ENTREVISTA: queda de juros não depende do avanço de reformas, diz Márcio Appel

Fundador da meteórica Adam Capital, cujos fundos já entregaram até 440% do CDI em pouco mais de um ano de vida, conversou com exclusividade com o InfoMoney após evento realizado na XP Investimentos para lançar o novo fundo da casa: o Adam Macro Strategy

Thiago Salomão

Márcio Appel, sócio fundador da Adam Capital
Márcio Appel, sócio fundador da Adam Capital

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SÃO PAULO – 18 de maio de 2017: o dia depois do vazamento das conversas de Joesley Batista com Michel Temer – que resultou no primeiro “circuit breaker” do Ibovespa desde 2008 – foi um verdadeiro teste para ver como os principais investidores do Brasil lidariam em uma situação de stress. E certamente uma das pessoas mais “monitoradas” na indústria brasileira de fundos foi Márcio Appel. O motivo? O fundador da jovem Adam Capital via seus dois principais fundos, o Adam Macro e o Adam Advanced, entregarem uma rentabilidade na faixa de 30% e 60%, respectivamente, desde a criação dos fundos (29 de abril de 2016) até 17 de maio de 2017, resultados que correspondem a 220% e 440% do CDI do período, segundo a ferramenta de comparação de fundos da XP Investimentos. Tal performance, somada ao sucesso que Appel havia construído ao ficar 7 anos a frente do Safra Galileo – um dos fundos multimercados mais vencedores do mercado brasileiro -, contribuiu para que a Adam superasse a marca de R$ 12 bilhões de ativos sob gestão.

Atingir um resultado tão expressivo assim requer uma dose extra de “risco” no portfólio, e era justamente isso que colocou Appel no centro das atenções no dia 18: o Adam Macro viu sua cota recuar 6,3% em meio ao caos instaurado nos mercados. Após esse golpe, a cota do fundo praticamente não oscilou nestes quase 20 dias: “zeramos todas as nossas posições domésticas, tanto em juros quanto em bolsa”, explicou Appel em entrevista exclusiva concedida ao InfoMoney na última quinta-feira (8), dia que ele apresentou seu mais novo fundo, o Adam Macro Strategy, aos assessores da XP Investimentos.

Mantendo seu estilo prático e direto de responder, Appel deixou claro que essa zeragem de posições expostas ao Brasil nada tem a ver com uma mudança de diagnóstico sobre o mercado, que na visão dele nada mudou em 2017: “o cenário não mudou nada de novembro [época da última entrevista concedida por ele ao InfoMoney] pra cá. (…) A economia continua anêmica, inflação está extremamente controlada, com grandes chances de ficar abaixo de 4% neste ano, e isso tudo abre um espaço enorme para queda de juros”, afirma o gestor.

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Por isso ele minimizou veementemente durante a conversa a importância do avanço das reformas do governo para que as posições em Brasil deem resultados. “Tanto a posição de juros quanto de câmbio não dependem da aprovação de reformas. É muito mais simples do que isso, é a percepção de que a letargia econômica tem como única resposta a queda de juros e a falta de demanda faz com que a sobra de dólares seja muito grande”, explica o gestor. Um detalhe interessante: do dia da entrevista pra cá (13 de junho), a curva de juros futuros mostrou forte queda, após o resultado da inflação de maio vir abaixo do esperado e trazer essas apostas de cortes mais fortes de volta ao radar.

Ao falar das perdas do dia 18, Appel reconhece a dor do prejuízo – já que o dinheiro dele e de outros sócios da Adam estão nos fundos da casa – mas considera que a franquia ficou muito mais forte: “muita gente no mercado tinha dúvidas sobre como controlamos nosso risco e o evento mostrou que nós controlamos o risco de uma maneira até muito mais rigorosa que outros fundos do mercado”, afirma o gestor. Ele reconhece que se não tivesse zerado as posições brasileiras teus fundos teriam ido muito melhor em maio, mas essa não era a “maneira mais correta” de agir. “Não estamos aqui pra construir um negócio de curto prazo, a gente quer fazer um negócio para durar décadas. Na maioria das vezes zerar não compensa, mas basta dar errado uma vez”.

O novo fundo Adam Strategy seguirá a mesma filosofia dos outros investimentos da casa, com o diferencial de não investir em juros local e ter maior exposição a câmbio e ações globais. “Abrimos mão de um ativo que é extremamente correlacionado com outro ativo aqui no brasil, que é o mercado de juro e câmbio, mas ganhamos 600 novos ativos de baixa correlação ou correlação negativa no mercado internacional”, explica. A captação do novo fundo terá início em 30 de junho.

