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(SÃO PAULO) – No livro “Saga Brasileira”, a jornalista Miriam Leitão conta que, em 1997, começou a surgir dentro da equipe econômica do governo FHC a percepção de que o Brasil não teria condições de manter a cotação do dólar bem próxima à do real. Entre os mais eloquentes defensores do câmbio desvalorizado, estava o então secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros.
O economista criou o hábito de enviar cartas a outros membros da equipe econômica e ao presidente Fernando Henrique Cardoso com alertas sobre a necessidade de desvalorizar o real. Foi necessário que a reeleição de FHC já estivesse consolidada e que o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, fosse demitido para que, em janeiro de 1999, fosse dada a ordem de liberar o câmbio. Mendonça de Barros nem estava mais no governo quando isso aconteceu. Mas sua percepção para antever terremotos econômicos entrou para a história.
Agora, o economista, que acaba de lançar o livro “Crescer Não é Fácil”, acredita que falta uma estratégia clara ao governo capaz de animar a iniciativa privada e destravar os investimentos. Em entrevista à Revista InfoMoney, ele prevê que o país continue a crescer pouco em 2013 e diz como a presidente Dilma poderia recuperar o tempo perdido.
Revista InfoMoney – Como deve ser a economia brasileira em 2013?
Mendonça de Barros – Será um ano melhor que 2012, o que não é muito difícil. Mas não será muito melhor. Imagino um crescimento do PIB de 3% a 3,5%. Três fatores prejudicaram a economia em 2012 e vão continuar a puxar o PIB para baixo neste ano: 1) um crescimento global baixo, sem grandes avanços na Europa, nos Estados Unidos e na China e ainda com a possibilidade de um “default” da dívida na Argentina; 2) um consumidor brasileiro já sem capacidade para se endividar mais e carregar o PIB; e 3) a redução generalizada dos investimentos.
IM – A queda dos investimentos é o ponto mais preocupante, não?
MB – O que incomoda é que todos os setores importantes da economia tiveram queda nos investimentos. A indústria em geral apanha sempre. O bloco da siderurgia tem sido prejudicado pelo cenário internacional. Não dá para contar com investimentos representativos de toda a cadeia de minério de ferro, aço e outros metais porque sobra oferta no mundo. O mesmo acontece no setor de papel e celulose, no qual as empresas vão terminar os projetos que já estão em andamento, mas não vão fazer mais nada até a situação melhorar. Na área de química e petroquímica, as empresas nacionais não estão investindo aqui porque o custo do gás nos Estados Unidos é muito mais baixo. O setor de óleo e gás, em que se destaca a Petrobras, tem um problema de governança grave que atrapalha também os fabricantes de etanol. Então o baixo investimento continuará a frear o PIB.
IM – Por que a Petrobras não deslancha?
MB – O que foi pedido para a Petrobras é mais do que ela pode entregar. A estatal tem de usar conteúdo nacional, participar da exploração de todos os blocos do pré-sal e ainda apresentar um aumento muito rápido de produção. Tudo isso em um momento em que os preços dos combustíveis no Brasil estão defasados. Como tem prejuízo na importação de combustíveis, a estatal não gera caixa suficiente para atender todas as necessidades de investimento. Ainda há uma perda de eficiência operacional pela falta de manutenção em uma série de plataformas e um estouro fenomenal de orçamentos e prazos em novos projetos. O resultado é estagnação da produção, revisão de projetos e fluxo de caixa apertado.
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IM – Além de corrigir a defasagem do preço do combustível, o que o governo deveria fazer?
MB – Rever alguns projetos menos interessantes. Recuperar o padrão de eficiência que a estatal já teve no passado. Abrir mão da exigência de uso de conteúdo nacional ao menos em alguns projetos.
IM – O governo pode desobrigar a Petrobras a participar da exploração de todos os blocos do pré-sal?
