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O investidor das ações da farmacêutica Hypera (HYPE3) teve uma sessão de fortes emoções na última segunda-feira (21), com as ações saindo de uma queda de 17% durante a manhã para uma alta de 5% à tarde e fechando com ganhos de 2%. Do desalento com as medidas para otimização de capital de giro e descontinuação de projeções de 2024, o mercado passou a ter ânimo com a proposta de fusão feita pela EMS, de forma a criar maior laboratório farmacêutico do Brasil.
Analistas avaliam a possível fusão e as sinergias e veem como positivas, mas mostram dúvidas se a Hypera aceitará essa união entre gigantes.
A proposta da EMS envolve uma troca de ações em múltiplos iguais e R$ 30/ação em dinheiro para até 20% dos acionistas da HYPE3 que podem preferir não permanecer na nova empresa.
O Bradesco BBI vê a proposta como positiva para a Hypera, dado que (i) um investidor estratégico vê seu preço atual de ação como atrativo e (ii) se o acordo for concretizado, há uma expectativa significativa de altas sinergias.
Apesar das maiores subvenções fiscais da Hypera (que por si só deveriam justificar um desconto no múltiplo), o BBI tem uma visão inicial de que o Conselho provavelmente rejeitará a oferta, dada (i) a falta de prêmio de controle, (ii) o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) dos últimos doze meses da Hypera é cerca de 5% do normalizado devido aos resultados fracos no segundo semestre de 2023 (2S23), (iii) a Hypera acaba de anunciar um plano de otimização de capital de giro que pode gerar valor significativo mais para frente [apesar da reação negativa do mercado ao anúncio], (iv) a oferta em dinheiro de R$ 30 por ação está 40% abaixo da máxima do preço da ação em 2023.
O banco lembra que, segundo informações da imprensa, os controladores da Hypera não aceitaram uma fusão com a EMS em 2022 porque teriam menos de 50% de participação (a proposta agora é de 40%). Nesse cenário, acredita que o mercado possa reagir negativamente e mantém a recomendação neutra para HYPE3.
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Caso a fusão se concretize, a nova companhia criaria a maior farmacêutica da América Latina, com R$ 16 bilhões de receita líquida e 31% de margem Ebitda combinadas. O BBI aponta que o portfólio de produtos da NewCo (nova companhia) é altamente complementar, com genéricos da EMS e OTC (medicamentos de venda livre, que não precisam de receita médica) da Hypera. A fusão criaria finanças robustas e sinergias operacionais que desbloqueariam valor significativo para os acionistas.
“Dada a liderança de mercado de ambas as empresas, a transação deve criar um fosso competitivo mais forte, estruturas de custos otimizadas e capacidades aprimoradas de P&D [pesquisa e desenvolvimento], para dar suporte ao crescimento sustentável de longo prazo”, avalia o banco.
Já as muitas sinergias potenciais incluem oportunidades de receita aprimoradas por meio da cobertura comercial expandida, portfólios de produtos otimizados e a implementação de estratégias de vendas cruzadas e adicionais, aponta o BBI.
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Do lado do custo, a fusão poderia gerar eficiências ao alavancar maior poder de barganha em negociações de matéria-prima, embalagem e frete, simplificando a logística e reduzindo despesas fixas e de marketing. Eficiências operacionais e regulatórias podem surgir da escalabilidade de produção e processos de registro de produtos mais rápidos, permitindo acesso mais flexível ao mercado. Além disso, uma gestão otimizada do capital de giro e maior eficiência do fluxo de caixa, combinadas com investimentos aprimorados em P&D e uma estrutura de capital mais forte, podem reduzir os custos da dívida e dar suporte ao crescimento sustentável.
Na visão do Itaú BBA, os negócios são complementares com sinergias muito prováveis, mas avalia que vai esperar pelos próximos passos.