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Confira abaixo a entrevista com Márcio Appel:

InfoMoney – Creio que da nossa última conversa, em novembro do ano passado, o cenário de vocês mudou bastante e…
Márcio Appel – O cenário não mudou em nada de novembro pra cá. A economia segue fraca e consequentemente a inflação está muito mais baixa. Aliás, se uma coisa mudou de lá pra cá foram as perspectivas de inflação, que reduzimos gradualmente ao longo destes últimos meses. O crescimento da economia nós já trabalhávamos com um número baixo, a agricultura surpreendeu positivamente no último trimestre mas isso não reflete-se na demanda. A economia continua anêmica e a inflação está extremamente controlada, com grandes chances de ficar abaixo de 4% neste ano. Isso tudo abre um espaço enorme para queda de juros. Então o cenário não mudou para nós, na verdade essa tese [de queda de juros] só foi reforçada de lá pra cá. 

IM – Mas no último Copom o Banco Central já sinalizou que essa queda deverá perder forças no curto prazo, não?
MA –
 Eu ainda acho que existe chance do BC rever esse pré-anúncio de que vai reduzir o ritmo para 75 pontos-base. Não é indicado neste momento uma redução no ritmo de corte dada a dinâmica de crescimento e de inflação. Acho que os riscos são mais desinflacionários do que inflacionários, então os juros consequentemente têm que cair. A função do BC não é minimizar a volatilidade dos juros, é minimizar a volatilidade do PIB mantendo inflação sob controle. Ele não devia pecar pelo conservadorismo neste momento, onde a inflação está razoavelmente abaixo da meta no horizonte prospectivo. 

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IM – Talvez o BC queira mostrar que não está tão descorrelacionado com o cenário político… 
MA – Concordo, mas acho que isso ele poderia dizer claramente. O comunicado logo depois falou da influência política e econômica, mas o recado é o seguinte: o juros vai cair enquanto inflação estiver sob controle e PIB estiver caindo. É isso! Isso que tem clara preponderância sobre qualquer outra variável e é isso que precisa ficar mais claro. O impacto das reformas sobre a inflação nos próximos anos não é grande. Então não é como se o mundo fosse virar da água pro vinho só porque aprovamos as reformas, até mesmo porque o hiato de produção que temos é muito grande, tem muita sobra na economia. Por isso vejo pouco motivo para uma parcimônia exagerada.

IM – A Verde Asset, de um dos grandes nomes da indústria de fundos do Brasil, Luis Stuhlberger, escreveu na última carta mensal que o Brasil ficou “sem sunga” desde 17 de maio, dizendo que mesmo com a queda do dia 18 o mercado não acompanhou a piora dramática da aprovação da Reforma da Previdência. Como você vê essa avaliação?

MA – Foi o que eu disse antes: pra mim não é essa a ligação que devemos fazer. Tanto a posição de juros quanto de câmbio não dependem da aprovação de reformas. É muito mais simples e muito mais estrutural do que isso. É a percepção de que a letargia econômica tem como única resposta a queda de juros e a falta de demanda faz com que a sobra de dólares seja muito grande. Hoje está bem mais claro para todos os agentes que a chance de aprovação da reforma da previdência diminuiu muito e de que precisamos de uma reforma qualificada. Ainda assim, os agentes seguem com preços relativamente equilibrados. Apesar disso tudo, o mercado segue com as posições que estava. A leitura é que a economia está fraca e a resposta é a mesma que a gente achava no início: nunca achamos que essas pendências eram vinculadas à necessidade de aprovação de reforma.

IM – Mesmo assim vocês mudaram posições em carteira, certo? Como ficou?
MA –
Não mudamos em nada nossas posições internacionais mas zeramos todas as nossas posições domésticas, tanto em juros quanto em bolsa. Saímos da posição de juro real já faz muito tempo. Sobre a posição em ações brasileiras que comentamos na carta de maio, ela foi sendo feita ao longo do ano à medida que reduzíamos os juros. Infelizmente os eventos de maio nos pegaram de surpresa, se tivéssemos terminado de fazer essa transição que estávamos fazendo lentamente nós teríamos reduzido em um terço este prejuízo. Paciência, foi o que aconteceu e não tinha como prever. Na quinta-feira diminuímos fortemente nossas posições brasileiras, incluindo nossa posição de bolsa.