MB – Seria desejável, mas não acho que o governo vá fazer isso porque seria admitir o fracasso. O regime de concessões para a exploração de blocos de petróleo funcionava muito bem. Mas como agora a Petrobras precisa ser a operadora e deter participações de ao menos 30% em todos os blocos e como eles não têm nem dinheiro nem gente para fazer isso, não há leilões no setor petrolífero há quatro anos. Como acredito que não haverá mudança nessa lei, vai ocorrer um grande atraso no cronograma de investimentos. O que está previsto para 2017 vai ser entregue em 2020, e por aí vai. A estatal vai ter que aprender a fazer coisas que hoje não sabe fazer, como navios. Vai custar muito mais caro e demorar muito mais do que deveria.
IM – Na questão da energia elétrica e outras concessões públicas, o governo deveria ter adotado uma postura mais favorável aos investidores?
MB – Sim. Alguns ativos deveriam ter tido um tratamento jurídico distinto, porque a concessão ainda não havia sido renovada uma primeira vez. Nesses casos, o governo não poderia ter partido para esse modelo de contrato de prestação de serviços no qual elas ficarão responsáveis apenas pela manutenção e operação dos serviços. Outro problema da proposta é que as empresas já haviam vendido à energia que seria produzida nessas usinas até 2015, respaldadas pelos atuais contratos de concessão. Quando o governo pressiona as empresas a renovar a partir de 2013 em outras condições e obrigando-as a colocar essa energia à disposição no mercado regular, há uma mudança de regra no meio do jogo.
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IM – Houve uma motivação política?
MB – A ideia de aproveitar a renovação das concessões para baixar o custo da energia no Brasil era muito positiva. Mas tudo foi feito apressadamente, de forma que a redução do custo da energia pudesse ser usada como instrumento de controle da inflação em 2013. É por isso que as empresas tiveram que aceitar ou não as novas regras do jogo antes que a medida provisória fosse aprovada no Congresso. Para ganhar 0,3, 0,4, 0,5 ponto percentual a menos no IPCA, o governo produziu um tumulto sem precedentes e está afugentando os investidores.
IM – O que deveria ter sido feito de forma diferente?
MB – A maneira correta de lidar com as concessões teria sido cumprir os contratos até o fim e anunciar antecipadamente quais seriam as novas regras do jogo em caso de interesse na renovação.
IM – Pode haver resquícios negativos em outras concessões além do setor elétrico?
MB – No mínimo o governo cria uma dúvida na cabeça do empresário. Ele não sabe se estão querendo reestatizar tudo ou se vão mexer em concessões sempre que for conveniente para o próprio governo.
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IM – É possível que erros como esses levem a uma alternância de poder na eleição de 2014?
MB – O cenário muito provável é de reeleição da presidente, devido à fragilidade da oposição e à popularidade do governo. Seria necessário ocorrer alguma mudança drástica para que o PT perca a próxima eleição presidencial. Seria necessário que um crescimento econômico frustrante tivesse impacto no mercado de trabalho. Mas acho mais razoável pensar que uma alternância de poder possa ocorrer apenas em 2018.
IM – Então o Sr. acredita que o mercado de trabalho continuará firme?
MB – O desemprego continuará baixo. Há certa desaceleração nas contratações que ainda não aparece na taxa de desemprego. O sinal visível é no salário das pessoas recentemente contratadas. Uma construtora que está contratando para uma obra consegue pagar menos hoje que há alguns meses. É um reflexo da própria situação do setor imobiliário, no qual muitas empresas estão reduzindo os lançamentos. Há incorporadoras que estão entregando dois prédios e lançando um. Então uma das duas equipes não vai ter onde trabalhar. O empresário vai selecionar os melhores e abrir mão dos demais. Os dados do Caged já mostram que os salários dos contratados estão menores e que aquele cenário em que só era possível contratar pagando mais ficou para trás. Considerando também que boa parte das vendas de automóveis de 2012 só ocorreu devido à antecipação do consumo com o IPI mais baixo, teremos uma nova fonte de pressão sobre o mercado de trabalho neste ano. Mas teremos um ajuste, não uma grande reversão.
