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Ibovespa: “balde de água fria” do BC faz índice cair 1,23% e perder os 120 mil pontos, mas tese positiva se mantém

Ainda que tom cauteloso do BC tenha dividido apostas para início dos cortes em agosto ou setembro, expectativa é de continuidade da alta do mercado

Lara Rizério Vitor Azevedo

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Como já projetado por analistas de mercado logo após a divulgação da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) na noite da última quarta-feira (22), a reação dos ativos de risco domésticos foi negativa ao teor do comunicado do Banco Central. A autoridade monetária manteve os juros em 13,75% ao ano, conforme o esperado e tirou algumas sinalizações que indicavam uma possível volta do aperto monetário.

Contudo, não deu sinalizações claras de início de corte de juros, enquanto parte do mercado já esperava um indicativo mais forte sobre o tema, incluindo na próxima reunião, de agosto.

Ainda que parte do mercado tenha visto a comunicação como acertada, o cenário agora tido como mais dúbio e dependente de dados para definir se haverá corte em agosto ou em setembro (e em que magnitude) leva a uma forte queda do Ibovespa um dia após o índice atingir o maior patamar de fechamento desde abril de 2022 na véspera, a 120 mil pontos. O índice caiu 1,23%, a 118.934 pontos pontos, após ter chegado a uma mínima de 118.018 pontos, perto de perder os 118 mil pontos.

Na Bolsa, a perspectiva de queda da Selic no segundo semestre tem apoiado um desempenho mais positivos, com estrangeiros reforçando tal movimento nas últimas semanas.

Enquanto isso, os juros mais curtos subiram e os de vencimento mais longo ficaram perto da estabilidade. O de vencimento para janeiro de 2024 avançou cinco pontos-base, para 13,08%, o para janeiro de 2025 3,5 pontos, a 11,14%, enquanto o para 2029 perdeu um ponto, a 10,79%.

“O comunicado é mais um passo na comunicação do BC rumo a uma postura mais ‘dovish’ (branda no combate à inflação), mas não é uma promessa de corte de juros na próxima reunião”, disse David Beker, chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America. “O Conselho não é só dependente de dados, mas também aguarda a decisão do CMN na próxima semana e posteriormente melhorias nas expectativas de inflação antes do corte de juros”, completou ele.

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“Acreditamos que o comitê não indicou uma saída iminente da estratégia de manter a taxa de juros no patamar atual, ou seja, um corte em agosto”, afirmou a equipe de pesquisa macroeconômica do Itaú Unibanco, chefiada por Mario Mesquita. Eles afirmaram ainda esperar que o Copom inicie o ciclo de flexibilização em setembro e que os próximos passos dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.

Além do Copom, Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos, apontou o dia de queda no exterior, com a baixa do petróleo (de cerca de 3%) também afetando os mercados por aqui. Além disso, a sessão também é de aversão ao risco no mercado internacional, com investidores de olho nas falas do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que afirmou em depoimento para a Câmara dos Representantes ser possível que os EUA tenha novas altas nas taxas de juros, que podem vir ainda neste ano.

Alexandre Mathias, CEO da Kilima Asset, avalia que a decisão do Copom foi a esperada, mas um tom um pouco mais conservador no comunicado gerou um pequeno deslocamento das apostas de um corte em agosto para um corte em setembro. “A consequência disso para o mercado, em princípio, seria apenas uma pequena reprecificação dos DIs mais curtos, correspondente ao adiamento do início do ciclo de cortes”, afirma.

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Contudo, ele também avalia que a dinâmica do mercado hoje está sendo impulsionada pelo cenário global. “O Banco Central da Inglaterra aumentou os juros de forma inesperada e o Jerome Powell disse que a expectativa de mais dois aumentos de juros por parte do Fed seria um ótimo palpite”.

“Em função disso, os juros nos Estados Unidos estão subindo, o que provoca um pequeno fortalecimento do dólar e cria um obstáculo à continuidade da alta das Bolsas. Em razão dessas duas coisas, tanto o Copom quanto esse movimento dos juros globais, o mercado acionário está tendo um movimento de realização mais forte hoje, com o Ibovespa testando uma queda de 2%”, avalia.

O dólar teve leve alta de 0,08%, a R$ 4,771 na compra e a R$ 4,772 na venda.

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Outro fator é relacionado ao Copom, mas pelo viés político, segundo Harada. “Depois da decisão de manutenção, Lula também falou que o nível da Selic é irracional e que a direção do Banco Central está jogando contra os interesses do país. E aí volta um pouco esse embate entre o governo e o Banco Central, a insegurança política, o que também impacta um pouco o mercado”, afirma o analista.

