Eletrobras (ELET6) enfrenta saída de CEO, “apagão” e mais questões sobre privatização em semana turbulenta; o que muda para as ações?

Apesar do noticiário recente afetar as ações na semana e no mês de agosto, analistas seguem otimistas, mas projetam volatilidade

Lara Rizério

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A semana tem sido de turbulência para a Eletrobras (ELET3;ELET6) e, consequentemente, para as suas ações na Bolsa. Apenas nos primeiros três primeiros pregões desta semana (ou até o fechamento da véspera), os ativos ordinários da companhia caíram 8,01% e os preferenciais classe B tiveram perdas ainda maiores, de 8,75%, com uma sequência de notícias que abalaram os ativos. No mês, a baixa acumulada é de 12% para ELET3 e de mais de 13% para ELET6 até ontem (ainda que as ações tenham recuperação nesta sessão).

A primeira das notícias foi dada na segunda-feira à noite, com a saída repentina e ainda alvo de muitas especulações do presidente Wilson Ferreira Jr, derrubando os ativos na sessão seguinte.

Na sequência, um apagão de energia atingiu o país inteiro na manhã de terça. No dia seguinte,  Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, apontou que o “evento zero” dele ocorreu a partir da falha em uma linha de transmissão operada pela Chesf, subsidiária da Eletrobras, no Ceará. Isso reacendeu ainda mais as críticas sobre a privatização da elétrica (ainda que não tenha provocado uma reação na Bolsa) entre os já reticentes com o processo. Por outro lado, Silveira, crítico da desestatização da elétrica, afirmou ser leviano “apontar que há uma causa direta com relação à privatização da Eletrobras”

Já na véspera, as ações caíram por conta de um fator ligado à privatização, com o parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, defendendo no Supremo Tribunal Federal (STF) o aumento do poder de voto da União na Eletrobras, que foi restringido durante o processo.

Completando o noticiário, ainda que não fosse inesperada, a retirada do Programa Nacional de Desestatização das ações da empresa que ainda estavam em posse do governo também é mais um ponto de tensão sobre a relação entre o governo e a companhia que tem impactado as ações.

Os assuntos acabam se entrelaçando e parte do mercado, ainda que vendo uma continuidade dos planos da Eletrobras mesmo com a mudança de CEO, também enxergam uma maior pressão para que o novo presidente, Ivan Monteiro, esteja mais alinhado com o governo.

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Relações atribuladas, mas com final feliz?

Os rumores que envolveram a saída repentina da Eletrobras de Ferreira Jr, um dos executivos mais respeitados do setor e responsável por “viradas” recentes da companhia, pautaram o mercado nos últimos dias, passando desde uma relação atribulada com o Conselho de Administração até de uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de fundamentos da privatização.

O anúncio foi pegou o mercado de surpresa principalmente depois do recente Investor Day da elétrica, durante o qual Ferreira apresentou a estratégia da empresa e a nova equipe de vice-presidentes por ele contratada. “Alguns investidores com quem falamos acreditam que a renúncia de Ferreira pode ser relacionada à pressão política do governo federal”, avaliou o Itaú BBA.

Neste sentido, a notícia de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu no Supremo o aumento do poder de voto da União na Eletrobras, ainda que procurando um acordo entre as partes, adicionou mais um fator de risco para as ações.

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Aras opinou que as normas que diminuíram o poder de voto da União devem incidir apenas para as ações adquiridas após a desestatização da Eletrobras. Para ele, essa solução preserva o interesse público e as “legítimas expectativas” dos acionistas minoritários.

A manifestação foi feita em ação do governo federal que questiona a limitação do poder de voto da União na Eletrobras. Em maio, a  Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo,  em ação direta de inconstitucionalidade, para rever alguns pontos sobre a privatização da Eletrobras, que ocorreu em junho de 2022. Dentre eles, pediu que o STF conceda para a União um poder de voto na Eletrobras proporcional à sua participação na elétrica.

O governo conta com 42,61% das ações ordinárias da Eletrobras. Contudo, devido à lei da desestatização da Eletrobras, a proporção de votos é limitada a 10%, uma vez que a privatização transformou a Eletrobras numa “corporation”, uma empresa de capital privado sem acionista controlador.

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Em relatório, o BTG Pactual enfatizou a visão da PGR de que ter uma participação votante de 42%, enquanto está limitado por um teto de voto de 10% não é o problema, desde que o Governo Federal fosse devidamente compensado por isso.

O banco pontua que o parecer até menciona o caso da Embraer (EMBR3), em que seus maiores acionistas receberam um prêmio de 9% para concordar com a limitação de voto, em troca da perda de controle.

“No entanto, o texto esquece de mencionar que o processo de privatização foi amplamente debatido e aprovado pela Câmara dos Deputados, Senado e Tribunal de Contas da União. Os acionistas injetaram R$ 31 bilhões na empresa, que foi usado para pagar pela extinção do regime de cotas, reduzir as tarifas de energia para os consumidores finais e ajudar a criar vários fundos regionais nos próximos 10 anos”, apontam os analistas.

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Eles reforçam ainda que os investidores participaram da oferta porque ela oferecia a oportunidade de investir em uma empresa melhor administrada, com grande espaço para crescimento com disciplina de capital e influência limitada do governo (ou de qualquer acionista individual). Assim, é por isso que o teto de voto de 10% foi crucial para o sucesso da operação.

Para os analistas, sem dúvida, este é um ruído indesejado, mas a decisão final cabe ao STF.

“Em nossa visão, a opinião da Procuradoria-Geral da República (PGR) é apenas mais um ponto de vista que será adicionado ao processo, mas a decisão final cabe ao Supremo”, reiterou.

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O banco aponta ter realizado uma sessão com um especialista do Supremo Tribunal do veículo de comunicação especializado JOTA, sendo que ele acredita que o processo não é urgente para a Corte ou o relator e deve levar tempo para ser votado.

“Vale ressaltar que, antes de discutir o mérito da ação, a PGR está propondo uma reconciliação entre a empresa e o Governo Federal. Dada a recente mudança de CEO, alguns podem especular que as perspectivas de se chegar a um acordo podem melhorar”. avalia o BTG.

Para os analistas, sem dúvida, uma resolução política é melhor do que entrar em uma disputa legal, embora não antecipe que o Conselho concorde em conceder algo prejudicial à empresa. “Em nossa opinião, negociar a antecipação dos pagamentos do CDE (ajudando a reduzir as tarifas de energia) parece uma discussão legítima”, aponta.

Na mesma linha, o Itaú BBA ressalta que, embora não haja visibilidade sobre o momento da decisão do Supremo sobre o mérito, o parecer da PGR se trata de uma ação processual que não aumenta as chances de um resultado favorável para nenhuma das partes.

De qualquer forma, adiciona mais uma turbulência em um mês em  que o preço das ações da Eletrobras sofreu significativamente, devido a consideráveis ​​fluxos negativos novos que incluíram: i) se a usina de Angra 3 seria ou não desenvolvida (sobre este ponto, houve desdobramento positivo, com análise de obras para a sua conclusão integrando o PAC); ii) a renúncia do CEO da companhia; e iii) o debate sobre direitos de voto.

Ao falar sobre a possível negociação entre a Eletrobras e o governo federal para resolver essa disputa no Supremo Tribunal Federal, o BBA cita que algumas reportagens chegaram a mencionar a possibilidade de indicação pelo governo federal de alguns membros para o conselho da Eletrobras, o que os analistas do banco veem como muito improvável.

Assim como o BTG, o BBA vê que a outra alternativa mais viável é antecipar os pagamentos da CDE para reduzir as tarifas de energia nos próximos anos. “Essa alternativa parece uma vitória para a Eletrobras e para o governo federal”, conclui.

O que esperar para as ações?

Neste sentido, apesar da pressão recente, as duas casas possuem recomendação de compra ou equivalente para as ações da ex-estatal. O BBA tem recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para ELET3 com preço-alvo de R$ 61,60 (alta de 82% frente o fechamento de ontem) e o BTG tem recomendação de compra para ELET6, com preço-alvo de R$ 53 (upside de 40%).

Ao longo da semana, outras casas reiteraram recomendação de compra mesmo com as fontes de pressão para a companhia, com o movimento ocorrendo principalmente após a mudança de CEO.

Em contraponto, não descartam volatilidade de curto prazo para os ativos. Ao avaliar especificamente a saída do CEO, o Safra citou que o evento inesperado pode causar volatilidade nos preços das ações da Eletrobras principalmente devido ao aumento da percepção de risco.

De qualquer forma, também vê Ivan Monteiro como um executivo com um histórico sólido, ocupando cargos importantes de liderança no passado, incluindo Conselheiro do Credit Suisse, CEO e CFO da Petrobras (PETR4) e CFO do Banco do Brasil (BBAS3)

“Em nossa opinião, ele tem as habilidades e experiência necessárias para seu novo cargo. No entanto, neste momento acreditamos que os investidores precisam de mais informações para ter uma avaliação clara sobre as mudanças futuras causadas por este evento”.

A recomendação de compra e preços-alvo de R$ 47,50 e R$ 53,10 para ELET3 e ELET6, respectivamente, foram mantidos pelo Safra, principalmente por valuation. UBS BB e JPMorgan foram outras casas que reforçaram as teses positivas durante a semana. Contudo, os fatores de instabilidade que têm abalado a ação ainda devem perdurar no curto prazo.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.