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SÃO PAULO (Reuters) – A Eletrobras (ELET3;ELET6), maior empresa de geração e transmissão de energia da América Latina, pode se tornar um importante ator da transição energética após a oferta bilionária de ações prevista para esta semana retirar o governo do controle da companhia, marcando a maior privatização de uma empresa no Brasil em mais de 20 anos.
Maior fôlego financeiro para investir em fontes de geração renovável e novas tecnologias, corte de custos e despesas e diminuição dos mais de 80 bilhões de reais em contingências estão entre os ganhos da desestatização vistos por analistas, que ponderam que a “virada de chave” não deve ocorrer no curto prazo, mas faz parte de um processo que pode demorar anos para ser concluído.
A oferta de ações da elétrica brasileira será precificada nesta quinta-feira, podendo chegar a cerca de 35 bilhões de reais e ter entre seus compradores o fundo de pensão canadense CPPIB e o fundo soberano de Cingapura GIC. Em um primeiro momento, o Estado terá sua participação diluída de 72% para 45%, posição esta que ainda deve facilitar o avanço da companhia em projetos junto com outros países.
Um dos benefícios mais evidentes da privatização para a Eletrobras é a mudança de seus contratos de concessões de 22 usinas hidrelétricas para um novo formato, fora do regime de cotas, que trava ganhos de receita.
Com a renovação contratual, a geradora poderá se beneficiar da dinâmica de preços a partir da venda de energia no mercado livre, que promete se expandir nos próximos anos com a abertura para novas classes de consumidores, até mesmo residenciais.
Mas a expectativa é que a Eletrobras fortaleça seu posicionamento estratégico para além das hidrelétricas, investindo nos seus próprios parques de geração eólica e solar –algo que já fez no passado mas em associação com outras empresas.
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Luiz Augusto Barroso, presidente da consultoria PSR, observa que o portfólio de hidrelétricas facilita a aposta da companhia nas novas renováveis, já que traz complementariedade a fontes que têm geração variável, dependendo do sol e do vento.
“Certamente a Eletrobras no futuro vai ser muito relevante na transição energética, pela característica de seus ativos… que são os mais procurados do mundo, as hidrelétricas com armazenamento (de água), que funcionam como baterias (do setor elétrico)”, disse Barroso.
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Para o especialista, a Eletrobras também pode se tornar um vetor de integração energética regional, principalmente envolvendo projetos de transmissão de energia entre países, aproveitando a participação do governo que ainda terá em seu capital.
“São projetos que normalmente demandam sócios mais parrudos e que tenham participação de governos, porque eles (governos) acabam dando solidez técnica, econômica e principalmente jurídica”, afirmou Barroso.
Uma fonte que acompanha o processo de capitalização destacou que a Eletrobras é a maior plataforma de energia limpa disponível para investimentos em mercados emergentes.
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“Está grande a procura… É uma posição supercompetitiva para abrir hidrogênio verde”, disse a pessoa, que falou em condição de anonimato, sobre a demanda por ações da empresa.
No prospecto de sua oferta de capitalização, a Eletrobras faz menção a novas frentes que poderia investir, citando, além das renováveis e da transmissão, tecnologias com uso de inteligência artificial e blockchain e armazenamento de energia.
REDUÇÃO DE CUSTOS E CONTINGÊNCIAS
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Outro aspecto importante para o “turnaround” da empresa será a redução de custos e despesas a partir da criação de uma estrutura corporativa mais enxuta e otimização de processos espalhados hoje em seis empresas (holding Eletrobras, Eletronorte, Chesf, Eletrosul, Furnas e Eletropar).
Segundo informações da própria Eletrobras, somando todas suas unidades, são atualmente 32 diretorias, 44 membros de conselho de administração, 6,4 mil funcionários operacionais e 3,75 mil funcionários administrativos.
Embora a Eletrobras já viesse em um esforço de eficientização desde 2016, mirando a privatização e vendido unidades de distribuição de energia deficitárias, analistas veem espaço para melhorias, sem as amarras de uma estatal.
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“Acreditamos que virar uma ‘corporation’ será muito importante para o futuro da empresa (redução de custos, gestão do balanço e crescimento). Aliás, um dos maiores geradores de valor para o nova empresa será a redução do custo de capital”, avaliam os analistas Giuliano Ajeje e Guilherme Reif, do banco UBS.
A diminuição de passivos contingentes é outra alavanca importante de valor. Hoje a companhia tem 33,8 bilhões de reais em provisões registradas em balanço –sendo mais de 25 bilhões referentes ao empréstimo compulsório– e outros 52,7 bilhões de reais em passivos que estão fora do balanço.
A expectativa é que, em uma gestão privada, a empresa possa buscar mais acordos com credores para encerrar os processos. Esse tipo de negociação se torna mais difícil em estatais pela possibilidade de responsabilização do gestor público, afirmam os advogados Ana Karina Souza e João Reis, sócios do escritório Machado Meyer.
“A propria legislação que rege de forma macro as empresas públicas traz uma série de responsabilidades que muita vezes vão direto no CPF do gestor… Ele fica amarrado na gestão desse passivo judicial”, disse Reis.
“Todos os atos estão sujeitos ao controle do Tribunal de Contas, que faz fiscalizações periódicas… Para o bem e para o mal, cria-se uma amarra adicional”, acrescenrou Souza.
MAIOR PRIVATIZAÇÃO EM DÉCADAS
Se concretizada, a privatização da Eletrobras significará a maior operação do gênero desde a venda da Telebras, de telecomunicações, em 1998, segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“Durante a era Lula-Dilma, houve muita concessão, de rodovias, ferrovias, aeroportos… Mas não houve nenhuma privatização destacada… do porte de uma Eletrobras”, disse Rafael Souza, pesquisador do centro de estudos e regulação em infraestrutura da FGV.
Conforme o levantamento feito a pedido da Reuters, a operação da Eletrobras seria a maior desde a venda de 20% da Telebras (TELB4), em 1998, que levantou quase 96 bilhões de reais, em valores reais (corrigidos pela inflação). A privatização da Vale (VALE3) em 1997, com venda de 41,7% das ações do governo, somaria 15,16 bilhões de reais em valores de reais.
Souza lembra ainda que, durante esse “vácuo” de privatizações, ocorreram importantes vendas de ativos da Petrobras (PETR3;PETR4), como a transportadora TAG e a BR Distribuidora – atual Vibra VBBR3.
A economista e advogada Elena Landau concorda que a desestatização da Eletrobras é simbolicamente “tão importante como foi a da Vale e da Telebras”, podendo destravar muito valor, como ocorreu com a mineradora, e ampliar o mercado de energia, a exemplo das telecomunicações.
No entanto, ela avalia que o processo da Eletrobras foi mal conduzido, com decisões pouco transparentes sobre modelo de venda e com a inclusão de “jabutis” na lei que devem encarecer a tarifa nos próximos anos. “Fica um processo que não deve ser repetido no futuro”, disse Landau, que é ex-diretora de privatizações do BNDES.
Ela lembrou que a Eletrobras está entre as grandes estatais do país, que incluem a Petrobras, Banco do Brasil (BBAS3) e Caixa Econômica Federal.
Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), destaca que houve uma “curva de aprendizado” em relação às privatizações da década de 1990, quando poucos e grandes investidores institucionais, como fundos de pensão, concentravam participação nas operações.
Coelho também elogia o “olhar mais internacional”, com regras que preveem o controle difuso da Eletrobras, modelo adotado com sucesso elétricas europeias que foram privatizadas, como EDP (ENBR3) e Enel.
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