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Ibovespa sobe 1,89% e dólar cai 0,73% após arcabouço fiscal: anúncio é o gatilho que o mercado esperava?

De uma forma geral, analistas avaliaram o anúncio como positivo, mostrando preocupação do governo com fiscal, mas ainda há pontos a serem esclarecidos

Lara Rizério Vitor Azevedo Mitchel Diniz

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O grande gatilho para o mercado brasileiro finalmente foi anunciado? O Ibovespa fechou em alta de 1,89%% nesta quinta-feira (30), aos 103.713 pontos, o dólar comercial caiu 0,73, a R$ 5,098 na venda e a R$ 5,097 na compra, assim como os juros futuros, tudo isso após o tão esperado anúncio do arcabouço fiscal.

O principal índice da Bolsa brasileira se saiu ainda consideravelmente  melhor do que seus pares em Nova York – Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq tiveram altas menores de, respectivamente, 0,43%, 0,57% e 0,73%.

Por lá, o dia não teve grandes destaques. Investidores ainda repercutem o menor temor com a crise dos bancos. Além disso, uma alta dos pedidos de auxílio desemprego na semana encerrada no dia 25 de março, de 198 mil ante consenso de 196 mil, ajudou a reforçar a tese de que o Federal Reserve pode ser mais brando em sua política monetária.

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O que puxou o Ibovespa foi, então, o cenário interno.

Para analistas de mercado consultados pelo InfoMoney, o arcabouço anunciado por Fernando Haddad, ministro da Fazenda, na manhã desta quinta, foi uma carta de intenções positiva e ajudou a dar um norte para o mercado, ainda que algumas projeções que guiam o governo em busca de uma sustentabilidade da dívida sejam muito otimistas. Com isso, os especialistas esperam ainda por mais detalhes, o que podem determinar novos ganhos do índice ou levar a um novo movimento de pressão.

A proposta do governo para o novo arcabouço fiscal terá uma trava para impedir que os gastos federais cresçam mais do que a arrecadação, mas contará também com um limite mínimo para a evolução das despesas. A medida estabelece ainda que as despesas públicas não poderão crescer mais do que 70% da variação das receitas.

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“Em linhas gerais, a composição do arcabouço fiscal mostrou o interesse do governo em conciliar a responsabilidade fiscal com sua preocupação social, que deve ser entendida não só como gastos com programas sociais, mas também com a retomada dos investimentos públicos como motor de crescimento econômico”, aponta Matheus Pizzani, economista da CM Capital.

Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, aponta que o governo tem uma meta agressiva de gerar superávit já a partir de 2025, estimando déficit de 0,5% em 2023, 0% em 2024 e superávit de 0,5% em 2025, o que é bem melhor do que as estimativas do mercado: -1%, -0,8% e -0,5%, respectivamente. Cabe destacar que as metas de primário propostas têm “bandas”: para 2025, a meta é de superávit de 0,5% do PIB, com intervalo de tolerância de superávits de 0,25% e 0,75% do PIB. E para 2026, o objetivo central a ser perseguido é de superávit de 1,00% do PIB, com bandas de superávits de 0,75% e 1,25% do PIB.

“Caso esse cenário se concretize, o juro real pode ter queda significativa nos próximos anos e a estabilização da dívida seria mais rápida. No entanto, o governo não deu detalhes sobre como chegará nesse resultado”, aponta.

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A curva de juros brasileira, ao menos momentaneamente, recuou bem. Os DIs para 2024 perderam quatro pontos-base, a 13,17%, e os para 2025, 18 pontos, a 11,97%. As taxas dos contratos para 2027 e 2029 recuaram, respectivamente, 21,5 e 17 pontos, a 12,08% e 12,54%. Os DIs para 2031 foram a 12,81%, com menos 15 pontos.

Além disso, as projeções de trajetória da dívida apresentadas foram bastante agressivas. Na simulação da economista, em um cenário de 1% de superávit a partir de 2026 e juros reais convergindo para 3%, a dívida estabilizaria em 79% do PIB a partir de 2026, enquanto o governo projeta, no cenário mais otimista, 73% de dívida/PIB em 2026.

