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O saldo de ingressos líquidos de recursos de investidores estrangeiros no mercado secundário da B3 (B3SA3) somou R$ 17 bilhões em agosto, até o dia 30, o que elevou o valor acumulado do ano para R$ 71 bilhões – montante que já supera as entradas, ao menos, dos últimos seis anos.
Com um cenário externo conturbado pela guerra entre Rússia e Ucrânia, de elevação geral das taxas de juros, por conta da alta da inflação global, sobretudo de economias como a dos Estados Unidos e as da Europa, investidores internacionais passaram a olhar para o Brasil e a aportar recursos, por aqui, na bolsa.
“Existem ativos baratos no mercado local, quando olhamos para os fundamentos. Bancos estão discrepantes em relação à média histórica, as próprias empresas de commodities, como Petrobras… As empresas descontadas fizeram com que os gringos voltassem a apostar no Brasil”, diz Enrico Cozzolino, head de análise e sócio da Levante.
Conforme Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, parte do apetite estrangeiro pelo Brasil vem também por conta do avançado processo de aperto monetário, já que o Banco Central antecipou a subida de juros e, por aqui, já se espera pelo fim do ciclo de alta da Selic na próxima reunião do Copom, em setembro.
“Provavelmente não teremos mais altas de juros (no Brasil) e isso quer dizer que o próximo movimento deve ser de baixa e a dúvida no mercado é quando isto deve começar, o que deve ser entre meados e final de 2023”, disse Komura.
Previsão de juro menor no Brasil e maior nos EUA
Esse movimento de maior clareza na condução da política monetária contrasta com o que acontece, principalmente, nos EUA, onde o Federal Reserve deve realizar uma nova alta dos juros, na reunião de setembro do Fomc, com as apostas majoritárias para um elevação de 0,75 pontos porcentuais, segundo o CME FedWatch.
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Segundo Fabrício Gonçalvez CEO da Box Asset Management, a indefinição sobre o ritmo de alta e, consequentemente, de redução futura dos juros nos EUA – o oposto do que acontece por aqui – vem proporcionando o ingresso de recursos para cá.
“Essa indecisão traz um certo otimismo em relação ao Brasil. Por isso, se vê um fluxo estrangeiro muito forte vindo para o nosso mercado. Se o Fed não deixa explicito qual será ritmo de aperto monetário, isso leva investidores a fazer mais aportes no Brasil”, disse Gonçalvez.
Outro fator que tem levado o estrangeiro a aportar por aqui é o próprio histórico de convívio com a inflação, diferente do que acontece com EUA e Europa, que enfrentam as maiores altas de preços em décadas.
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“Somos um país com um longo histórico inflacionário e sabemos agir nesse tipo de situação”, avaliou João Daronco, analista da Suno Research, acrescentando que o fluxo cresce ainda por conta dos “valuations extremamente atrativos” das empresas na B3.
Aporte anual de investidor estrangeiro no mercado secundário da B3 (em R$ bilhões)
- 2022: +71,003*
- 2021: -7,152
- 2020: -39,663
- 2019: -44.517
- 2018: -11,521
- 2017: +14,354
- 2016: +14,325
* Dados até 30 de agosto. As informações são da B3.
Investidor estrangeiro deve seguir na bolsa brasileira?
Diante do otimismo dos investidores estrangeiros a questão que fica é se esse movimento é permanente ou transitório. No primeiro trimestre deste ano, ingressaram R$ 65 bilhões, mas em abril (R$ -7,6 bilhões) e em maio (R$ -6,1 bilhões) uma parte foi embora, enquanto em junho e julho somaram R$ 427 milhões e R$ 1,852 bilhão.
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“É difícil dizer… Mas, dado um cenário global mais difícil, entendo que o Brasil é um país que está bem posicionado. Acredito que o Brasil deverá seguir sendo um dos principais pontos de atenção e de investimentos para os estrangeiros, enquanto as empresas estiverem uma verdadeira barganha”, avaliou Daronco.
Cozzolino, da Levante, pontuou que o fato de a brasileira ser relativamente pequena, com cerca de 10 ativos concentrando 50% do índice, poderia ocorrer um movimento de posicionamento de mais longo prazo, sobretudo enquanto os fundamentos se mantiverem relativamente baratos.
Saldo mensal de aporte estrangeiro em 2022 na B3 (em R$ bilhões)
- Janeiro: +23,391
- Fevereiro: +20,581
- Março: +21,355
- Abril: -7,677
- Maio: -6,169
- Junho: +427
- Julho: 1,852
- Agosto: +17,243*
* Dados até 30 de agosto. As informações são da B3.
