Ibovespa encerra abril com queda de 10,1%, pior mês desde março de 2020: entenda o que levou à forte baixa

Lockdown na China, inflação e tom hawkish do Federal Reserve ajudam a explicar o maior pessimismo

Vitor Azevedo

(Gearstd/Getty Images)
(Gearstd/Getty Images)

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O Ibovespa fechou em queda de 1,86% nesta sexta-feira (29), aos 107.876 pontos. O índice, com isso, acumulou queda de 10,10% em abril, a maior desde março de 2020, se distanciou da sua máxima no ano, que foi de cerca de 121 mil pontos, e interrompeu uma sequência de três meses de altas.

Em parte, tanto no dia quanto no mês, o índice brasileiro acompanhou o sentimento negativo provindo do exterior. Hoje, o Dow Jones, o S&P 500 e a Nasdaq recuaram, respectivamente, 2,77%, 3,63% e 4,17%. No mês, os três índices registraram quedas de 4,9%, 8,8% e 13,3%, na mesma sequência.

Para Luiz Adriano Martinez, gestor da Kilima Asset, o fator que levou à forte queda da Bolsa brasileira e das americanas é o fato de o mercado ter “se conscientizado de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) terá de subir o juros mais do que o que era antes esperado”.

“Hoje a precificação é de que haverá uma alta de 50 pontos na próxima reunião, sendo que até no começo do ano a expectativa era de 25 pontos. As declarações do presidente do Fed, Jerome Powell, e de outros diretores foram na linha de que será necessário um aperto na política monetária”, defendeu Martinez.

Segundo ele, uma alta mais abrupta dos juros tem impacto direto nas companhias, principalmente nas de crescimento. Por isso a Nasdaq, bolsa conhecida por abrigar companhias de tecnologia, foi a mais impactada em abril – essas empresas têm grandes partes dos seus valores de mercado atreladas às perspectivas de crescimento, que são minadas por uma política monetária mais apertada, com menos capital circulando.

A perspectiva negativa para a maior economia do mundo, querendo ou não, acaba impactando a perspectiva para os demais países.

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Naio Ino, gestor de renda variável da Western Asset, destaca ainda que o problema da inflação continua sendo latente para várias nações, o que deve pressionar ainda mais as autoridades monetárias em todo o mundo.

A guerra na Ucrânia continua pressionando o preço das commodities – nesta sexta-feira, inclusive, o barril Brent voltou a flertar com o patamar de US$ 110 após o discurso de que países europeus embargarão o petróleo e o gás da Rússia ganhar força. Do outro lado, os lockdowns na China, com a política de Covid zero, geram novos impactos na cadeia global de suprimentos, que também devem resultar em alta dos preços.

“A combinação de tudo isso se traduz em mais inflação. É uma preocupação do mercado global e do mercado local”, diz o gestor da Western.

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Novas altas dos preços, seja com o combustível mais caro ou com problemas logísticos mundiais, devem pressionar cada vez mais os bancos centrais. Estes, ao subirem juros, acabam cerceando o crescimento – e há quem fale já em recessão em várias economias importantes, principalmente para a Europa.

No Brasil, por exemplo, a percepção de que o Banco Central não encerrará o ciclo de alta na próxima reunião também começa a ganhar força. O fato de as últimas publicações do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e do IPCA-15 terem trazido uma inflação ainda elevada reforçam essa tendência.

“No cenário interno, com isso, nomes mais ligados aos setores de tecnologia e a crescimento acabam sofrendo mais com o movimento de alta da curva de juros. Nomes ligados à construção civil e varejistas também são mais sensíveis.

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Nesta sexta-feira, a curva de juros brasileira fechou com tendência majoritária de alta – o DI para 2025 viu sua taxa avançar três pontos-base, para 12,06%, o para 2027 viu a sua taxa chegar a 11,86%, alta de 25 pontos, e o para 2029 avançou oito pontos, para 11,97%. O DI para 2023 foi exceção, com seu rendimento recuando um ponto, para 13,03%.

Entre as principais altas do Ibovespa no mês de abril, estão as ações ordinárias da Locaweb (LWSA3), com menos 29,01%, as da Via, com menos 28,78%, e as da Magazine Luiza (MGLU3), com queda de 28,45%.

