Inflação nos EUA surpreende para baixo e anima mercados, mas pode ser um “falso sinal”

Componentes de demanda devem continuar gerando uma pressão altista sobre a inflação nos próximos meses, avaliam economistas; mais dados são esperados

Lara Rizério

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Se os dados fortes de emprego dos EUA apresentados no final da semana passada elevaram as chances de um novo aumento de juros pelo Federal Reserve em 0,75 ponto percentual na reunião de setembro, no que seria a terceira alta desta magnitude, os dados de inflação ao consumidor apresentados nesta quarta-feira (10) jogaram um balde de água fria nessas projeções.

O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) ficou estável em julho ante junho, segundo dados com ajustes sazonais publicados nesta manhã pelo Departamento do Trabalho. O resultado veio abaixo da mediana de analistas consultados pela Refinitiv e pelo Broadcast, de alta de 0,2% no mês passado.

Apenas o núcleo do CPI, que exclui os voláteis preços de alimentos e energia, avançou 0,3% na comparação mensal de julho. Neste caso, o consenso do mercado era de acréscimo de 0,5%. Na comparação anual, o CPI dos EUA subiu 8,5% em julho, desacelerando em relação ao ganho de 9,1% de junho e vindo também abaixo das expectativas, de alta de 8,7%. Já o núcleo do CPI teve incremento anual de 5,9% em julho, repetindo a variação de junho e igualmente aquém da projeção de analistas, de aumento de 6,1%.

As apostas de redução do ritmo de alta de juros passaram a ganhar força logo após a divulgação do CPI, com o mercado passando a projetar a elevação de 0,5 ponto percentual (p.p.) na reunião de setembro como o cenário mais provável. A probabilidade, que estava em 30% no início da manhã, subiu e foi para acima de 60%, segundo monitor do CME Group, enquanto a chance de alta 0,75 ponto caiu em igual proporção.

Porém, até a reunião de setembro, que será finalizada no dia 21, outros dados (como a inflação de agosto) serão monitorados de perto pela autoridade monetária americana, o que pode levar – novamente  -a uma mudança nas expectativas. Ou seja, o dado de inflação, apesar de bem-vindo, levando a uma alta forte dos principais índices mundiais e uma queda do dólar, é visto com cautela por parte do mercado. Na sessão desta quarta, por volta do meio-dia (horário de Brasília), o Ibovespa subia 1,40%, superando os 110 mil pontos, enquanto o dólar caía 1,55%, a R$ 5,05 na venda. Nos EUA, Nasdaq é o destaque, com ganhos acima de 2,5%.

“Os dados surpreenderam positivamente, isso joga a favor de quem aguarda um ritmo menor [de alta de juros] na próxima reunião do Federal Reserve”, aponta Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, destacando a descompressão dos preços de energia.

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O índice de energia foi o principal destaque no mês ao recuar 4,6% na margem. O resultado foi reflexo dos recuos dos preços da gasolina (-7,7%), decorrente da queda do preço do barril do petróleo puxado pelo aumento das incertezas em torno do crescimento econômico global em um cenário de aperto monetário nas principais economias desenvolvidas.

Por outro lado, ele aponta que outros itens da divulgação ainda mostram uma resistência maior no médio e longo prazo, como o segmento imobiliário. “Sair da alta [na base anual] de 9,1% que estava para algo próximo a 5% é um caminho, que passa basicamente por dissipar o choque de energia, normalizar as condições de comércio internacional. Agora da alta anual de 5% para os 2% é algo mais complexo”, avalia. Segundo Cruz, a inflação mais resistente em outros itens dificulta a ideia de subir juros em patamar abaixo de 4% ao final do ano.

Para Nicole Kretzmann, economista-chefe da Upon Global Capital, o dado de inflação do mês passado dá força para a tese do soft landing, em que um pouco de aperto monetário – sem causar forte desaceleração da atividade – seria o suficiente para trazer a inflação de volta para a meta. Assim, o mercado voltou a apostar que é mais provável uma alta de 0,5 ponto da taxa de juros pelo Fed em setembro do que uma de 0,75 ponto.