Na sessão, as maiores quedas do Ibovespa são, em sua maioria, de ações ligadas ao consumo doméstico, como construção, educacionais e varejistas, que ganham em um cenário de queda de juros, com muitas delas registrando um rali no acumulado do ano. Via (VIIA3), Magazine Luiza (MGLU3), Cogna (COGN3), CVC (CVCB3), EzTec (EZTC3) e Yduqs (YDUQ3) caíam entre 4,5% e 6%.

Contudo, apesar da surpresa pela falta de indicação de um corte em breve, operadores continuavam embutindo cerca de 70% de chance de o BC cortar a Selic em 0,25 ponto percentual em agosto, de acordo com probabilidades implícitas em contratos de juros futuros.

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Viés positivo continua?

Apesar da forte queda dos ativos na sessão, analistas avaliam que o cenário para a Bolsa brasileira segue positivo.

Alexandre Mathias, da Kilima, ressalta que o movimento do Ibovespa hoje é pontual. “Na nossa visão, essa é uma realização tópica, que não muda a perspectiva do mercado de buscar algo em torno de 130 mil pontos até o final do ano”, avalia.

Em live da XP logo após a decisão do Copom, Fernando Ferreira, estrategista-chefe da casa, também reiterou visão positiva para o Ibovespa, com projeção do índice fechando o ano a 130 mil pontos.

Em relatório, Caio Megale, economista-chefe da XP, apontou acreditar que a estratégia do Copom é manter as taxas por mais algum tempo ou iniciar um afrouxamento monetário gradual em breve. Assim, vê a declaração do BC (no comunicado) consistente com o seu cenário base (desde abril), que considera um corte de 0,25 ponto percentual já em agosto, seguido de cortes de 0,50 ponto até a taxa Selic atingir 11,00% ao final do 1T24.

Esse cenário de queda de juros, diz Ferreira, segue como guia para as projeções positivas para o Ibovespa. “A Bolsa performou muito melhor do que o CDI durante os ciclos de cortes da Selic nos últimos 20 anos, quando tivemos 6 ciclos de corte. A performance média foi de quase 50%, ante 18% do CDI”, avalia, vendo ainda que o índice deve seguir em alta após o primeiro corte, no segundo semestre.

Ferreira também cita que uma fatia importante do mercado ainda não entrou na Bolsa e que deve ser importante para impulsionar o mercado brasileiro no médio prazo.

“O investidor pessoa física ainda não voltou para a Bolsa, segue sendo vendedor de Bolsa no ano. Os institucionais continuaram com muitos resgates (…) enquanto os fundos de pensão atingiram a menor alocação histórica – assim, há muito espaço para voltarem. Já o fluxo de estrangeiros, que ‘segurou’ a Bolsa nos últimos dois anos, tem sido muito errático, temos vistos meses de entrada e saída, ainda que no ano o saldo seja positivo”, aponta.

Assim, a Bolsa está no atual patamar mesmo sem fluxo da pessoa física, sem institucional, com pouco fluxo de estrangeiro e com as ações da Vale (VALE3) caindo mais de 20% no acumulado do ano. “Então seguimos com uma projeção bastante positiva para a Bolsa brasileira”, aponta, mas ressaltando que o movimento de ganhos nem sempre é linear e que pode haver movimentos de ajustes e correção, principalmente ligados ao exterior.

Em entrevista ao Radar InfoMoney, Luiz Fernando Figueiredo, presidente do Conselho de Administração da Jive Investments e ex-diretor de política monetária do do Banco Central (BC), ressaltou que o mercado ficou surpreso com o tom um pouco mais duro do que esperava do BC, ainda que o comunicado tenha ido na direção que projetava.

Dito isso, ele ressalta que os ativos tiveram uma forte melhora não só no Brasil, mas no mundo, nos últimos meses, mas que o cenário nacional se mostrou ainda melhor com os dados positivos da economia doméstica.

O ex-BC avalia ainda que o mercado brasileiro passou por fases, de temor no início do governo para uma fase de racionalidade com o pacote de aumento de arrecadação, arcabouço fiscal e andamento da reforma tributária.

“Agora, estamos num ciclo de inflação indo para meta, o BC pode reduzir juros e a própria curva de juros caiu bem. Já o mercado de crédito, que teve recentemente uma travada enorme também com o caso Americanas (AMER3), está destravando. O ciclo que estamos entrando é de descompressão, o que é bom para a Bolsa, ativos ligados à economia real e mais alavancados na queda de juros, como construção civil e infraestrutura”, avalia.

Confira a entrevista completa assistindo ao vídeo a seguir:

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.