Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas