PEC da transição, falas de Lula, IPCA, “efeito Mantega”: o que fez o Ibovespa cair 3,35% e o dólar subir 4%, apesar de salto das bolsas dos EUA?

Dólar teve sua maior alta desde março de 2020 e EWZ, índice que replica o Ibovespa em Nova York tem pior queda dos últimos dois anos

Lara Rizério Vitor Azevedo

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O noticiário macroeconômico doméstico ofuscou nesta quinta-feira (10) a intensa sessão de temporada de resultados, os indicadores internacionais e levou a um movimento de forte aversão ao risco do mercado, fazendo com que o Ibovespa registrasse queda de até 4,46%, aos 108.966 pontos, na mínima do dia, enquanto o dólar chegou a R$ 5,415 nas máximas.

No fim do pregão, o Ibovespa fechou recuando 3,35%, a 109.775 pontos, enquanto o dólar comercial subiu 4,14%, a R$ 5,396 na compra e R$ 5,397, em sua maior alta desde março de 2020. O EWZ, que replica os ativos que compõe o Ibovespa em dólar, caiu 6,53%, também em sua maior queda desde março de 2020.

O início do pregão já apontava certa aversão ao risco para o mercado brasileiro, com o Ibovespa futuro abrindo em forte queda e o dólar avançando em seus primeiros negócios, por volta das 9h.

Notícias que ganharam força entre a véspera e a manhã de hoje de que há proposta em avaliação pela equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de retirar, de forma permanente, os desembolsos com transferência de renda do teto de gastos – a regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação – geraram repercussão negativa entre os investidores. A medida é uma das opções na mesa para viabilizar um Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família) de R$ 600 no ano que vem.

Há uma grande preocupação no mercado sobre isso, conforme destacado em análise do Broadcast, porque a alternativa vem ganhando força na equipe de transição – que antes priorizava apenas uma “licença” temporária para gastar além do teto, por meio da chamada PEC da Transição. A avaliação é de que a saída possa deteriorar mais a trajetória da dívida pública.

Por volta das 16h desta quinta-feira, Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito, chegou a casa de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, para discutir a proposta.

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Conforme destacou Tiago Sbardelotto, economista da XP, a medida embute o risco adicional de que o programa seja expandido sem qualquer balizamento a partir de 2024, o que levaria a uma deterioração adicional do cenário. Há também risco do lado da receita se houver cumprimento da promessa de isenção do IRPF a partir de R$ 5 mil mensais.

Acompanhe os destaques do mercado ao vivo

“Avaliamos que o tamanho da expansão fiscal combinada uma regra pouco restritiva de elevação de despesas deve impactar juros e câmbio e tornar o trabalho do Banco Central em controlar a inflação mais difícil, com manutenção da taxa de juros em patamares mais altos por um tempo maior. Dessa forma, será fundamental aguardar os próximos passos, especialmente as indicações de como o novo governo financiará a elevação de despesas”, apontou o economista em relatório.

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Isso se somou, durante o dia, aos dados do IPCA de outubro acima do esperado, com uma alta de 0,59% na comparação mensal, enquanto o consenso Refinitiv projetava avanço de 0,48%, também pressionando a curva de juros.

Para Luca Mercadante economista da Rio Bravo, os dados do IPCA voltaram a representar um sinal ruim para a dinâmica de inflação. “A volta do IPCA para terreno positivo já era esperada, entretanto, tivemos uma elevação dos preços acima das expectativas e com um qualitativo ruim. Núcleos voltaram a acelerar, serviços se mantiveram pressionados, bem como bens industriais”, comenta.

Com o risco fiscal e a alta do IPCA, a curva de juros brasileira fechou em forte alta. As taxas DIs para 2023 ganharam 4,8 pontos-base, a 13,71%, e as dos DIs para 2025 foram a 13,05%, com mais 103 pontos. Os DIs para 2027 tiveram suas taxas subindo 108 pontos, a 12,98%, e os DIs para 2029, 102 pontos, a 13,03%. Por fim, os DIs para 2031 foram a 13,05%, com mais 97 pontos.

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Nos Estados Unidos, a tendência da curva de juros foi totalmente contrária – os treasuries yields para dez anos perderam 32 pontos-base, a 3,822%, e os para dois anos, 29,6 pontos, a 4,332%.

O índice de preços ao consumidor dos EUA subiu 0,4% em outubro ante setembro , enquanto a projeção Refinitiv era de avanço de 0,6%, uma indicação bem-vinda de que os baldes de água fria que o Federal Reserve vem despejando na economia ao apertar a política monetária agressivamente estão sendo sentidos.

“Os aumentos (do Federal Reserve) nas taxas de juros estão começando a afetar a economia e reduzir a inflação à medida que os consumidores se tornam mais frugais”, disse Peter Cardillo, economista-chefe de mercado da Spartan Capital Securities. “Esta é uma notícia bem-vinda”, acrescentou ele, sugerindo que “há possibilidade de o Fed aumentar os juros em 50 pontos-base em dezembro e depois fazer uma pausa”.

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A Bolsa brasileira chegou a acompanhar levemente a performance do exterior, com a sua queda diminuindo por volta das 10h30, mas melhora foi temporária. Os ativos de renda variável brasileiros tiveram suas quedas se intensificando na esteira do discurso do presidente eleito Lula no fim da manhã, em que ele reforçou que o novo governo terá mais gastos.

Lula destacou ser preciso mudar a forma de encarar determinados gastos que são feitos pelo poder público. “É preciso mudar alguns conceitos. Muitas coisas que são consideradas como gastos neste País, precisam passar a ser encaradas como investimento. Não é possível que se tenha cortado dinheiro da farmácia popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal, cumprir a regra de ouro”, disse.

O problema para gestores p orém, é que há pouco espaço nas contas públicas para o futuro Governo Federal tirar esses planos do papel.

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Posteriormente, o anúncio de novos nomes para a equipe de transição, por Alckmin, acabou pesando ainda mais sobre o Ibovespa. Entre os destaques, Guido Mantega, ex-ministro da Economia, irá integrar a área de Planejamento e Orçamento.

Em sua coletiva de anúncio, o vice-presidente eleito desconversou quando indagado sobre a reação do mercado às recentes movimentações políticas de Lula e de sua equipe, falando que “notícias do exterior foram responsáveis pela queda do Ibovespa e pela alta do dólar” – o que não procede.

Enquanto o Ibovespa recuou, em Nova York, Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq subiram, respectivamente, 3,70%, 5,54% e 7,35%. O DXY, índice que mede a força da moeda americana frente a outras divisas de países desenvolvidos, caiu 2,32%, a 107,97.

“Acho que hoje foi um dos maiores descolamentos que vi de Brasil com resto do mundo que eu me lembro de ter visto. Lá fora, altas por conta de a inflação dos Estados Unidos ter vindo abaixo do esperado”, comenta Rodrigo Jolig, CIO da Alphatree Capital. “Brasil segue ameaçado pelo fiscal. Notícias de que Fernando Haddad pode estar no ministério da Economia, de que pode haver cortes no teto. Investidores questionam a credibilidade fiscal do país”.

“O mercado está preocupado com a quebra do teto de gastos, já que Lula não tem mostrado preocupação em relação aos gastos fiscais”, expõe Rodrigo Cohen, fundador da Escola de Investimentos.

O presidente eleito também falou sobre as estatais. “Eu quero dizer a vocês que as empresas públicas brasileiras serão respeitadas. A Petrobras PETR4 não vai ser fatiada. Eu quero dizer que o Banco do Brasil BBAS3 não vai ser privatizado. A Caixa Econômica, o BNDES, o BNB e o Basa voltarão a ser bancos de investimento, inclusive para pequenos e médios empreendedores”, disse.

Em outro momento do seu discurso da manhã, Lula criticou dividendos recém-anunciados pela Petrobras e que tem sido alvo de judicialização. “Só nesse período de governo [Bolsonaro] já vão mais de US$ 150 bilhões pagos em dividendos para os acionistas da Petrobras, e nada para investimento. E essa semana vocês viram que inventaram a distribuição de mais US$ 50 bilhões de um possível lucro futuro”, afirmou.

“O mercado está estressado e deve continuar por mais que tenha fluxo estrangeiro”, avaliou o analista Bruno Komura, analista da Ouro Preto, à Reuters. 

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno, destacou ainda que o mercado tinha aceitado de forma até melhor do que o esperado o resultado das eleições e, na sequência, houve a notícia de que Geraldo Alckmin iria encabeçar a equipe de transição, o que impulsionou os ativos de risco nos dias pós segundo turno. Hoje, porém, a melhora foi devolvida, com o Ibovespa chegando a patamares próximos do período antes do primeiro turno, no fim de setembro.

“A ideia de tirar o auxílio Brasil fora do teto, o que abriria recursos para as promessas de campanha, não está sendo bem vista. A partir do momento que você coloca esse programa social, que é importante, fora do teto, abre brechas. Primeiro, ele ficará ilimitado. Os recursos destinados a ele poderão crescer sem âncora. Além disso, há uma diminuição da previsibilidade em relação a dívida pública, que é um grande problema do Brasil. Tudo isso tem gerado um ruído”, aponta Sung.

Acilio Marinello , coordenador do MBA em Digital Banking da Trevisan Escola de Negócios, reforça o cenário, apontando que “a responsabilidade fiscal do país é um alicerce muito importante para manter toda a economia em segurança. Com menos déficit do governo, sobra mais dinheiro para o investir em infraestrutura e nas prioridades do país”.

“A pobreza ainda é um grande problema no Brasil, mas o respeito ao teto de gastos e à responsabilidade fiscal do país é o que traz previsibilidade e tranquilidade ao mercado, principalmente aos investidores estrangeiros, que procuram preferencialmente os países com uma política econômica previsível e responsável”, avalia Marinello.

Ubirajara Silva, gestor da Galapagos Capital, ressalta que “o cheque em branco está sendo cobrado pelo mercado”.  Ele complementa: “Finalmente o mercado acordou e viu que o cheque em branco dado ao governo está errado. Isso mesmo com o exterior  performando muito bem, após dados da inflação nos Estados Unidos melhores do que o esperado. Há muitas incertezas sobre o novo governo.”, avalia.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.