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“Mas isso ainda é incerto. É difícil conciliar uma queda consistente da inflação com a recente força do mercado de trabalho americano. A taxa de desemprego está bem abaixo do equilíbrio e os salários estão acelerando, o que indica que os componentes de demanda devem continuar gerando uma pressão altista sobre a inflação nos próximos meses”, destaca Nicole.

Ela aponta que este foi apenas um dado e não garante que a batalha contra a inflação foi ganha. “A próxima reunião do Fed está a mais de um mês de distância. Haverá mais divulgações de inflação até lá, o que pode mudar a atual percepção sobre a trajetória dos preços”, reforça.

Para Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, o dado de inflação de julho também pode se tratar de um “falso sinal”.

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Ela aponta que o núcleo de bens ficou em 0,23%, abaixo da visão mais pessimista de algumas casas. Vestuário veio com deflação e isso foi uma surpresa, enquanto computador pessoal e televisores também contaram com forte queda. O dólar forte e o desenrolar da cadeia de bens estão contribuindo para o comportamento dos preços desses bens, avalia. Carros usados caíram um pouco, mas preços de carros novos ainda subiram.

“Serviços ficaram bem abaixo do esperado. Houve uma forte deflação em hotéis que não era aguardada, especialmente por estamos no primeiro mês de verão da reabertura (em julho passado ainda havia a variante delta da Covid-19). Medical care e professional services também vieram com variações mais modestas”, apontou.

Para a economista, a acomodação de preços de energia e bens deve seguir nas próximas apurações. “A chave aqui é se haverá um contágio dessa moderação no núcleo de serviços da inflação. Itens de reabertura que fazem parte do grupo de serviços caíram bem neste mês, sendo importante entendermos se estamos diante do início de uma tendência ou apenas um falso sinal”, aponta.

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Com as famílias em situação financeira saudável, avalia Débora, esse alívio dos preços de reabertura não deve ter uma sequência longa. “Aí teremos serviços ainda pressionados contra uma contínua moderação em bens. Esse cenário segue condizente com aperto contínuo do Fed, que deve entregar mais altas ao ritmo de 50 pontos-base até a taxa terminal de 4%”, avalia.

Alívio, mas…

Para o Morgan Stanley, após duas fortes surpresas em todas as principais categorias em junho e maio, o relatório de julho oferece algum alívio notável na inflação global e no núcleo. Com base nas perspectivas de queda dos preços da energia, a inflação global deve continuar a cair, e rapidamente.

No entanto, as pressões do núcleo da inflação permanecem desconfortavelmente altas e provavelmente serão mais persistentes, avaliam os economistas. Para o banco, é improvável que as autoridades do Fed vejam este dado como um sinal para se desviar de sua trajetória de aperto íngreme que os economistas da casa preveem até o final deste ano.

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“Dito isto, esta divulgação torna mais provável um aumento de 0,5 ponto percentual dos juros na reunião de setembro ante 0,75 ponto, mas muito dependerá ainda do dado de agosto, a ser divulgado no próximo mês”, aponta o banco.

Na avaliação do Bank of America, a inflação de julho dá um alívio bem-vindo para a economia, algo que os mercados parecem concordar, com base na resposta positiva inicial dos ativos de risco aos números.

“A previsão do Fed de um soft landing seria muito mais clara se observarmos declínios contínuos em preços de bens essenciais – particularmente bens duráveis, como carros novos e usados ​​e móveis domésticos – e uma desaceleração adicional na inflação de moradia/hotéis. Achamos que este relatório é consistente com nossa previsão de um aumento de 50 pontos-base em setembro”, destacou.

O Citi, por sua vez, segue vendo alta de 75 pontos-base dos juros na próxima reunião, vendo os próximos dados de emprego e de inflação nos EUA como muito importantes no curto prazo.

Para os economistas do banco, a “fraqueza” da inflação foi muito concentrada em poucas categorias. Assim, e também levando em conta o mercado de trabalho apertado, o Fed não deve mudar sua visão sobre a alta de juros. Eles ponderam, contudo, que os novos dados de preços colocarão o debate centrado entre uma alta de 50 pontos-base ou 75 pontos-base, ante uma visão anterior de alta de 75 pontos-base ou 100 pontos-base na próxima reunião.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.