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Bye bye Brasil
Entretanto, as apostas por um novo movimento de saída também estão no radar. “Acreditamos que este movimento (de agosto) é transitório, porque ainda temos muita incerteza quanto ao cenário no exterior”, observou Komura, acrescentando que as questões de política fiscal também podem afastar os investidores, assim que os gringos realizarem o lucro.
Apesar do superávit primário de junho e de julho, respectivamente, de R$ 14,4 bilhões e R$ 20,4 bilhões, a sustentabilidade fiscal seguirá tendo “desafios significativos” no médio prazo, como escreveu em relatório o Itaú BBA. Entre as decisões do próximo governo estão a continuidade de isenções fiscais federais, compensações por isenções estaduais e definição de valores adicionais de benefícios sociais.
Roberto Indech, VP de Relações Institucionais, da Clear Corretora, ressaltou que esse vai-e-vem de fluxos estrangeiros muito fortes e repentinos pode ser considerado natural, porém vem ocorrendo, agora, com uma frequência um pouco maior do que anteriormente.
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“São vários fatores para isso. Esse ano temos visto muita movimentação em relação a juros nos EUA americanos, perspectivas de inflação, risco fiscal, eleições, guerra na Ucrânia, commodities… Enfim, qualquer perspectiva de mudança desses fatores pode trazer uma entrada ou forte saída de capital estrangeiro no Brasil”, sublinhou.
Eleições
Outro fator apontado por Indech se refere aos movimentos dos estrangeiros com a definição da corrida eleitoral. “O que fica do cenário eleitoral é saber a equipe econômica. (Com Bolsonaro) Paulo Guedes fica. A grande volatilidade é saber qual vai ser a equipe econômica se Lula vencer. Esse é o trigger (gatilho) para baixo ou para cima. Se virá Meirelles ou Mercadante”, afirmou.
Gonçalvez, que aposta em um movimento transitório de ingresso de estrangeiro – sobretudo por conta da indefinição do Fed –, reconheceu que a tradicional volatilidade eleitoral está menor neste pleito.
“O mercado já conhece a política econômica de uma via e conhece também a outra, do primeiro governo (Lula)”, disse o especialista da Box. “O que se espera para agora, neste período eleitoral, é que não haja tanta volatilidade como se viu em eleições anteriores”, acrescentou.
“Entendo que os investidores estrangeiros que escolhem o Brasil já estão cientes da volatilidade das eleições e já consideram isso nos preços e nas suas teses”, completou Daronco, da Suno.
Investidor pessoa física e institucional da bolsa
Enquanto o estrangeiro aporta na bolsa, há um movimento contrário por parte dos investidores individuais pessoa física e institucionais.
Se os recursos de estrangeiros, em agosto, somam um saldo positivo de R$ 17,243 bilhões, de institucionais atingem saídas líquidas de R$ 15,621 bilhões e de pessoa física individual, de R$ 2,671 bilhões.
Quadro semelhante acontece no acumulado de 2022, até o dia 30 de agosto, com saídas líquidas de R$ 95,100 bilhões de institucionais e de R$ 2,003 bilhões de pessoas físicas individuais, ao passo que de estrangeiros acumulam saldo positivo de R$ 71,003 bilhões.
Esses dados contrastam com o desempenho do Ibovespa, que tem alta de 4,48% entre janeiro e agosto. Já mês passado, subiu 6,16%. Ou seja, a alta da bolsa vem sendo sustentada por investidores estrangeiros.
Competição com renda fixa
“O investidor local olha o mercado e compara a rentabilidade entre a renda fixa e renda variável. Entendo que estamos vivenciando um efeito de manada, do investidor local indo para a renda fixa e largando a renda variável.
À medida que a curva de juros começar a inverter, entendo que poderemos ver uma tendência inversa”, analisou Daronco.
Komura, da Ouro Preto, acrescentou que o investidor local até enxerga que a bolsa está barata, mas entende que este não é o melhor momento para se posicionar, diante de incertezas nas economias desenvolvidas e na China, que é grande consumidor de minério e dita os preços das ações de Vale e de siderúrgicas.
“Além disso, a renda fixa tem atraído bastante recursos dos investidores locais, com consequente resgate dos recursos alocados em renda variável”, sublinhou Komura. Segundo pesquisa da XP com clientes de assessores de investimentos, cerca de 66% deles mantiveram menores alocações em renda variável em agosto.
Para Gonçalvez, há o fato ainda de os investidores locais e os institucionais estarem esperando por uma possível correção da recente alta do mercado. “Tanto o institucional quanto a pessoa física, ao invés de tomar risco, podem estar aguardando o desfecho eleitoral para ampliar a fatia de ações em suas posições”, finalizou.
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