“Em nossa visão, o acordo faz sentido de uma perspectiva operacional, pois pode criar um player líder no segmento farmacêutico com oportunidades de sinergia que podem aumentar a lucratividade da empresa combinada, poder de barganha com fornecedores e clientes e posicionamento estratégico”, ressalta o banco. As empresas não parecem ter uma sobreposição de portfólio (com a EMS focada principalmente em genéricos e a Hypera em medicamentos OTC). Por outro lado, considerando que a discussão de uma potencial fusão e aquisição entre as duas empresas já ocorreu no passado, quando a HYPE3 estava muito mais valorizada na Bolsa, o banco também acredita que não é óbvio que a oferta seja aceita a R$ 30/ação.
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O Goldman Sachs também comentou “possíveis remédios” antitruste do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Embora não tenha visão sobre a potencial decisão regulatória antitruste, vê os portfólios de medicamentos das empresas como amplamente complementares, sem sobreposição aparente em termos de categorias amplas. No entanto, olhando para os dados de sell-out (venda direta ao consumidor), a categoria de genéricos se destacou com a maior concentração para a NewCo (32,7% de participação de mercado de sell-out). “Notamos, no entanto, que nos falta mais granularidade nos dados de sell-out por classe, e acreditamos que a decisão do Cade poderia levar isso em consideração ao avaliar a concentração de mercado, em vez de uma definição ampla de categoria”, aponta.
De acordo com o fato relevante, a equipe de consultoria jurídica da EMS já conduziu uma análise preliminar sobre os impactos da concentração de mercado, antecipando que não haverá medidas antitruste relevantes eventualmente impostas pelo Cade.
Desafios à parte, para João Daronco, analista da Suno Research, o movimento é resultado do atual momento vivido pelo setor de saúde. “O mercado segue bastante machucado pela pressão nas margens das operadoras, o que prejudicou o setor como um todo. Temos visto uma retomada, mas ainda bastante tímida. A Hypera é um dos grandes players e já havia sido ventilada uma venda/fusão para outros grandes players do setor no passado. Após uma descontinuação do seu guidance (o que reflete o momento) tivemos o avanço da EMS para uma possível fusão, o que poderá se concretizar ao longo dos próximos meses. Por fim, entendo como cada vez mais natural no mercado de saúde movimentos de consolidação desse tipo”, avalia.
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Detalhes da operação
A EMS, cabe ressaltar, é líder em genéricos no Brasil. Fundada em 1964, é um dos maiores conglomerados farmacêuticos do Brasil, com receita líquida de R$ 8 bilhões e Ebitda de R$ 2,8 bilhões em 2023. Seu portfólio ultrapassa 2,5 mil SKUs (unidades de estoque, representando a quantidade de produtos), cobrindo genéricos (42% da receita), medicamentos similares (16%), medicamentos prescritos (25%), vendas institucionais (16%) e produtos OTC (2%). A empresa possui cinco plantas industriais e dois grandes centros de distribuição.
A proposta de acordo garante o controle da EMS com 60% de participação e estrutura de governança compartilhada. A proposta de fusão da EMS é por meio de uma troca de ações usando múltiplos EV (valor de uma empresa, considerando o valor de mercado das suas ações, a dívida líquida e outros fatores)/Ebitda iguais de 11,5 vezes, avaliando R$ 27,2 bilhões de EV para Hypera e R$ 30,3 bilhões para EMS (com dívida líquida de R$ 1,8 bilhão). Há também uma oferta pública (OPA) acompanhando a fusão, precificada a R$ 30 por ação, (prêmio de 16,9% sobre o preço de fechamento da HYPE3 de R$ 25,67 na sexta-feira), mas limitada a 20% das ações ordinárias da HYPE.
A nova companhia seria controlada pelos acionistas da EMS com 60% da empresa. Eles teriam cinco dos nove membros do conselho, com quatro sendo nomeados pela Hypera, e a listagem contínua no Novo Mercado da B3.