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A segunda semana de novembro já entrou para a história como um dos períodos de maior crise no mercado de criptomoedas, após a FTX, segunda maior corretora do mundo segundo algumas estimativas, entrar em crise de liquidez e ficar próxima da falência.
Fundada pelo agora ex-bilionário Sam Bankman-Fried, que até então era queridinho da indústria e comparado a Mark Zuckerberg pela rápida ascensão, a exchange bloqueou saques de clientes após uma corrida de resgates desenfreada ao derretimento do seu token, o FTT.
O caso não só afetou a FTX e empresas envolvidas com ela, mas se espalhou em uma crise em todo setor cripto, gerando muita desconfiança e medo do que pode acontecer com outras exchanges daqui para frente. Entenda abaixo e no vídeo acima todo o caso e o que esperar agora.
1. Balanço da Alameda é revelado
A crise se intensificou nesta semana, mas o estopim veio ainda na semana anterior, quando o CoinDesk, parceiro do InfoMoney para conteúdos sobre o setor cripto, publicou um furo de reportagem no dia 2 de novembro no qual revelou que o balanço patrimonial da empresa Alameda Research era composto amplamente por ativos ilíquidos, além do FTT, emitido pelo mesmo grupo empresarial.
Documentos internos aos quais o CoinDesk teve acesso mostraram que o balanço da Alameda tinha cerca de 25% dos US$ 14,6 bilhões em patrimônio eram em FTT líquido, e o restante em criptos “travadas” e outros ativos sem liquidez.
Com Alameda e FTX possuindo a grande maioria de todos os tokens FTT em circulação, ficou claro para investidores não só a relação próxima demais entre as empresas, mas que o FTT estava destinado a não subir de preço, porque teria que ser continuamente vendido para fazer frente aos compromissos da Alameda.
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Foi o começo da crise de credibilidade do grupo, e o início de uma primeira onda de retiradas da corretora. O problema, no entanto, ganharia um novo capítulo dias depois.
2. Binance ameaça rival
No domingo (6), a CEO da Alameda, Caroline Ellison, afirmou via Twitter que as “informações do balanço que circulavam recentemente” mostravam apenas um “subconjunto das entidades corporativas da Alameda”. Segundo ela, a empresa teria mais de US$ 10 bilhões em ativos que não estavam refletidos na apuração do CoinDesk.
No entanto, a declaração pouco importou quando outro ator entrou em ação: o CEO da Binance, Changpeng “CZ” Zhao, foi também ao Twitter dizer que sua empresa havia decidido liquidar todos os tokens FTT que possuía “devido a revelações recentes que vieram à tona”.
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Na época, ele não explicou exatamente a quais revelações estava se referindo ou quanto do token Binance detinha. Mais tarde no mesmo dia, CZ disse: “Não somos contra ninguém. Mas não apoiaremos pessoas que fazem lobby contra outros players do setor pelas costas”. Estava claro que havia uma disputa aberta entre as duas gigantes.
CZ confirmaria depois que a empresa detinha US$ 2,1 bilhões em FTT.
3. Crise piora, mas FTX nega
Após o anúncio de que a Binance despejaria milhões de tokens FTT no mercado, outros detentores do token correram em pânico para vender seus ativos e sacar recursos depositados na FTX, à medida que circulavam rumores de insolvência.
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Na segunda-feira (7), Bankman-Fried publicou uma série de tuites afirmando que “um concorrente está tentando nos perseguir com rumores falsos”. E disse tentando tranquilizar o mercado que “a FTX está bem. Os ativos estão bem”.
Ele marcou Zhao em um tuite posterior, dizendo: “Eu adoraria, CZ, que pudéssemos trabalhar juntos pelo ecossistema”.
4. Clientes correm para sacar e FTX colapsa
Investidores não compraram o posicionamento de Bankman-Fried e intensificaram a corrida de saques na plataforma.
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Até ali, cerca de US$ 6 bilhões em resgates já haviam sido solicitados, e a FTX começava a mostrar sinais claros de que não estava conseguindo atender a demanda. Pouco depois, os saques pararam de ser processados, gerando ainda mais dúvida entre usuários, o que já começava a pressionar os mercados.
Na manhã de terça-feira (8), Bankman-Fried admitiu que os saques seriam oficialmente pausados. Estava oficialmente instalada uma crise sem precedentes em uma das corretoras mais importantes do mundo.
5. Binance volta ao jogo
Ainda na terça, por volta de 13h, Bankman-Fried disse que havia “chegado a um acordo sobre uma transação estratégica com a Binance para aquisição da FTX” e que, enquanto as equipes trabalhavam para limpar a lista de pedidos de saques, todos os ativos teriam garantia de solvência.
