Governo vê risco para privatização da Eletrobras e quer mudar texto do relator; ações chegam a cair 3%, mas fecham no zero

Para integrantes do governo, pontos do parecer da MP da Eletrobras inviabilizariam a privatização; cronograma fica mais apertado

Lara Rizério

(Eletrobras)
(Eletrobras)

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SÃO PAULO – Às vésperas da análise pela Câmara dos Deputados sobre a Medida Provisória (MP) nº 1.031, que trata sobre a capitalização da Eletrobras (ELET3;ELET6), a expectativa pela aprovação em breve da privatização da companhia deu lugar a uma maior incerteza, conforme mais informações sobre o parecer do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da MP, foram sendo revelados.

As reviravoltas sobre a privatização da Eletrobras acabam sendo sentidas na Bolsa: no dia 11 de maio, em meio à expectativa da apresentação do relatório do parlamentar, as ações ELET3 subiram 6,54% e as ELET6 avançaram 4,54%; um dia depois, com os investidores repercutindo alguns novos pontos do texto que foram divulgados, os papéis ON caíram 5,18% e os PN tiveram baixa de 3,47%, para se recuperarem na sessão anterior e ficarem quase estáveis na sexta. Nesta segunda-feira (17), os papéis ELET3 chegaram a cair mais de 3%, mas fecharam quase estáveis: os papéis ELET3 tiveram perdas de 0,6%, a R$ 39,60, enquanto os ativos ELET6 tiveram leve alta de 0,35%, a R$ 40,00.

A primeira versão do texto foi entregue a líderes da Câmara na semana passada pelo deputado e, conforme mais informações foram divulgadas ao longo do dia, o conteúdo não agradou o governo federal, com a avaliação de integrantes do Ministério da Economia e da Casa Civil de que o texto pode inviabilizar a privatização da empresa de energia estatal. Desde então, algumas reuniões estão sendo feitas para que o texto seja mudado, segundo fontes ouvidas pelo InfoMoney. O relatório, vale ressaltar, ainda não foi entregue formalmente.

O primeiro ponto polêmico e que não agradou o governo é sobre uma permissão para que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) passasse a intervir no mercado de energia e evitar concentração de mercado não apenas no caso da Eletrobras, mas em relação a todas as empresas do setor elétrico.

Elmar Nascimento apontou no relatório que uma das ideias é a permissão para que a agência atue se alguma empresa tiver excesso de participação no mercado livre de eletricidade, ambiente em que geradores e comercializadoras podem negociar contratos diretamente com consumidores como indústrias. Essa intervenção ocorreria por meio de leilões nos quais a companhia dominante precisaria vender parte de sua energia.

Em teleconferência com investidores para comentar os resultados da companhia na semana passada, Rodrigo Limp, novo CEO da Eletrobras, já havia alertado que esse ponto do texto poderia colocar em risco o processo de privatização da companhia: “Geraria um risco muito grande para o processo de capitalização, haveria incerteza sobre como isso seria tratado e regulamentado para o futuro”.

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O segundo ponto abordado que desagradou o governo é sobre o tema do empréstimo compulsório. Ele envolve recursos que eram recolhidos de forma compulsória de empresas, por meio de tarifas de energia um pouco mais altas, para financiar investimentos da estatal entre 1976 e 1993, sendo que há diversas contestações sobre os valores devidos nos tribunais superiores. A Eletrobras já teve de provisionar R$ 17,94 bilhões para essa disputa, enquanto o Tribunal de Contas da União (TCU) calculou que as perdas possíveis podem chegar a R$ 79,62 bilhões.

De acordo com o relatório do deputado, haveria uma autorização para conversão de créditos sobre o consumo de energia elétrica em ações. Assim, daria o direito para o detentor desses empréstimos compulsórios capitalizar, ou seja, converter em ações da Eletrobras.

A principal questão é que o preço de referência da conversão equivalente é o valor mínimo das ações da Eletrobras nos cinco dias que antecedem a publicação da MP, em 23 de fevereiro, o que equivale a cerca de R$ 29,50 por ativos da Eletrobras. Essa cotação está cerca de 26% abaixo do valor de fechamento das ações na última sexta-feira (14), de R$ 39,84 para ELET3 e de R$ 39,86 para os ativos ELET6.

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“Essa medida torna impossível precificar a diluição que os demais acionistas podem ter em função desses detentores de crédito compulsório subscrevendo ações da Eletrobras a R$ 29,50. Será um overhang [excesso de ações no mercado] em um preço que é o menor da Eletrobras nos últimos tempos”, aponta um gestor ouvido pelo InfoMoney que está acompanhando o processo de perto.

Para o gestor, além de haver uma dificuldade em precificar essas operações caso alguma empresa ganhe o processo contra a Eletrobras, não há um racional estabelecido para haver essa opcionalidade.

