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No dia em que o Plano Real foi criado, R$ 1 valia US$ 1. Há quem se lembre do breve período em que a moeda brasileira superava a americana. Isso só foi possível porque o câmbio era fixo – um dos três pilares macroeconômicos para controlar a hiperinflação do período. Mas ao longo das últimas três décadas, o dólar passou a flutuar ao compasso de crises econômicas, eleições presidenciais, reformas fiscais e tensões geopolíticas até chegar ao atual patamar, ao redor de R$ 5,40.
A paridade do real com o dólar durou apenas três anos. Em 1999, após iniciar seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso e sua equipe econômica anunciaram o fim da política. O câmbio flutuante livrou o governo de segurar a cotação da moeda, o que causava um forte descontrole na dívida externa.
Mas quando se observa o poder de compra da população, qual foi o verdadeiro recorde e o “fundo do poço” do dólar desde a criação da moeda brasileira? Para responder à pergunta, aplica-se um cálculo que leva em conta a correção pelas inflações do Brasil (IPCA) e dos Estados Unidos (CPI).
A maior cotação real do câmbio foi alcançada pouco antes da eleição ao primeiro mandado de Luiz Inácio Lula da Silva, em setembro de 2002, quando a moeda americana chegou ao pico de R$ 8,14, segundo cálculo feito pelo economista Alex Agostini, da Austin Rating, a pedido do InfoMoney.
A menor cotação foi de R$ 2,33, em julho de 2011. Portanto, pelo câmbio atual, o real estaria longe de seu recorde, mas também distante de sua menor cotação. A taxa real serve para mostrar a capacidade financeira da população em moeda nacional e em dólar ao longo do tempo. Agostini explica, ao final da matéria, as razões pelas quais não existe um teto ou um piso para a moeda.
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Dólar x investimentos
Ao longo de três décadas, a moeda dos Estados Unidos praticamente não avançou se comparada aos principais investimentos. Corrigido pela inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o dólar se distanciou do Ibovespa, o principal índice de ações da B3, a partir de 2003, segundo dados fornecidos por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria. Ficou ainda mais distante da rentabilidade do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), indexador que acompanha a Selic, a taxa básica de juros.
Em conversa com o InfoMoney, Agostini comentou as bases que determinam a taxa de câmbio no Brasil desde a criação do Plano Real, justificou as razões pelas quais o dólar poderia estar mais desvalorizado e explicou por que a volatilidade prejudica a previsibilidade dos negócios. Veja trechos a seguir:
InfoMoney: Existe um patamar ideal para o dólar frente ao real?
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Alex Agostini: Não, porque seria necessário calcular uma taxa de equilíbrio de câmbio que pudesse tanto ser de competitividade para as exportações como para as importações. Há níveis de taxa de câmbio diferentes em cada setor: na siderurgia, na agropecuária. Quem exporta sempre vai falar que quanto mais desvalorizado, melhor. E quem importa, o contrário. Na agropecuária, com uma taxa boa para exportar altos volumes de soja e que desse altos retornos para os agricultores, neutralizaria os ganhos, pois boa parte dos insumos de fertilizantes é importado. Não existe um nível ideal para o câmbio.
O mais importante para uma economia é que sua taxa de câmbio não tenha a chamada volatilidade. Ela até pode sofrer uma desvalorização ao longo do tempo, isso é natural pela mudança de preços e pela globalização financeira. Tudo isso causa uma desvalorização ao longo do tempo, mas de forma paulatina, sem grandes mudanças que mexam com expectativas futuras.
Para o final de 2024, a expectativa inicial era que o dólar fechasse em torno de R$ 5, mas já estão falando em R$ 5,30 ou até R$ 5,50. Imagina um produtor agrícola que vai preparar a terra e precisar de tantos insumos de fertilizantes e adubo. Ele compra toda a previsão de opção com uma oferta futura de venda a R$ 5. E compra outra parte dos insumos conforme prepara a terra. Quando entregar esse produto que fechou e travou a venda a R$ 5, tomou prejuízo com o dólar a R$ 5,40. A volatilidade é ruim para a previsibilidade dos negócios.
