Hering volta aos holofotes após negar fusão com Arezzo: quais os caminhos possíveis para as empresas?

Apesar da recusa da Hering, analistas não veem portas fechadas para novas ofertas, inclusive de outras companhias

Lara Rizério Anderson Figo Priscila Yazbek

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SÃO PAULO – O último ano de pandemia foi marcado por diversas operações de fusões e aquisições, que consolidaram e fortaleceram as companhias dos mais diferentes segmentos de mercado. Contudo, algumas dessas propostas surpreendem bastante os investidores, como a que se tornou pública na última quarta-feira (14). A Cia. Hering (HGTX3) informou ao mercado ter recusado a proposta feita pela Arezzo (ARZZ3) no último dia 7 para a combinação das operações entre as duas companhias, uma operação que estava totalmente fora do radar dos investidores.

Apesar de a proposta ter sido rejeitada, a Cia. Hering divulgou a intenção da rival de fazer a fusão e abriu espaço para especulações sobre se a varejista de moda básica – até então em baixa na Bolsa – estaria aberta a novas propostas, inclusive de outras empresas do setor.

Os ativos HGTX3 chegaram a saltar 31,87% na máxima do dia na sessão desta quinta-feira (15). Enquanto os papéis da Arezzo chegaram a registrar ganhos de até 10,52% pela manhã, com os investidores e analistas avaliando os prós e contras da operação para as duas varejistas. E apesar de suavizarem um pouco a alta pela tarde, ambas fecharam com valorizações fortíssimas, a Hering com avanço de 28,13%, aos R$ 21,91 e a Arezzo com alta de 8,35% aos $ 80,95, +8,35%.

Se, por um lado, a Arezzo, até pouco tempo atrás focada em calçados femininos, está expandindo sua atuação e buscando novas oportunidades no setor de moda e têxtil, por outro, a Cia. Hering, que apresentava resultados fracos antes mesmo da pandemia e estava em baixa na Bolsa, lembrou aos investidores a força que tem a sua marca.

A avaliação dos analistas, como Victor Saragiotto e Pedro Pinto, do Credit Suisse, era de que o momento da transação não poderia ser melhor para a Arezzo, uma vez que os ativos ARZZ3 estão nas máximas históricas, enquanto as ações HGTX3 ainda estavam, até o fechamento da véspera, cerca de 30% abaixo dos níveis pré-pandemia, proporcionando uma relação de troca bastante atrativa para os acionistas da Arezzo.

As duas, vale ressaltar, têm trajetórias recentes que seguiram direções opostas — e agora passam a se encontrar. Anos atrás, a Hering valia R$ 7,5 bilhões e a Arezzo R$ 3,2 bilhões. Hoje, a situação se inverteu: a Arezzo vale R$ 7,3 bilhões, enquanto a Hering vale R$ 2,7 bilhões, considerando as cotações de fechamento de quarta-feira.

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A proposta feita pela Arezzo totalizava R$ 3,3 bilhões, sendo que os acionistas da Hering receberiam R$ 1,29 bilhão em dinheiro e ficariam com 21,17% da companhia resultante da fusão. A relação de troca seria de 0,1686 novas ações ordinárias da Arezzo para cada ação ordinária da Hering. Assim, a oferta equivale a um prêmio de 20% sobre o preço médio da ação da Hering nos 90 dias anteriores à proposta.

Ao justificar a recusa em comunicado, a Hering destacou que o Conselho de Administração da companhia, com assessoria do BR Partners e Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, decidiu por unanimidade rejeitar a proposta, por considerar que ela não atende “ao melhor interesse dos acionistas e da própria companhia”.

Assim, uma questão que fica é se as portas vão continuar abertas para novas tratativas. Enquanto o JPMorgan avalia que a recusa rápida, em questão de uma semana, pode não gerar margem para novas propostas, para Angélica Marufuji, sócia e analista da Meraki Capital, o fato de a Hering ter negado a proposta não fecha as portas para que as negociações continuem.

