Especulação? As narrativas de Lula e BC sobre salto do dólar – e o impacto no mercado

Falas do presidente da República têm levado a ganhos da moeda, assim como fatores fiscais e externos

Equipe InfoMoney

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A disparada do dólar marcou o primeiro pregão do segundo semestre após a divisa americana já ter saltado 15% na primeira metade do ano. Assim, no dia 1 de julho, a moeda, chegou a R$ 5,65, no maior valor de fechamento desde 10 de janeiro de 2022 (R$ 5,67), ou em dois anos e meio, acumulando ganhos assim de 16,4%. Fatores externos têm sido de grande influência para os movimentos do câmbio mas, nas últimas sessões especificamente, chamou a atenção do mercado as diferentes declarações de autoridades políticas e monetárias que afetaram a moeda. Muitas dessas falas também trazem narrativas do que levou a esses fortes ganhos do dólar, com destaque para declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto.

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Nos últimos dias, Lula tem dado diversas declarações sobre o que tem levado à alta do dólar na sua visão, sendo a mais recente a desta última terça-feira, em que reiterou que há um movimento especulativo. “É um absurdo. Veja, obviamente que me preocupa essa subida do dólar. É uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real neste País”, declarou em entrevista à Rádio Sociedade, em Salvador (BA). Ele ainda apontou que volta a Brasília para uma reunião nesta quarta-feira (3) “porque não é normal o que está acontecendo”. Segundo ele, o governo tem que agir em relação à situação sobre a suposta especulação contra o real. “Nós temos que fazer alguma coisa. Eu não posso falar aqui o que é possível fazer, porque, se não, eu estaria alertando os meus adversários”, declarou Lula.

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O real apresenta o pior desempenho entre seus pares latino-americanos. Entre os motivos apontados para isso, também estão as próprias falas do presidente, que tem elevado o sentimento de aversão ao risco com relação ao país, com as ostensivas críticas ao BC. Especialistas têm afirmado que a acomodação do dólar ante o real passa pelo fim dos ataques recorrentes de Lula ao BC e por medidas que equilibrem as contas públicas. Na véspera, Lula afirmou nesta segunda que quem quer o Banco Central autônomo é o mercado, acrescentando que o próximo presidente da autarquia olhará o Brasil da forma que o país realmente é, e não do jeito que o mercado financeiro fala. Depois de afirmar que o país não precisa de juros altos neste momento, Lula afirmou em entrevista à rádio Princesa, de Feira de Santana (BA), que não dá para o presidente do BC — a quem se referiu como “cidadão” — ser mais importante que o presidente da República.

Na semana passada, em entrevista à rádio O Tempo, Lula já havia atribuído a alta do dólar à “especulação do mercado com derivativos” e disse que Campos Neto “não está fazendo o que deveria fazer corretamente” e que pretende escolher um substituto “responsável” para iniciar o mandato no ano que vem. Afirmou ver ainda a Selic de 10,5% como “irreal para uma inflação de 4%”.

Também na última semana, Lula afirmou que aqueles que apostam no fortalecimento do dólar contra o real e chamou de “cretinos” quem associou a aceleração da alta da moeda norte-americana a declarações dele sobre a área fiscal. O presidente demonstrou nos últimos dias em declarações resistência a realizar cortes de gastos, dando preferência ao ajuste fiscal pelo lado da receita — algo que vêm sendo criticado por economistas do mercado.

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Campos Neto também comentou nos últimos dias as críticas feitas a ele e ao BC pelo presidente Lula e o efeito nos preços. Para o presidente do BC, em fala na quinta-feira da semana passada, há uma “constatação”, e não opinião, de que os principais ativos financeiros são afetados pelos pronunciamentos de Lula. E isso se reflete em um piora das expectativas, dificultando o trabalho do Comitê de Política Monetária (Copom). “O que se mostrou no passado recente – e não é opinião minha, é constatação – é que, se a gente olha os movimentos de mercado em tempo real com os pronunciamentos, o que se mostrou é que teve piora em algumas variáveis macroeconômicas, em alguns preços de mercado. Então, é óbvio que, quando aumenta o prêmio de risco, ele obviamente faz com que o trabalho fique mais difícil ao longo do tempo”, afirmou na ocasião.

Já na última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou crer que o patamar de câmbio vá se acomodar e que a situação do dólar se reverta, à medida que os processos de decisão sobre gastos do governo forem concluídos e o governo corrigir “ruídos” na sua comunicação. “Precisamos comunicar melhor os resultados econômicos que o País está atingindo.” Questionado sobre intervenção no mercado, respondeu que essa é uma atribuição do BC. “Eles lá é que sabem quando e como fazer, é um assunto que cabe a eles decidirem. Sempre é possível, porque está na governança do BC.”

Motivos para a alta

Na véspera, o movimento foi embalado por forte aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano (os “treasuries”), na esteira da corrida eleitoral nos EUA, mas também pelos ataques do presidente Lula à autonomia do Banco Central.

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O aumento nos “treasuries” – que atingiram o maior patamar em um mês – tem o efeito de atrair mais recursos para investimentos nos EUA, fortalecendo o dólar em relação a outras moedas. A alta da segunda também refletiu a avaliação de aumento das chances de Donald Trump voltar à Casa Branca após o desempenho ruim do presidente Joe Biden em debate na semana passada.

Mas a questão é que o real vem perdendo mais do que outras moedas de países emergentes. Ontem, apenas o rand sul-africano e o rublo russo tiveram também queda maior do que 1% ante o dólar.

Analistas veem a forte alta da divisa americana muito ligada a fatores internos, como a previsão de que o governo não vai conseguir zerar o déficit público e o temor de maior interferência no BC após a saída de Roberto Campos Neto – em dezembro.

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“Tem um movimento mais global de aversão ao risco que é potencializado pelo lado doméstico, com a indefinição da questão fiscal”, disse o economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa. “O mercado quer esperar efetivamente as medidas concretas, como bloqueio e contingenciamento de despesas, e um Orçamento viável para 2025.”

Operadores relataram movimento comprador mais intenso no mercado futuro, com possível disparada de ordens para limitação de perdas por investidores que ainda carregam “posições vendidas” em dólar (que apostavam na queda da moeda americana). Principal termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro movimentou mais de US$ 18 bilhões, volume pouco usual para uma segunda-feira – o que sugeriria mudança no posicionamento dos investidores.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)