Esse ponto também foi endereçado por Limp durante a teleconferência de resultados. O CEO da estatal destacou que esse tema não deveria ser incluído nas discussões sobre a MP da desestatização, sob risco de atrapalhar o andamento do processo. Ele apontou que qualquer passo nesse sentido “muito provavelmente afetaria o cronograma previsto” para a privatização.

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O terceiro ponto importante do texto faz referência ao montante a ser recebido referente ao reperfilamento do do componente financeiro da Rede Básica Sistema Existente (RBSE), ou seja, ativos existentes até maio de 2000 e que não haviam sido amortizados até 2013.

A companhia tem a receber de reembolso R$ 50 bilhões em 15 anos, com o recurso devendo ficar integralmente com a empresa estatal, que conterá as operações da Itaipu e da Eletronuclear após a cisão dos ativos. Porém, não há certeza de como ocorrerá a operação.

Para o gestor ouvido pelo InfoMoney, esse artigo se relaciona a outros incisos do texto que tratam sobre a contratação de 6 gigawatts de despacho de termelétricas (com energias mais caras) e de 2 gigawatts de despacho de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH).

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Normalmente, esse despacho é comandado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que vê a demanda dos consumidores por energia e faz o despacho de acordo com a energia mais barata – a princípio de hidrelétricas, indo sucessivamente para outras fontes de energia, a depender dos preços.

Com o texto atual do relator, necessariamente vai haver despacho de termelétricas, sendo que a estatal de energia que surgir com a cisão pagará a diferença dos preços.

Contudo, tanto Eletronuclear quanto Itaipu operam com pouco caixa. Além disso, avalia o gestor, a partir do momento que a empresa estatal tem que bancar todo esse custo de diferença de geração da hídrica para a termelétrica, ela nascerá deficitária, existindo um risco claro do Tesouro ter que vetar o projeto.

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O ponto é que, se houver veto a esses artigos, não vai haver a descotização, o que leva à necessidade de muitas alterações no texto para a viabilização da Eletrobras. Assim, o tempo para a aprovação da MP parece cada vez mais curto, uma vez que o texto precisa ser analisado até o dia 22 de junho na Câmara e no Senado para não perder a validade.

A expectativa inicial era de que o texto do relator fosse votado ainda nesta semana mas, com a projeção de que se chegue a um novo acordo sobre o documento nos próximos dias, o gestor ouvido pelo InfoMoney espera que haja a votação somente na semana que vem, tornando o prazo para a votação pelo Senado ainda mais apertado. A princípio, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado (DEM-MG), esperava votar o texto em um intervalo de trinta dias após a aprovação na Câmara. Assim, o prazo ficará mais apertado, ainda mais levando em conta que o tema é mais polêmico no Senado, mas o especialista acredita que é possível a votação caso haja um acordo.

Contudo, caso não haja a aprovação até dia 22 de junho, o projeto “caducaria” e, deste modo, o governo só poderia mandar uma Medida Provisória com o mesmo tema em 2022, um ano eleitoral, tornando bem mais difícil a aprovação.

Elmar Nascimento tem dito a veículos de imprensa que analisará as sugestões enviadas pelo governo antes de tomar uma decisão, ressaltando que o texto votado precisa ter apoio da maioria. Conforme destacou ao jornal O Estado de S. Paulo, um dos trechos mais criticados e que serão retirados, disse Nascimento, é o que dá à Aneel o poder interventor. “Não vou insistir nisso se o governo não quiser”, afirmou à publicação.

Já com relação ao empréstimo compulsório, Nascimento disse que sua ideia era dar condições para um leilão de deságio mínimo de 70%, de forma que os quase R$ 18 bilhões (provisionados pela Eletrobras)  fossem suficientes para limpar o balanço da estatal. “Deixei a palavra final para o governo”, afirmou. O relator também afirmou ao Valor que o montante total dos recebíveis a serem pagos à Eletrobras ainda estão sendo alvo de negociações.

Desta forma, o cronograma para a votação ainda dependerá da articulação para mudar o texto que, se aprovado como está, não tornaria possível a privatização da Eletrobras.  Dependendo das negociações, a votação da matéria poderá ser adiada para a próxima semana.

A princípio, as negociações estão avançando, fazendo inclusive com que as ações da Eletrobras zerassem as perdas na reta final do pregão, com as sinalizações de Elmar de que estaria disposto a retirar os trechos polêmicos que planejava incluir no seu relatório. Isso por conta de um pedido por parte dos interlocutores do Planalto que a proposta ficasse mais enxuta e o mais próximo possível da estrutura original enviada pelo governo.

A expectativa é de que, mesmo sem acordo sobre alguns pontos do documento, a Medida Provisória seja levada à análise nesta semana, sendo que a ideia é deixar que os deputados decidam o que deve permanecer e agilizar a tramitação para o Senado. Porém, mesmo se o Senado tiver um mês para analisar a MP, será necessária uma maior articulação do governo na Casa.

(com informações da Reuters e Estadão Conteúdo)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.