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Zhao tuitou que havia “uma crise significativa de liquidez” na FTX e que, para proteger os usuários, a Binance tinha assinado uma carta de intenção “não vinculativa” para adquirir a FTX – a entidade americana FTX.US não estava no negócio.
Em meio a todo esse vai-e-vem, o mercado cripto como um todo não havia reagido com força – até então, as perdas maiores eram da FTT, que despencava desde a noite do dia 7, indo rapidamente de US$ 22 para US$ 15 na madrugada do dia seguinte – queda de mais de 30%.
Até ali, o Bitcoin rondava os US$ 19 mil, e logo avançou na esteira do anúncio de acordo entre as exchanges. O mercado subiu e o BTC chegou a bater US$ 20.500, seguido por criptos menores, todas com desempenho positivo.
O movimento, no entanto, durou pouco. Ainda no começo da tarde de terça, os preços viraram para uma queda forte, enquanto investidores começavam a perceber que o acordo assinado pela Binance poderia, afinal, não vingar – especialmente se, após checar o tamanho do rombo na FTX, percebesse que o problema era maior do que se pensava até então.
E foi justamente o que aconteceu.
6. Acordo não vinga
A esperança dos clientes da FTX foi por água abaixo na noite de quarta-feira (9), quando a Binance, confirmando informação que CoinDesk e InfoMoney haviam antecipado horas antes, anunciou a desistência do acordo para comprar a rival.
Em comunicado, a Binance disse que tinha esperança de poder oferecer suporte aos clientes da FTX, fornecendo liquidez para atender aos saques, mas que “os problemas estão além de nosso controle ou capacidade de ajudar”.
Já fragilizado pelos rumores da desistência que circulavam na imprensa, o mercado intensificou a queda. Nas horas seguintes, o Bitcoin desabou para seu menor valor desde agosto de 2020, a US$ 15.500, o Ethereum chegou próximo de US$ 1 mil e a Solana (SOL), que tem na FTX seu principal patrocinador, desabou para menos de US$ 13, 50% do valor pelo qual era negociada dias antes.
Já o FTT voltou a flertar com o colapso total, caindo de US$ 22 para US$ 2 nesta semana, reacendendo temores de que a criptomoeda possa reprisar o caso Terra (LUNA), que evaporou e foi a zero em maio deste ano.
7. FTX retoma saques com ajuda de Justin Sun
No começo da tarde de quinta-feira (10), a FTX voltou a liberar saques gradualmente após a empresa anunciar um acordo com o projeto blockchain Tron (TRX), do controverso empresário Justin Sun.
Pelos termos do negócio, a Tron oferecerá liquidez para saques de clientes da FTX, desde que esses usuários convertam os recursos em tokens da rede Tron antes de transferir as criptomoedas para fora da corretora. No mesmo dia, durante o pico das movimentações, o token TRX, usado para pagar taxas na Tron, chegou a disparar 140%, segundo dados compilados pelo CoinDesk.
A FTX também estaria em tratativas com outros possíveis financiadores. Na sexta-feira (11), a corretora Bitget aventou a possibilidade de adquirir ativos da FTX. “Existem muitos ativos e projetos bons no portfólio da FTX e da Alameda que valem a pena apoiar para criar valor para a indústria no longo prazo”, disse a diretora administrativa da companhia, Gracy Chen, em nota.
No entanto, analistas ainda não veem a crise com a FTX como encerrada, principalmente porque ainda não está claro quais outros players do setor possam ter sido afetados, tampouco se de fato haverá novos investidores para honrar pagamentos a investidores, além de empréstimos tomados e concedidos pelas empresas de Sam Bankman-Fried.
A plataforma de crédito cripto Blockfi, por exemplo, que havia tomado um crédito de US$ 400 milhões da FTX, anunciou suspensão dos saques de clientes.
8. FTX decreta falência
Na manhã de sexta-feira (11), a FTX entrou com pedido de falência nos Estados Unidos e o CEO e fundador Sam Bankman-Fried renunciou ao cargo.
A empresa passou a ser comandada por John Ray III, que se comprometeu a ajudar “em uma transição ordenada”.
“No curto prazo, temos longos dias e muito trabalho duro pela frente”, disse Ray aos funcionários em uma mensagem obtida pelo CoinDesk. Ele chamou o pedido de falência de “o início de um novo caminho a se seguir”.
O que acontece agora?
Apesar dos mais recentes desdobramentos, a crise não parece nem estar próxima do fim, não só pelas incertezas sobre se alguém ainda irá salvar a FTX ou não, mas também por conta do impacto que tudo isso terá nos preços dos ativos e na confiança dos investidores.