O crescimento real dos gastos deve ficar entre 0,6% e 2,5% ao ano e fica limitado a 70% do crescimento da receita acumulada em 12 meses, e não com base em estimativas, evitando projeções infladas como já ocorrido no passado. “O limite de crescimento real de gastos de 2,5% é positivo, caso seja aprovado, mesmo excluindo o Fundeb e o piso de enfermagem”, avalia.

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Rafaela lembra que, em 2023, as despesas devem crescer cerca de 6% acima da inflação, o que foi a média de crescimento entre 2003 e 2015. Portanto, o limite de 2,5% é uma moderação e será condicionado ao crescimento da arrecadação, além de indicar uma flexibilidade em relação à regra anterior do teto de gastos, que, por ter sido muito restritiva, acabou se tornando ineficiente.

O investimento deve ter um piso e o governo indicou uma curva de crescimento entre 2,2% e 3,2% do total das despesas primárias e que poderia ser maior, caso o superávit fique acima da meta. O governo não deixou claro quais investimentos e qual seria exatamente o piso, mas 2,2% das despesas significam investimentos próximos de R$ 45 bilhões esse ano, crescendo para R$ 65 bilhões até 2026.

“Apesar das projeções do governo serem positivas, são também muito otimistas e deixam dúvidas sobre sua execução, principalmente pelo lado da recomposição de receita, que estimamos ser necessária entre R$ 50 bilhões a 150 bilhões/ano, entre 2023 e 2025, sendo que não há indicação específica de aumento de impostos nesse momento”, aponta a economista.

Ela destaca que os mercados tiveram uma reação positiva ao anúncio, com o dólar e juros em queda. Contudo, melhoras mais profundas, no entanto, principalmente a esperada queda da taxa de juros real, vão depender da aprovação do projeto e melhora efetiva nos resultados fiscais ao longo de 2023 e 2024, avalia.

Na mesma linha, Gustavo Arruda, diretor de Pesquisas para América Latina do BNP Paribas, ressalta que as novas regras parecem se apoiar em pressupostos muito otimistas para os próximos anos. “Nossas contas aqui não refletem os números que o governo apresentou, a não ser que a gente assuma um quadro de suposições otimistas no modelo que não parecem em linha com o que temos visto para a economia brasileira e global”, aponta.

“Tivemos uma análise boa para o mercado… Pode gastar 70% da receita, caso não seja respeitada cai para 50%, o que mantém as bases alinhadas, na teoria isso é perfeito, é o que os investidores querem ouvir, esse é o caminho para controlar o fiscal e não quebrar o país. Porém, o governo com causas sociais voltadas para esquerda, que é o que temos hoje, acaba tendo em seu DNA gastar com medidas sociais. O desafio é ver como isso deverá ser respeitado e quem irá pagar a conta”, avalia Luciano Feres, economista e CFO da Somus Capital.

Alexandre Lohmann, estrategista-chefe da Constância Investimentos, ressalta ainda que a regra é assimétrica. Assim, nos períodos de alta, nomeadamente de alta da receita com receita extraordinária, pode ter um aumento importante da despesa, que vira permanente. Mas, no caso de uma queda do PIB, a receita vai poder crescer mais.

“Então isso é um problema, é uma assimetria que vai tender a piorar a situação fiscal do Brasil a longo prazo. Também tem a questão da dívida. A trajetória da dívida (projetada pelo governo) parece ser um pouquinho otimista, porque ela faz cair o peso da redução da relação dívida/PIB com a redução da conta de juro. Essa é uma coisa geralmente preocupante dado que… a Selic vai cair em linha com a inflação, e não por conta da vontade do governo”, afirma.

A possibilidade de as despesas crescerem mesmo em um ano de queda de arrecadação do governo também é um ponto de preocupação na visão de Enrico Cozzolino, sócio e chefe de análise da Levante Investimentos, ainda que aponte que o arcabouço traz um direcionamento mais claro sobre a trajetória da dívida.

Pouco foco nas despesas e espera pelo Congresso são pontos de atenção

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, aponta que a regra será mais flexível que o teto de gastos original, com foco na limitação da taxa de crescimento da despesa primária, a estipulação de bandas para o compromisso de resultado primário, além de mecanismos de correção.