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Ela lembra que a relação entre os executivos da Hering e da Arezzo é antiga: Anderson Birman (Arezzo) e Fabio Hering (Hering) fizeram parte dos conselhos de ambas as empresas entre 2014 e 2017 e até chegaram a ensaiar uma combinação de negócios no período.

Assim, a avaliação é de que a Arezzo pode vir com uma nova proposta. E, conforme destaca o Credit Suisse, a Hering pode passar a ser mais vista como alvo de fusões e aquisições, o que, para uma ação em baixa, pode levar a reações positivas de preços.

Quem se beneficia mais

Nesse cenário e com possíveis novas propostas no radar, Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante Ideias de Investimentos, espera que no curto prazo o efeito positivo para as ações da Arezzo seja mais limitado, uma vez que ela terá que mostrar um interesse maior (preços mais elevados) caso queira realizar de fato uma combinação de negócios com a Hering. A alta de menos de 10% das ações da Arezzo, contra os cerca de 30% da Hering confirmam a tese.

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“Do lado da Hering, a notícia mostra que há interessados nos seus negócios, dispostos a pagar um prêmio relevante em relação a seu valor de mercado atual, ainda mais com o processo de melhoria e integração das operações de e-commerce e lojas físicas já começando a apresentar resultados nas linhas de despesas”, avalia Guimarães.

No caso da Arezzo, apesar de a rejeição da oferta limitar os ganhos no curto prazo, o especialista lembra que a empresa incorporou em outubro de 2020 a Reserva, marca de vestuário premium masculino. Assim, o mercado pode entender como positiva a tentativa da empresa de ampliar a linha de atuação para mais segmentos do setor de moda, ampliando o público-alvo das classes A e B também para outras faixas de renda.

Por isso, no médio prazo, o analista já vê a possível fusão como mais positiva para a Arezzo do que para a Hering.

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“Os acionistas da Hering ganhariam só uma ação com mais liquidez, uma empresa com portfólio mais diversificado e acesso melhor a capital. Já os acionistas da Arezzo agregariam uma marca forte ao portfólio da companhia e ficariam com uma ação ainda mais forte na Bolsa. A Arezzo quer expandir seus ganhos para além do público feminino, ela mostrou isso com a compra da Reserva e agora com essa tentativa na Hering”, avalia.

Na avaliação do JPMorgan, a nova via de crescimento da Arezzo, por meio de aquisições, é positiva e pode gerar valor significativo para os acionistas. “Apesar de ter registrado resultados decepcionantes entre os últimos dois e três anos, acreditamos que a Cia. Hering possui um forte valor de marca, que poderia ser reformulado com melhor execução de varejo em lojas próprias e franquias – um ponto forte da Arezzo”, destaca a equipe de análise.

Olhando para a Hering, a negativa da companhia em realizar a fusão indica que ela segue confiante em sua estratégia de crescimento (principalmente via digital), o que é positivo. Porém, de acordo com os analistas, sem a fusão, a estratégia da varejista permanece mais ou menos a mesma dos anos anteriores.

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Assim, para o JP, se a transação acontecer poderia desbloquear um valor material para a Hering, especialmente considerando que o nível de confiança em sua execução é baixo e a Arezzo tem “a caixa de ferramentas” e o histórico para apoiá-la.

Dentre os potenciais benefícios da fusão, o banco destaca: a cultura de varejo da Arezzo, as ferramentas de controle de franquia e os recursos ominichannel (de integração de canais) sendo estendidos para a Hering; as capacidades de fabricação da Hering apoiariam a integração da Reserva (recentemente adquirida pela Arezzo); e ambas poderiam ter maiores sinergias operacionais, com a otimização da infraestrutura dos centros de distribuição e da cadeia de suprimentos.

Os analistas do JPMorgan continuam com recomendação overweight (exposição acima da média) para a Arezzo, com preço-alvo de R$ 80. Eles veem oportunidades de crescimento e execução forte para a empresa de calçados, somadas à opção de uma maior expansão no segmento de vestuário através de aquisições. Para a Hering, a recomendação é neutra, com preço-alvo de R$ 17,50, “dada a visibilidade ainda limitada sobre a conclusão de sua recuperação e tendências de crescimento mais brandas”.