IM – Sempre ouvimos que o Brasil crescia pouco porque os juros eram altos, mas no governo Dilma temos o menor juro da história recente e também o menor crescimento do PIB desde o governo Collor. Por quê?
MB – Toda vez que uma variável importante muda para outro patamar após décadas, leva tempo para que seus efeitos sejam plenamente absorvidos pela economia. Isso aconteceu também quando o governo FHC controlou a inflação na década de 1990. Quem estava acostumado a viver da correção dos preços pela elevada inflação demorou a começar a pensar de outra forma. Com os juros, aquela revolução na forma como as pessoas investem dinheiro ainda mal começa a ser arranhada. Serão dois, três ou quatro anos até que as pessoas percebam que vão ter que olhar o risco de outra maneira. Não tenho dúvida de que isso vai fazer efeito com o tempo.
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IM – Não fica a impressão de que o setor privado espera o governo dar o primeiro passo em tudo e depois vai devagar decidindo o que fazer?
MB – O setor privado brasileiro é muito competente quando percebe um rumo traçado. Em 1999, quando os empresários perceberam que a desvalorização do real não geraria inflação, rapidamente botaram a pastinha embaixo do braço e foram tocar projetos. Mas nunca foi um projeto de crescimento próprio. Os empresários reagem ao que o governo faz mesmo. Então na hora em que o governo fica meio perdido, todo mundo fica meio perdido. É bem diferente na Europa e nos EUA, onde há um conjunto de instituições que contratam universidades e especialistas para pensar projetos próprios.
IM – O governo está sendo bem assessorado na área econômica?
MB – Acho que o governo está sem estratégia. Tem propostas aqui e ali, mas a estratégia não está clara. Qual é o posicionamento em relação ao resto do mundo, temos que ser mais abertos ou mais fechados? A política fiscal deve ser expansionista ou contracionista? O governo quer aumentar a presença do estado na economia ou só quer fazer uma regulação mais bem feita? Na própria reação ao agravamento da crise internacional, o governo só repetiu as políticas de 2009, tardando a perceber que a mesma mágica já não funcionaria, porque agora as pessoas estão endividadas.
IM – Qual seria a melhor estratégia neste momento?
MB – Falta a percepção de que o nosso problema hoje não é escassez de demanda. Nosso problema está todinho na oferta. A perda de produtividade foi se acumulando com o tempo. A primeira coisa que nos tira a competitividade é o excesso de impostos. Não dá para pensar em melhorar a competitividade sem mexer nisso. O governo se acostumou a um aumento real dos gastos de 5% a cada ano. Se você quer fazer isso e quer manter a inflação sob controle, a única solução é aumentar impostos todos os anos. Agora, se continuar a aumentar os impostos todos os anos, vai perder competitividade todas as vezes.
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IM – O câmbio mais desvalorizado não é uma resposta à perda de competitividade?
MB – Quando tenta evitar a desindustrialização, o governo roda, roda, roda e conclui que o câmbio devia ser de R$ 2,40. Mas dá para ter isso com uma inflação prevista de 5,5% ao ano? Não dá.
IM – Quando o Sr. participou do primeiro governo FHC, começou a enviar cartas a outros membros da equipe econômica e ao próprio presidente defendendo a desvalorização do real. Essas cartas começaram a ser escritas em 1997, mas o câmbio se manteve valorizado até 1999, quando ficou claro que o Sr. estava correto. Se estivesse no governo hoje, o que o Sr. escreveria em cartas à presidente Dilma?
MB – Diria que o Brasil precisa começar a baixar os impostos. A cada ganho de arrecadação que o governo registrar, que devolva isso para a sociedade cobrando menos tributos. Isso deveria ser feito de uma forma linear. As reduções de impostos deveriam valer para todos os setores. Não deveria ser uma coisa direcionada apenas a alguns setores específicos, como vemos hoje, porque todo mundo fica sem saber quem será o próximo beneficiado ou até mesmo o próximo prejudicado.