“O colapso da FTX trouxe novamente à tona a preocupação das pessoas em relação ao mercado cripto e o funcionamento das exchanges, somado à necessidade de maior controle e fiscalização das mesmas. Nessa linha, espera-se um maior rigor dos reguladores em relação às exchanges, sobretudo em relação a elevação dos parâmetros para obtenção de eventuais licenças de operação pelas plataformas.”, avalia Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, advogado e sócio no Carvalho Borges Araujo Advogados.
Já Guilherme Rebane, head da OSL na América Latina, lembra que esse crash influencia todo o ecossistema que envolve a Alameda, FTX e Solana. “A Solana perde seu principal patrocinador, tanto na parte direta no desenvolvimento da blockchain quanto de projetos em paralelo, principalmente DeFi. Isso é muito ruim para o ecossistema da Solana e estamos vendo no preço”.
Por outro lado, ele avalia que esse evento pode não ser tão ruim do ponto de vista econômico quanto foi o caso do primeiro semestre envolvendo o hedge fund Three Arrows Capital, com a plataforma de empréstimos Celsius e com a Terra (LUNA). “Isso porque a gente viu um hedge fund de US$ 20 bi ali virar pó. Tudo bem que a FTT tinha um ecossistema com muito valuation, a gente tinha Solana com um market cap muito grande. Mas o que acontece aqui, o que a gente está vendo de perda real nos valores que foram falados é que a Alameda teria uma posição de US$ 3 a US$ 4 bilhões em FTT, teoricamente isso está virando pó”, explica.
Alex Buelau, CTO da Parfin, por sua vez, avalia que o caso abala a confiança, principalmente no investidor institucional. “O caso da FTX é uma pedra no caminho da adoção institucional de cripto e blockchain, porque, independente do que aconteça agora, já afetou a confiança de quem está vendo de fora, colocando dúvidas sobre a seriedade das empresas. É negativo para a indústria como um todo. Não foi o primeiro caso de uma exchange que explodiu e, embora espere que seja o último, olhando para o passado, provavelmente não será”.
O tamanho da FTX também é algo que está incluso na conta na hora de avaliar o impacto. Como destaca Fabricio Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin, foi a companhia quem resgatou empresas que faliram no crash de maio e junho, como a BlockFi e Voyager, vítimas da falência do fundo Three Arrows Capital e da derrocada da Luna, mas agora é ela quem precisa de ajuda.
Rebane concorda que a percepção é muito ruim do risco dessas exchanges. “Eu te garanto que até uns 2, 3 meses atrás, a percepção de risco da FTX era nula, ninguém se preocupava com a questão da FTX, e de repente a gente viu aquela empresa que estava toda hora na imprensa, que tem um CEO que é patrocinador de vários projetos e uma pessoa muito influente no ecossistema, tudo aquilo que se esperava ser extremamente resiliente, se mostrou que não era verdade, era tudo muito frágil”, afirma.
E apesar de toda a tensão, especialistas reforçam que a atual crise, em primeiro lugar, não afeta os fundamentos de criptos como Bitcoin (BTC) e Ethereum (ETH), que não têm relação com a empresa, mas que também reforça a necessidade de uma regulação do mercado.
“Num primeiro momento deve trazer uma percepção muito ruim para o mercado, de risco de contraparte, mas eu acho que é uma coisa que valoriza e empodera mais a argumentação pró-regulação. Cada vez está mais claro a necessidade de uma regulação, e uma regulação alinhada globalmente em relação as companhias que oferecem a classe de ativos”, afirma Rebane, que diz que não vê risco no momento de algum problema para as exchanges nacionais.
Ele complementa ainda lembrando que no Brasil já existe um Projeto de Lei para regulamentar o setor, mas que está travado no Congresso. No texto, um dos pontos de discussão é exatamente o que envolve a obrigatoriedade de segregação patrimonial, que serviria para ajudar os clientes em casos como esse da FTX, com a empresa deixando claro o que é patrimônio dela e o que é dos investidores.
“Esperamos que o colapso da FTX não seja utilizado para postergar a aprovação do Marco Legal das Criptomoedas da forma como está, uma vez que o detalhamento das regras e criação de novos parâmetros de proteção aos investidores poderá ser definido pelo regulador infralegal”, diz Borges.
Tota, que é defensor do tópico no texto da regulamentação, diz que esse caso é “pedagógico para mostrar a necessidade de segregação patrimonial”. “Se houvesse uma segregação patrimonial, talvez fosse uma questão meramente operacional para devolver o dinheiro dos clientes. Ou seja, não poderia estar emprestado, ou usado para operações alavancadas”, completa.