Fala de Lula sobre autonomia do BC assusta, mas mercado e Fazenda não veem mudança prática

Uma fonte do Ministério da Fazenda disse à Reuters que não há nada de prático em estudo nessa área na pasta.

Reuters

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert)
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert)

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BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) – As críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à autonomia do Banco Central (BC) geraram reação negativa em ativos financeiros locais, mas agentes do mercado disseram não ver risco de mudanças efetivas no modelo, pelo menos por ora, ainda que as declarações gerem preocupação.

Uma fonte do Ministério da Fazenda disse à Reuters que não há nada de prático em estudo nessa área na pasta. Da ala política da Esplanada, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, negou publicamente a intenção do governo de mexer na relação com o BC.

Lula afirmou, no início da noite de quarta-feira, que o BC independente não faz mais agora do que quando o presidente da instituição era trocado sempre que um novo governo assumia. A afirmação ajudou a puxar o dólar e os juros futuros no pregão de quinta, principalmente ao longo da manhã, e também foi mencionada por analistas de bolsa, uma vez a autonomia é vista como um inibidor da interferência política no BC.

“Minha divergência é que nesse país se brigou para ter um BC independente achando que ia melhorar o quê?”, disse Lula, em entrevista à GloboNews. “É uma bobagem achar que vai fazer mais do que quando o presidente indicava”, continuou, acrescentando que, mesmo com BC independente, os juros e a inflação continuam altos.

Thaís Zara, economista sênior da LCA Consultores, disse à Reuters ter a impressão de que as falas “têm mais um fundo político e menos algo que realmente vá ser buscado”, “apesar de trazer mais turbulência para os mercados”. Ela acrescentou que o discurso de Lula seria mais focado nos apoiadores.

Zara mencionou ainda declarações recentes da equipe econômica do governo em que indicaram ter como foco no primeiro semestre a aprovação de pautas da reforma tributária e um novo arcabouço fiscal. “Não caberia nessa agenda algo como a reversão da independência do BC”, afirmou ela.

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Depois da reação negativa, Padilha afirmou no Twitter que não há “nenhuma predisposição” do governo de fazer qualquer mudança na relação com o BC, o que ajudou na melhora de ativos locais à tarde. O dólar fechou apenas em leve alta ante o real e o Ibovespa avançou.

Em palestra nos Estados Unidos, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, relativizou as críticas de Lula, mas reforçou sua defesa à autonomia do órgão e se comprometeu a ficar no cargo até o fim do mandato.

A independência, ou autonomia, do BC foi estabelecida por lei sancionada em 2021 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro após aprovação do Congresso.

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O texto estipula, entre outros pontos, que os mandatos de presidente e diretores da autarquia não coincidam com o do presidente da República. Ou seja, ainda que o presidente do país siga com o poder de indicar esses cargos, tem que conviver por um tempo com autoridades apontadas por seu antecessor.

PÉ ATRÁS

Um outro ponto levantado foi a disposição do Congresso de aprovar mudanças nessa pauta.

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Adauto Lima, economista-chefe da gestora Western Asset, disse não ver os parlamentares aprovando a reversão da autonomia do BC agora devido a outras prioridades de agenda. Mas ele pondera que a postura dos congressistas pode mudar, em especial em caso de piora da economia. “Sempre fico com um pé atrás”.

Gerente da mesa de câmbio da Commcor, Cleber Alessie, disse que o assunto ainda parece ser “mais ruído”, mas destacou o caráter “delicado” da questão.

Nesse contexto, ganha corpo no mercado o debate sobre um potencial desalinhamento entre a chamada ala política do governo e a área econômica. Essa desconfiança cresceu nesta semana, com falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sendo lidas como mais alinhadas a temas caros aos investidores, como reforma tributária e pauta fiscal, ao contrário do tom adotado por Lula.

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“Afinal, qual o governo de fato?”, escreveram analistas da corretora Mirae Asset nesta quinta-feira, em relatório, contrapondo falas recentes das duas autoridades.

META DE INFLAÇÃO

Além da autonomia do BC, também estressou o mercado declaração de Lula questionando a atual meta de inflação e sugerindo um teto mais alto.

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“Veja, você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%, quando você faz isso, é obrigado a arrochar mais a economia para poder atingir o 3,7%. Por que precisa fazer 3,7%? Por que não fazer 4,5% como nós fizemos?”, disse Lula.

A meta de inflação anual –medida pelo IPCA– é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e inclui uma margem de tolerância. O sistema foi criado em 1999.

Para Zara, da LCA, a questão da meta de inflação preocupa ainda mais, porque “tem impacto sobre expectativas de inflação” e, na visão dela, seria relativamente de mais fácil alteração.

A mais recente pesquisa semanal Focus do BC mostra que a expectativa de economistas do mercado para o IPCA em 2025 já está em 3,5%, acima do centro da meta de 3% do ano. Zara afirma que, caso a meta seja elevada pelo CMN, essas projeções também serão, o que impacta, por exemplo, na curva de juros.

Neste ano, o CMN define a meta de 2026 e tem que confirmar ou não aquelas já estipuladas. A formação do colegiado já sofreu alterações e atualmente conta com Campos Neto, Haddad e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. A fonte da equipe econômica afirma também não haver estudo para elevar as metas.

“Lula tem legitimidade para querer mudar (a meta), mas agora como ele convenceria os membros para votarem pelo aumento, seria uma questão para ver”, disse Adauto, da Western, acrescentando que não vê Tebet ou Campos Neto votando a favor.