“De forma geral, o novo arcabouço é razoável. Tem regras claras e, como falamos anteriormente, tem mecanismos de correção. Mas, ainda estamos céticos com relação ao cumprimento das metas para o resultado primário – 0% para 2024, superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026. Esse será um grande desafio para o governo”, reforça o economista.

Durante a coletiva, lembra Sung, Haddad ressaltou o plano para melhorar a arrecadação do governo nos próximos anos. “Porém, o grande problema do país está do lado da qualidade das despesas, algo que não foi muito tratado na entrevista”, avalia.

Além disso, foi reforçada pelos secretários (Rogério Ceron e Guilherme Mello) a fala de Simone Tebet sobre despesas. A ministra do Planejamento afirmou que “diminuir despesas não é o foco”, e na sequência os secretários anunciaram que o novo arcabouço não aborda um gatilho de cortes para o cumprimento do resultado primário superavitário, e os ajustes para entrega do piso, se necessário, será sempre nas contas correntes e não nos investimentos.

Na mesma linha, Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, aponta que houve muito foco em gastos e pouco nas despesas.

“A melhora só sai do papel se a economia avançar e, como descartaram uma elevação de impostos, a melhora na relação vai depender muito de o Brasil manter um ritmo de crescimento”, afirma. E complementa: não há nenhuma sinalização de ajuste das contas públicas, redução de peso do estado – alias, em vários aspectos está se falando de aumento do peso do estado. Ao mesmo tempo, está contando com uma variável muito instável, que é a receita”.

Sung destaca que, apesar da sinalização importante da nova regra fiscal, ainda é cedo para afirmar como isso deve afetar a política monetária pelo Banco Central no curto prazo. Nas próximas semanas, avalia, haverá mais clareza sobre a questão de expectativas de inflação, que tem subido nas últimas semanas, e tem pressionado o cenário da autoridade monetária.

“E, vale lembrar que existe um longo caminho a ser percorrido no Congresso, com possíveis alterações no texto base. Pelo menos, a partir de agora podemos ter um horizonte mais claro sobre o que aguardar da política econômica. A nebulosidade e ansiedade que havia diminui marginalmente, o que pode reforçar nosso cenário de que cortes das taxas de juros podem ocorrer a partir do segundo semestre”, conclui o economista.

O economista André Perfeito ressalta o ponto citado pelo ministro durante a coletiva de que não haverá aumento de carga. Porém, será perseguido um aumento da arrecadação de quem não paga impostos ou que está sonegando.

“Temos assim um problema na mesa. Buscar reonerar certos setores ou mesmo começar a tributar setores que não estão tributados é uma briga política maiúscula, logo há muito o que ser feito ainda”, avalia.

Bruno Monsanto, assessor de investimentos e sócio da RJ+ Investimentos, comentou que “parece haver boa vontade e muito esforço da Fazenda para entregar o arcabouço fiscal, aprovado pela ala mais radical do governo e, ao mesmo tempo, convincente sob o ponto de vista técnico”.

“Vejo algum avanço com a sinalização de compromisso com o fiscal, com a solvência das contas públicas a longo prazo. Ponto positivo. Mas, o discurso de Haddad e [Simone] Tebet trouxe um jogo de palavras que deixou muitas lacunas, a meu ver. Sobre a arrecadação, Haddad disse que não pretende criar novos tributos, aumentar alíquotas. Mas, na contramão, falou em voltar a arrecadar através do fim de benefícios tributários que ele não detalhou. Ou seja, acho difícil não termos algum aumento da carga”, avalia.

Para Ariane Benedito, economista e RI da Esh Capital, o mercado digeriu bem o anúncio. No entanto, a contrapartida anunciada, que abrange a taxação de setores que hoje são beneficiados por tratativas fiscais, pode afetar o bom humor do mercado, com novos anúncios prometidos para a próxima semana.

“As expectativas agora crescem em torno do texto que trará mais detalhamento sobre a nova regra, bem como os modelos utilizados para as tratativas que devem ser apresentado na próxima semana nas casas para inicio das discussões. A questão sobre a taxação de setores como serviços de jogos e apostas, big techs, entre outros, deve ganhar a atenção do mercado”, avalia.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.