Disparada das ações, e agora?

A alta muito forte dos ativos HGTX3, saindo da casa dos R$ 17 e indo para dos R$ 21, também levanta a questão sobre até onde os papéis podem ir na Bolsa. Para Angélica, da Meraki, o prêmio de 20% proposto pela Arezzo sugere ao mercado que a empresa pode valer, no mínimo, esses 20% a mais que foram ofertados.

“Era um papel fora de interesse de investidor, mais usado por fundos para posições short (vendidas, que apostam na queda da ação) de varejo. Com essa notícia, o mercado volta a olhar a empresa, ao questionar: ‘O que a Arezzo viu aí? E o que poderia haver de assimetria com uma gestão nova da Hering?’”, diz a sócia da Meraki, acrescentando que outro fator que pode levar a uma maior valorização do papel no curto prazo é a expectativa por uma nova proposta da Arezzo.

O Credit Suisse também aponta que, agora alvo de fusões e aquisições, a ação HGTX3 pode ter uma reação positiva prolongada por conta dessas especulações. Os analistas afirmam ainda que não veem uma aquisição hostil (uma compra massiva das ações em circulação, sem acordo com os controladores da Hering) como provável neste momento, dado o bom relacionamento entre as duas famílias fundadoras.

Filipe Ferreira, diretor financeiro da Comdinheiro, aponta três possíveis cenários para as negociações.

O primeiro é que a Cia. Hering possa ter negado a proposta esperando que, com o nome dela no radar, outras propostas apareçam. Alguns competidores pares poderiam enxergá-la como uma empresa que traria um ganho de capacidade produtiva, como a Lojas Renner ([ativo =LREN3]) ou a Guararapes ([ativo =GUAR3]), controladora da Riachuelo. “Esperar uma oferta de algum desses competidores pares é um caminho menos provável, mas é possível”, avalia.

O segundo cenário é o que está em andamento: uma marca tem interesse na Hering para fortalecimento de portfólio, ou melhor, para se posicionar em um novo mercado, comprando uma operação grande. É o que a Arezzo está tentando fazer.

Para Ferreira, é bem provável que a Arezzo volte para a mesa e apresente à Hering uma proposta maior. Ele diz ser praxe no mercado a apresentação de uma proposta menor inicialmente, levando a uma margem de negociação maior a partir disso.

O terceiro cenário seria a Hering recusar a proposta da Arezzo e assim chamar atenção de investidores estrangeiros para a sua marca. Ferreira ressalta que muitas varejistas de fora do Brasil tentam operar no país, mas sem muito sucesso, como foi o caso da Forever 21. Dentre os impedimentos, estão as barreiras de entrada com as competidoras gigantes e as dificuldades logísticas, ainda mais levando em conta a dimensão continental do país.

“A Zara, por exemplo, pode ser uma das empresas que se beneficiariam de uma fusão com a Hering. Ela, como holding, poderia ter interesse na marca brasileira, otimizando a cadeia produtiva e fazendo um bom trabalho de design de marca. Aqui no Brasil, a Zara está num segmento premium porque é muito difícil a competição com outros players” avalia.

Ferreira ressalta que o varejo têxtil enfrenta um momento desafiador na pandemia, inclusive em escala global. Porém, dado o tamanho da operação, o negócio demandaria tempo para ser concluído, portanto há grandes possibilidades do cenário para o setor melhorar no país. Com isso, um possível interesse dos estrangeiros não pode ser descartado.

De qualquer forma, Ferreira avalia que, sem dúvida, o movimento da Arezzo também foi positivo para a Hering. “Ela estava sendo olhada de uma maneira mais secundária pelo mercado e agora estará nos holofotes. Uma união entre Arezzo e Hering pode, sim, ser bastante interessante para as duas”, afirma.

Dessa forma, a Hering, que até então era vista com ceticismo por investidores até mesmo antes da pandemia, agora deve ver as suas ações reagirem principalmente às especulações sobre se ela realmente será vendida – e, mais do que isso, o quanto ela será disputada no mercado.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.