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SÃO PAULO – Quem nunca viu no livro de ofertas de uma ação no home broker grandes ordens de compra ou venda cujos valores mudam quase tão rápido quanto o piscar dos olhos? Você sabia que boa parte dessas ordens são disparadas eletronicamente, sem a interferência direta de um ser humano? As negociações com o uso de algoritmos têm crescido rapidamente na BM&FBovespa. Larry Tabb, CEO do Tabb Group, empresa americana responsável pelo estudo “Electronic Trading Outlook for Brazil”, alerta, no entanto, que, em matéria de “algotrading”, a Bovespa é parecida com as americanas de 10 anos atrás. Em entrevista, Tabb e Francisco Valente, diretor da empresa de serviços de negociação eletrônica ATG, afirmam que os algoritmos podem ser usados para baixar os custos de transação dos investidores, aumentar a liquidez da Bolsa e até mesmo ganhar dinheiro no mercado acionários. Leia a seguir os principais trechos:
Revista InfoMoney – Quais são as principais diferenças entre as Bolsas americanas e a brasileira?
Larry Tabb – Nos EUA e em quase todos os mercados desenvolvidos, há competição entre Bolsas. O Brasil só tem uma Bolsa, a BM&FBovespa, e uma clearing de ações, a CBLC. O resultado é que os custos de transação aqui são um dos maiores do mundo. Outra diferença é que o regulador da Bolsa, a CVM, obriga que todos os investidores sejam identificados em cada operação. Com um atraso de até três meses, todo mundo pode ficar sabendo o que grandes investidores estão comprando. Isso gera problemas porque os movimentos desses investidores são seguidos por outros, o que torna mais caro para todo mundo investir. Outra regra desnecessária é a que estabelece que, no livro de ofertas, fique registrado quem é a corretora que está intermediando a transação. Por último, nos EUA vendedores e compradores podem fechar negócios em “dark pools” [plataformas privadas de negociação onde o acesso é restrito a um pequeno número de investidores].
IM – O sr. acha que o mercado brasileiro vai gradativamente ficar mais parecido com o americano?
LT – Acho que o modelo americano é louco demais. São 11 Bolsas e 40 “dark pools”. Duas ou três Bolsas seriam suficientes no Brasil.
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IM – Em seu mais recente relatório, o sr. vê semelhanças entre as Bolsas dos EUA 10 anos atrás e a do Brasil. Por quê?
LT – Em negociações eletrônicas, o grau de maturidade da BM&FBovespa é parecido com o dos EUA há uma década. Parte disso pode ser explicado porque não há arbitragem entre Bolsas como nos EUA, já que a maioria dos ativos é listada em um só ambiente [as exceções são as empresas brasileiras listadas no exterior]. Os algoritmos ajudam a reduzir os “spreads” entre ordens de compra e venda e aumentam a liquidez. Se um ativo sobe em uma Bolsa americana, também tem que se valorizar em outra porque alguém sempre pode enviar uma ordem de comprar aqui para vender ali, corrigindo a distorção. A queda dos spreads é positiva mesmo para investidores com perfil de longo prazo porque reduz o custo da transação.
IM – Quais são as principais estratégias de negociação eletrônica?
LT – Um algoritmo muito usado é o do formador de mercado, que deixa sempre ordens de compra e venda no livro de ofertas para prover liquidez aos demais investidores. Entre as grandes gestoras, há algoritmos que planejam a execução de uma grande ordem, quebrando ela em várias pequenas partes, de forma que esse volume atípico de compra ou venda não distorça demais o preço do papel. E também há os algoritmos que estão em busca de retorno e disparam ordens de compra e venda de acordo com as condições de mercado e de liquidez.
IM – Qual é o percentual de ordens eletrônicas no mercado americano e brasileiro?
LT – No Brasil, cerca de 43% das ordens são via DMA (acesso direto ao mercado, na sigla em inglês). Por meio desse canal, o investidor, autorizado pela corretora, fica conectado diretamente ao ambiente eletrônico de negociação da Bolsa. Do total de ordens enviadas via DMA, estimo que 70% são executadas por algoritmos. Já nos EUA praticamente tudo é eletrônico. Mesmo quando o investidor passa uma ordem de forma manual à corretora, ela vai usar um algoritmo para a execução. O problema de enviar ordens manuais é que há tantas Bolsas com tantos preços diferentes e que se movem tão rápido que se torna virtualmente impossível de obter as melhores cotações dessa maneira.