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Pode existir uma valorização moderada para os fundamentos da economia. Quando se olha esses fundamentos, era para estar numa cotação muito mais baixa, mais próximo de R$ 4,50 ou até menos, porque tem uma boa entrada de recursos via comércio exterior e via mercado de capitais. Vão dizer que saiu muito recurso. Sim, porque nosso cenário fiscal está comprometido há algum tempo e isso mexe com as expectativas do investidor. Mas imagina um cenário fiscal controlado. Naturalmente os fundamentos vão se sobressair, ou seja, o fluxo de moeda será muito maior para entrar no Brasil do que para sair. Essa cotação deveria estar muito menor.
IM: O fato de o dólar estar longe de seu recorde real aponta que haveria espaço para uma desvalorização?
Agostini: Não devemos considerar aquela alta de 2002 como um teto. Na verdade, o céu é o limite para qualquer moeda. Basta ver o que aconteceu com a Argentina, o peso e outras moedas. O real não é diferente. Se entrarmos em uma crise fiscal mais profunda que gere outros problemas internos, podemos ver essa cotação dispararl. Não existe teto para a cotação. E também não existe piso.
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Depois da crise de 2002, quando a moeda chegou a quase R$ 8 pelo nosso cálculo, aí em 2008 despencou quando o Brasil ganhou grau de investimento. Não dá pra ter essa regra para o histórico passado, principalmente porque agora, com o aprofundamento da globalização financeira e novos instrumentos de negociação no mundo todo e moedas que viraram ativos, qualquer evento subjetivo, como conflitos geopolíticos, tem impacto direto na percepção do investidor, que por sua vez impacta a cotação da moeda, sem mesmo ter alterado o fundamento no que diz respeito a oferta e demanda.
IM: O que se deve levar em conta para fazer a projeção para o dólar e qual a projeção atual?
Agostini: Primeiro é preciso olhar os fundamentos macroeconômicos de determinação de preço, como entrada e saída de recursos, expectativa, projeção da conta de transações correntes, investimento estrangeiro direto e dívida externa. Olhamos a projeção disso para o ano e naturalmente todo o cenário que tem interferência direta ou indireta, como qual a expectativa para a taxa de juros e para o cenário geopolítico. Aí faz projeção em relação ao momento atual da moeda, aonde ela pode chegar.
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Olhando o cenário doméstico, não enxergamos uma saída muito rápida nem melhora das contas públicas. Dada essa condição, acreditamos que a cotação do real vai continuar bastante pressionada, e pode chegar ao final do ano ao redor de R$ 5,30. No começo do ano, projetávamos R$ 5,05, mas precisamos ajustar. Vemos uma pequena melhora hoje por conta do cenário internacional, que está ficando cada vez mais claro de quando a taxa de juros vai começar a cair e expectativa de acomodação dos conflitos, como Israel e Hamas, que pode ser encerrado em breve. Já Rússia e Ucrânia pode ser amenizado, ainda que haja discussões em curso.
A tendência é a moeda melhorar até o final do ano, mas se mantér pressionada por conta das contas públicas, a menos que o governo apresente um plano concreto e consistente de redução de despesas. Pelo lado da receita, não há espaço para aumentar a arrecadação, já que tem certa relação desgastada com o Congresso para apresentar novas medidas de aumento de arrecadação, porque é ano eleitoral e fica muito difícil passar novas medidas.
Esta publicação faz parte da série 30 anos do Plano Real: Passado, presente e futuro da moeda que mudou o país, especial do InfoMoney com reportagens, entrevistas, vídeos e artigos sobre a trajetória da moeda brasileira de sua criação aos dias de hoje.