Commodities tem abril sem direção única

Se nos três primeiros meses do ano a direção das companhias de commodities brasileiras foram únicas, em abril isso deixou de acontecer. Nomes ligados ao petróleo, como a PetroRio (PRIO3) e a 3R Petroleum (RRRP3) se beneficiaram das recentes altas dos preços do barril, com a guerra na Ucrânia. Mineradoras e siderúrgicas, por sua vez, registraram quedas consideráveis, impactadas pelo lockdown na China.

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“A alta do Ibovespa, que aconteceu nos primeiros meses do ano, foi muito em função da alta das commodities”, pontua Martinez. “Com a questão da covid-19 na China e os lockdowns totais, o mercado começa a colocar o risco de o gigante asiático ter um crescimento mais fraco. Isso é prejudicial para o setor de commodities, que é importante para a Bolsa brasileira”.

A Vale (VALE3) tem peso de 15,7% no Ibovespa e viu suas ações ordinárias recuarem, no mês, 12,88%. As ações ordinárias da CSN (CSNA3), as preferenciais da Gerdau (GGBR4) e as preferenciais do tipo B da Usiminas (USIM5), ainda como exemplo da deterioração do setor, recuaram, na sequência, 21,03%, 8,11% e 21,1%.

“O estrangeiro olha para a Bolsa brasileira como uma bolsa de commodities. Ele começa a olhar para a bolsa brasileira quando a perspectiva para as commodities é positiva. Foi isso que aconteceu no começo desse ano. Neste mês, porém, o estrangeiro deixou de comprar e começou até a vender, de forma moderada”, explica o gestor da Kilima.

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Saída de investidor estrangeiro pesa sobre câmbio

Com o fluxo estrangeiro para o Brasil nos três primeiros meses do ano, explicado em parte pela valorização das commodities, houve a valorização do real. A moeda brasileira, em abril, contudo, se desvalorizou, acompanhando o principal índice da Bolsa.

Após o dólar chegar a valer R$ 5,65 no começo do mês, a divisa americana fechou o último pregão do mês cotada a R$ 4,942, com alta de quase 6% em 30 dias e avançando 0,06% nesta sexta.

“Houve uma mudança na percepção de fluxo doméstico no mês de abril, com a redução de entrada de investidores estrangeiros na bolsa. Este fluxo foi importante nos três primeiros meses para apreciar o câmbio”, comenta Luciano Costa, economista e sócio da Monte Bravo Investimentos. “Nós não temos os dado oficiais ainda, mas provavelmente houve também redução de entrada de fluxo para a parte de renda fixa”, completa.

Além do fluxo estrangeiro para o Brasil ter diminuído, Costa ressalta que houve, em abril, uma valorização geral do dólar frente a outras moedas, por conta dos discursos mais hawkishs do Federal Reserve. O DXY, índice que mede a força da moeda americana frente pares, atingiu os maiores níveis do ano.

Entre as moedas que se desvalorizaram frente ao dólar, foi destaque o iene chinês – enquanto o EUA fala em restringir sua política monetária, a China fala que liberará uma série de estímulos, despejando liquidez no mercado para impulsionar a economia e diminuir os impactos dos lockdowns.

“Ao longo da última quinzena dos mês houve depreciação forte da moeda chinesa, de mais de 3%, O Real, com o Brasil sendo grande parceiro comercial da China, também sofreu por isso”, explica Costa.

No futuro, Ibovespa deve repercutir decisões externas

Para maio, investidores estarão atentos, principalmente, à decisão do Federal Reserve, que sai já na primeira semana do mês.

“O mercado para o próximo mês está aguardando a reunião do Federal Reserve, marcada para o dia 04. Esse evento deverá dar uma visibilidade melhor sobre os próximos planos da autoridade monetária dos EUA em relação ao juros americanos”, comenta Marcelo Oliveira, CFA da Quantzed.

Nano Ino, destaca ainda que, nas próximas semanas, investidores estarão atentos em novas notícias provindas da China – o fim dos lockdowns ou o anúncio de novos estímulos deve beneficiar companhias brasileiras, principalmente as mineradoras e siderúrgicas.

Luciano Costa vai no mesmo caminho, afirmando que a China pode ser um bom driver para a performance do Ibovespa. “Na Covid-19, sabemos já como funciona. Normalmente temos um ciclo de piora rápido, que em algum momento melhorará. Se isso acontecer na China, a questão da desaceleração econômica, ou ao menos uma tão acentuada, deixa de estar em pauta. Se isso acontecer, será bom para a Bolsa brasileira e pode trazer fluxo”, comenta.

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