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IM – O que aconteceu nos EUA em 6 de maio de 2010, quando a Bolsa de Nova York registrou o “flash crash”, com o Dow Jones subitamente caindo mais de 600 pontos para se recuperar minutos depois?
LT – Era um dia muito nervoso no mercado por causa da crise na Grécia e um investidor decidiu subitamente vender bilhões de dólares em contratos futuros de S&P. Ao mesmo tempo, houve um problema de “market data” em uma das Bolsas – ou seja, as cotações e valores das ordens que eram mostrados aos investidores na tela eram irreais. O mercado perdeu a lógica e, como os algoritmos seguem a lógica do mercado, eles também se perderam. Quando o S&P futuro começou a cair vertiginosamente, derrubou todo o mercado à vista junto. Paralelamente as Bolsas de outros países começaram a cair porque os mercados são interligados.
IM – Em 2012, a empresa de serviços financeiros Knight Capital quebrou por erros operacionais em negociações eletrônicas. O que aconteceu?
LT – Essa é uma história diferente. A Bolsa de Nova York decidiu mudar alguns programas e algoritmos de negociação. A Knight Capital cometeu um erro operacional e deixou de atualizar um dos softwares que estavam sendo substituídos. Um programa que estava desligado há muito tempo passou a enviar milhões de ordens eletrônicas e eles acabaram expostos a riscos que não queriam ter na carteira. Com perdas de quase US$ 500 milhões, a firma quebrou.
IM – Muita gente desqualifica as negociações por algoritmos por causa de problemas como esses. Os controles de risco evoluíram?
LT – As máquinas de negociação em Bolsa geralmente possuem dispositivos de desligamento automático quando as coisas saem do padrão. Mas, assim como as pessoas, os algoritmos e os sistemas de risco também falham.
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Francisco Valente – Não vejo as pessoas com medo das negociações com algoritmo. No Brasil, a estrutura da Bolsa e das corretoras é bastante diferente em pré-negociação. Há uma checagem de risco que é feita antes de as ordens entrarem no livro de ofertas. Se alguém enviar uma ordem de R$ 100 para comprar um ativo que vale R$ 10, a ordem será rejeitada. Isso é uma prevenção ao chamado “dedo gordo” – ou seja, quando algum investidor erra números na hora de digitar o valor da ordem. Lógico que algumas coisas podem dar errado, mas um “flash crash” não ocorreria no Brasil.
IM – O livro “Flash Boys” foi lançado em 2014 e causou grande barulho nos EUA por trazer uma visão negativa das negociações com algoritmos. É justo?
LT – Não. O livro omite diversos benefícios das negociações eletrônicas. O autor [Michael Lewis] falou com pouca gente e não ouviu nem as Bolsas nem os desenvolvedores de algoritmos. O livro foi feito para beneficiar a IEX, um “dark pool” americano. O que é verdade ali é que o mercado americano é muito fragmentado e que a velocidade de acesso dos investidores às Bolsas é diferente. Então o investidor que tiver uma conexão mais rápida terá vantagem sobre os demais. Mas é uma diferença de fração de segundos que não atrapalha em nada quem investe a médio ou longo prazo.
IM – Qual é a perspectiva de abertura de uma nova Bolsa no Brasil?
LT – Vai acontecer. Mas a nova Bolsa terá de montar uma nova clearing porque, se não fizer isso, a BM&FBovespa poderá concentrar toda a cobrança dos investidores na clearing e prover execução de graça se quiser.
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FV – É uma questão de tempo. Não temos uma data de lançamento porque nosso compromisso com o BC e com a CVM é de qualidade, e não de celeridade. Estamos conversando com o BC sobre a autorização para a clearing. Para a abertura de uma Bolsa é preciso investir R$ 80 a R$ 100 milhões. A tecnologia já está pronta. Usaremos a plataforma da Nyse [Bolsa de Nova York]. O data center será em São Paulo. Haverá escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Outros US$ 100 milhões serão necessários para a clearing. Temos corretoras que serão sócias da nova Bolsa e, em troca das ações, se comprometem a trazer liquidez. Não posso revelar agora quem são os sócios.
IM – Quando houver duas Bolsas no Brasil, o “algotrading” fará muito mais sentido, né?
FV – Já faz muito sentido. A nova Bolsa só vai aprofundar essa tendência.
Essa matéria foi publicada na edição 54 da revista InfoMoney, referente ao bimestre janeiro/fevereiro de 2015. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.
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