IM – E aquela posição comprada em bolsas americanas, continua?
MA –
Nossa visão continua igual, na verdade até melhor do que antes, porque na verdade agora conseguimos ver um crescimento de lucro mais significativo das empresas, o que dá mais impulso ainda à tese de que a bolsa americana estar barata.

IM – Muitos gurus de mercado têm dito que bolsas dos EUA estão caras…
MA –
Eles falam isso há muito tempo…

IM – Sim, nós temos visto. Mas a pergunta que queria fazer é: isso chega a te preocupar de alguma forma? Ou teve algo que ao longo destes 6 meses te fez refletir sua esta posição comprada em bolsa americana?
MA –
Pelo contrário, a gente está ainda mais confiante. Uma das coisas que me deixa mais confiante é ver que outras pessoas estão falando que está caro, acho que a partir do momento que eu ver muita gente falando que a bolsa americana está barata, eu pensaria que talvez o mercado está mais comprado do que deveria. Mas não é o caso da bolsa americana.

IM – Sobre Temer ficar ou não: este assunto perdeu a relevância para o mercado?

MA – Mercado hoje está dividido sobre se é bom ou não Temer ficar no governo. Quando o mercado não sabe o que é melhor ou não, o assunto deixa de ter relevância, entendeu?

IM – Então, diferente de antes do dia 18, não existe algum tipo de proteção para este cenário?

MA – Não, pois não há um resultado que é o fim do mundo, dado que talvez metade dos investidores acham que se o Temer ficar é bom e metade acha que ele sair é bom. Deixou de ser um evento mais relevante. No meio disso tudo, o [Henrique] Meirelles ficar na Fazenda é um evento importante, mas o mercado já precifica que ele deve ser mantido. Por isso eu não acho que esse evento é relevante, aliás, eu não acho que este julgamento do TSE seja um evento marcante [a entrevista foi realizada em 8 de junho, época que o julgamento estava em andamento].

IM – Como foi a reação dos cotistas da Adam nos dias 18 e 19 de maio, após o “circuit breaker”?
MA –
 Tivemos captação todos os dias e já vínhamos tendo [captação]. Além disso, somos um dos poucos fundos que ganha do CDI no ano, em 6 meses, em 12 meses, desde a abertura do fundo, é um histórico que poucos fundos podem exaltar. Isso nos deixou em uma posição muito confortável. O evento serviu de forma clara para o nosso controle de risco, então para nós como franquia foi um evento positivo, pois muita gente tinha dúvidas sobre como controlamos nosso risco e o evento mostrou que nós controlamos o risco de uma maneira até muito mais rigorosa que outros fundos do mercado. O Adam Macro, por exemplo, teve cerca de 3,5% negativo em maio, mas em dezembro, janeiro e fevereiro entregamos em média esse resultado positivo mês-a-mês. Ou seja: vivemos um evento cuja probabilidade é que aconteça uma vez a cada 20 anos e tivemos uma perda no mesmo nível dos ganhos mensais anteriores, o saldo disso é extremamente positivo para nós. O fundo é extremamente simétrico mesmo em eventos extremamente anormais. Então do ponto de vista do investidor, só recebemos elogios pela postura logo nos dias que se passaram.

Resumindo: lógico que o evento nos impactou, pois o dinheiro dos sócios está nos fundos e não ficamos nem um pouco felizes em perder dinheiro. Mas acho que foi um custo alto para fortalecer a franquia. A franquia ficou muito mais forte.

IM – Qual foi a grande lição que você tirou daquele dia 18?
MA –
 Não zerar as posições não parecia uma decisão correta nem prudente. Ela era injustificada sobre qualquer ponto de vista, pois havia muita incerteza no momento. E se você assume esses riscos assimétricos de maneira pesada, você acaba quebrando. E como eu sempre falei, não estamos aqui pra construir um negócio de curto prazo, queremos fazer um negócio para durar décadas. Por isso não vamos correr este tipo de risco, vamos sempre preferir zerar e depois, se for o caso, voltarmos pra posição. Não vai ser a primeira nem a última vez que fiz isso na vida. Se eu não tivesse zerado o fundo teria ido muito melhor, mas isso faz parte. Eu sei que muitos dos meus competidores não zeraram naquele dia. Mas não é a maneira que a gente o faz, não acho que é a maneira mais correta.

O aprendizado é esse: na maioria das vezes zerar não compensa, mas basta dar errado uma vez. Não vamos colocar tudo que construímos a risco só porque esperamos que as coisas voltem ao normal, pois às vezes, antes do racional voltar a prevalecer, as coisas podem piorar muito.

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Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers