Empresa brasileira vende aviões anfíbios com preço de carro de luxo

Avião da empresa brasileira AirMax custa US$ 150 mil

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Você já imaginou a possibilidade de viajar para Fernando de Noronha, para uma fazenda no interior de São Paulo com difícil acesso de carro ou até para algum outro país para passar um feriado, com seu próprio avião? Se a ideia parece distante, a empresa brasileira de aviões AirMax pode mudar esta perspectiva. A companhia, fundada em 1998 por Miguel Rosário, produz um modelo de avião de pequeno porte anfíbio – exemplar que consegue decolar e pousar em terrenos de terra, água e neve.

Chamado de SeaMax, é uma aeronave LSA (Light-Sport Aircraft), no Brasil ALE (Aeronaves Leve Esportiva), que comporta dois passageiros. Seu conceito é aumentar a mobilidade pessoal, embora ainda seja preciso fortificar a ideia no Brasil.

“A mobilidade pessoal não urbana é super desejada, mas é para poucos”, afirma Francisco Kommisar Del Campo, engenheiro mecânico-aeronáutico, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e conselheiro da AirMax. Em entrevista ao InfoMoney, ele explica que a indústria da aviação de pequeno porte passa por um momento de transição e, em um futuro próximo, ter um avião será tão possível quanto ter um carro. Entende-se por “pequeno porte” aviões com capacidade de 2 a 5 passageiros.  

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O conceito de mobilidade não urbana é a acessibilidade das pessoas a pontos difíceis de chegar de carro ou por outro meio qualquer. A ideia é facilitar o acesso das pessoas a locais que os meios de transporte comuns e acessíveis não as permitam chegar ou, se permitem, demora muito.

Segundo ele, hoje ainda é difícil para o brasileiro se imaginar com um avião próprio, pelos custos e pelo status que supostamente ter um avião carrega. Mas aviões de pequeno porte podem ser uma saída para que cada vez mais a população possa chegar onde desejar. “É uma indústria cara. Mas hoje há brasileiros que possuem helicópteros e um número ainda maior que possui barcos – que também não custam barato”, conta. Poucas pessoas podem ter o luxo desse tipo de transporte particular no dia a dia, considerando a realidade brasileira. 

Claro que os aviões de pequeno porte também têm custos altos, mas a tendência é que os valores diminuam cada vez mais devido às transformações pelas quais essa indústria vem passando. 

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O SeaMax (de número de série SN 149) custa US$ 150 mil, cerca de R$ 500 mil, em sua opção mais básica. Com acessórios o valor pode chegar a US$ 200 mil, de R$ 660 mil. Como base de comparação um avião particular executivo da Cessna, outra fabricante de aviões, com capacidade para 6 a 9 lugares custa uma média de US$ 400 mil, cerca de R$ 1.320.000, por exemplo.

Nova regulamentação – e por que faz diferença
Essas mudanças na indústria de aviões de pequeno porte e a expectativa de preços menores no futuro se deve, principalmente, à aprovação de uma nova regulamentação (RBHA 103A) no fim de 2016, que permitiu que aviões de pequeno porte, com capacidade para 2 a 3 pessoas, deixassem de ser considerados experimentais para se tornarem homologados.

Além disso, a fábrica que produz esse tipo de avião passa a ser certificada. “Na prática, quer dizer que agora é possível comprar e vender avião, como fazemos com carros”, explica Del Campo. Isto muda tudo e “marca um início de uma mobilidade pessoal massiva”.

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De acordo com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), responsável pela nova regulamentação no país, um LSA experimental é uma aeronave construída por um amador ou por um especialista contratado, ou ainda pela própria empresa fabricante do kit – que é uma parte do avião separada. Antes desta nova regulamentação, para ter uma avião de pequeno porte (2 a 3 lugares) a pessoa precisava montá-lo comprando as partes da aeronave, por exemplo, o kit da asa do avião.

O que muda é que antes os aviões com essa capacidade baixa de passageiros eram experimentais, ou seja, não tinham certificação para que pudessem ser comprados prontos tanto por pessoas físicas como por instituições como Corpo de Bombeiros, Aeronáutica, ou empresas de logística, nem vendidos por fábricas nos modelos prontos, apenas peças.

Em resumo, a AirMax era uma fabricante autorizada pela Anac que podia montar os kits com as peças separadas e até mesmo o avião, caso o cliente solicitasse. No entanto, não era permitido a fabricação e a entrega de aviões prontos para o cliente.

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Agora passa a ser permitido que a companhia venda o SeaMax já pronto. “Isso facilita demais a vida das pessoas. Nem todo mundo queria construir seu próprio avião. A possibilidade de produção em série vai baratear os custos e aproximar clientes”, diz Del Campo. 

A grande diferença entre a aeronave certificada e uma experimental é a segurança. O avião certificado passa por um “processo rigoroso de avaliação de projeto, testes de equipamentos e a conferência  do cumprimento de requisitos técnicos internacionalmente estabelecidos”, segundo a Anac.

Tudo é supervisionado por uma autoridade aeronáutica. Por isso, uma aeronave experimental “deve expor poucas pessoas ao risco e somente aquelas inerentes ao projeto. Desta maneira, são restringidas a voar sobre áreas pouco povoadas ou, em alguns casos específicos, a áreas completamente isoladas”.

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Aviões como o SeaMax, com a nova regulamentação, estão liberados para voar em praticamente qualquer região seguindo as regras de altitude e outras definidas por órgãos reguladores.

A AirMax vendeu 148 unidades do SeaMax até 2016, antes da nova regulamentação entrar em vigor, para 15 países, incluindo as 70 unidades comercializadas no Brasil, 20 na Suécia, 12 para clientes dos Estados Unidos e da Itália.

“Avião não é muito vendido em termos de volume, devido ao preço. A margem de contribuição é alta porque o volume é baixo, quando começarmos a vender mais, os preços vão cair. Isso incluindo a tecnologia também. Por exemplo, quando for possível ter motores elétricos em aviões, o custo vai diminuir”, diz o engenheiro.

As unidades vendidas nos últimos 17 anos vieram dos kits que a empresa vendia. Em 2017, depois da mudança de regras, a companhia ainda não vendeu nenhum SeaMax, que passou por uma repaginação e se adequou a nova regulamentação.

No entanto, algumas unidades estão nos Estados Unidos para serem testadas por consumidores potenciais. A primeira venda deve acontecer no início de 2018. A aparência externa do SeaMax que obteve a certificação praticamente não tem alterações em relação ao modelo não certificado. 

A sede da empresa está de mudança para o Estados Unidos, mas ainda manterá uma fábrica no Brasil, que fica em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. A AirMax fechou um acordo com a Embry-Riddle Aeronautical University (ERAU), localizada na Flórida, e terá instalações dentro da universidade, incluindo um escritório e uma fábrica que será inaugurada ano que vem. 

Vale lembrar que a regulamentação para os LSA já existia antes e já era válida nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, mas no Brasil só foi aprovada no fim do ano passado.

Concorrência: AirMax não está sozinha  
A AirMax se mudará para os Estados Unidos para atingir mais mercados, mas também para bater de frente com uma concorrente americana chamada ICON Aircraft, que produz aviões anfíbios com o mesmo conceito que a brasileira, porém, está mais consolidada no mercado, após o aporte de US$ 321 milhões de investidores, entre eles o ex-CEO do Google, Eric Schmidt.

“Eles fazem a mesma coisa, mas desenvolveram uma forma mais simples de pilotar. Tudo para facilitar para que mais pessoas aprendam mais rápido a pilotar esse tipo de avião. Eles vendem a ideia de aeronave para ‘todo mundo pilotar’, deixar mais acessível”, explica Del Campo. O avião anfíbio da ICON tem o mesmo motor do SeaMax.  

A AirMax recebeu um investimento bem mais modesto, de US$ 1 milhão, de Gilberto Trivelato, ex-executivo da Embraer, e atual CEO da AirMax, que virou sócio e apostou no negócio quando a empresa passava por uma fase complicada, enfrentando problemas financeiros. Hoje, a empresa está livre de dívidas e pretende crescer cada vez mais no mercado.

Del Campo acredita que aviões anfíbios como o SeaMax têm tudo para revolucionar a mobilidade pessoal. “Com a certificação são muito mais seguros, serão fáceis de pilotar e, em um futuro próximo, o preço será muito acessível. Eles são os precursores dos carros voadores”, crava o especialista.

“A indústria ainda está engatinhando com carros voadores, enquanto aviões anfíbios já são realidade”, diz. No futuro, aviões desse tipo e carro voadores podem vir a ser a mesma coisa, acredita Del Campo. Um transporte que consegue se adaptar em terra, água e neve é muito mais versátil do que um que precisa de um ponto de pouso, como um helicóptero ou o Uber Elevate.

Segundo o especialista, são vendidas em torno de 4 mil aeronaves de pequeno porte anualmente no mundo hoje, não só anfíbios, mas todos os modelos. “Essa é a mesma quantidade que a Rolls-Royce vende no ano considerando todos os carros da marca”, diz.

Usando outra comparação com carros, ele diz que a Porsche, por exemplo, “vende 225 mil unidades de todos os modelos no mundo por ano, parece muito, mas outras montadoras vendem muito mais que isso com um único modelo”, diz. O Toyota Corolla, por exemplo, teve 1.014.920 unidades vendidas em todo o mundo, segundo dados da consultoria Focus2Move.

Com base nisso, ele acredita que o mercado de aviões de pequeno porte pode crescer – e muito. O Brasil tem hoje 20 mil aeronaves de pequeno porte, segundo Del Campo, e nos Estados Unidos são 150 mil aviões desse tipo.

“Se esse número no Brasil fosse multiplicado por 10, seriam 200 mil aeronaves, o que considerando o espaço no mercado, não é muita coisa, mas seria uma enorme transformação da indústria e da mobilidade pessoal”, explica. Outro exemplo de que aviões de pequeno porte são uma realidade, é que nos Estados Unidos existem 5 mil aeroportos, sendo que apenas 500 são para aviões de grande porte. “Ou seja, 4.500 aeroportos são destinados a aviões de até 9 lugares”, complementa.

Com o passar do tempo e com a transformação da indústria será preciso organizar o tráfego aéreo, já que o número de aeronaves em circulação pode subir consideravelmente. “A organização do tráfego aéreo será importante e acredito que os órgãos reguladores e entidades aeronáuticas estarão preparados para quando o momento chegar”, diz Del Campo. 

“É o nascimento de uma nova indústria, já existiam aviões pequenos no mundo, mas a regulamentação e o aumento da segurança nos levam para outro patamar. Só sobrevive na indústria agora quem seguir a regulamentação e facilitar a vida de quem vai pilotar”, diz.

Ainda é possível que uma pessoa sem conhecimentos técnicos monte seu próprio avião comprando kits, mas hoje há muito mais regras. A AirMax, por exemplo, parou com a fabricação de kits e agora só vende aviões prontos.

A pessoa que comprar o avião precisa ter a “CNH de avião” para poder pilotar. Chamado de Brevê, essa certificação permite pilotar aviões de pequeno porte. Tem um custo elevado e exige horas de treino pilotando para ser aprovado. É possível comprar um avião da AirMax, por exemplo, sem ter um Brevê, mas a certificação é obrigatória para pilotar.

A regulamentação desses aviões menores abre portas para que mais pessoas possam aprender a comandar uma aeronave. 

“O carro tem fim, que seja daqui 200, 300 anos. No futuro teremos uma acessibilidade de pontos muito maior com aviões de pequeno porte, Norte do Canadá, interior do Norte ou Nordeste do Brasil, por exemplo”, acredita Del Campo.

Sonhando grande 

Em entrevista ao InfoMoney, Márcio Jardim contou que comprou o SeaMax há oito anos, em janeiro de 2009. “Na época eu fiz uma pesquisa de mercado. Eu queria um avião anfíbio porque é versátil para conseguir agilizar meus caminhos. Escolhi o SeaMax e hoje meu avião tem 567 horas voadas”, conta o bioquímico de 64 anos, dono do Laboratório Márcio Jardim, que fica em Minas Gerais.

Apaixonado por aviação, ele explica que já sabia pilotar, comprou os kits e a AirMax montou o avião. O modelo que ele possui é experimental e não pode ganhar a certificação dentro da nova regulamentação. Apenas modelos fabricados depois da aprovação das novas regras deixarão o status de experimental e passarão a ser S-LSA.

“Se você perguntar para qualquer pessoa hoje em dia, todos conhecem ou já ouviram falar da Boeing ou da Embraer, mas no futuro empresas como a ICON e a AirMax também serão lembradas”, afirma Del Campo.

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Giovanna Sutto

Jornalista com mais de 6 anos de experiência na cobertura de finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.