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A saga judicial-financeira do ex-bilionário Eike Batista pode estar mais perto de um fim. Nesta terça-feira, 16, devem ser conhecidas as propostas por um lote de debêntures da Anglo American, grupo britânico que comprou o projeto de mineração Minas-Rio, da mineradora MMX, de Eike, em 2008.
Esses títulos foram “descobertos” dentro do emaranhado de companhias criadas pelo empresário antes de sua derrocada. O lance mínimo é de R$ 1,25 bilhão, dinheiro que seria suficiente para quitar boa parte dos débitos remanescentes – o empresário informou este ano ter recebido oferta de quase R$ 2 bilhões pelos papéis. Dois fundos internacionais, o Oaktree e o Vox Royalty, e o BTG Pactual estão na disputa, segundo revelou a Coluna do Broadcast no último dia 9.
As maiores dívidas conhecidas de Eike somam algo perto de R$ 2 bilhões – sendo R$ 1,2 bilhão da falência da MMX e cerca de R$ 800 milhões do acordo de delação fechado no Supremo Tribunal Federal no âmbito da Operação Lava Jato. Há ainda uma certa incerteza em relação ao passivo tributário. A União cobra R$ 3,5 bilhões da MMX, mas esse débito é passível de recurso e não tem prazo para ser pago.
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Vender as debêntures para quitar as dívidas, porém, não está sendo fácil. Um processo de venda, de dezembro do ano passado, foi suspenso. Este ano, novos leilões judiciais foram convocados. Os títulos estavam no patrimônio da NB4, elo da “cadeia” de firmas usada por Eike para gerir seus bens. Foram localizados pela Associação Brasileira de Investidores (Abradin), cuja origem remonta às primeiras mobilizações de acionistas minoritários lesados pela derrocada do Grupo X e que foi aceita como parte interessada no processo que buscou o patrimônio pessoal de Eike na falência da MMX, segundo Aurélio Valporto, presidente da entidade.
“Começamos a baixar tudo quanto é documento que tinha na Junta Comercial (do Rio)”, diz Valporto, lembrando do trabalho de busca por ativos em empresas ligadas a Eike, no início de 2021. “Não conseguíamos achar nada. Até que deu um estalo e falamos: poxa, vamos procurar no emissor. Aí, conseguimos achar a escritura da debênture. Quando fizemos o primeiro “valuation” (avaliação do valor de determinado ativo) da debênture, falei: isso aqui vale centenas de milhões e o cara estava escondendo!”
Como o ativo é valioso, a descoberta causou uma reviravolta na novela. Na disputa de interesses conflitantes, o empresário falido sempre tende a preferir que nada do patrimônio pessoal entre no processo. Uma vez que algo entra, é de seu interesse que seja vendido por preço elevado o suficiente não só para pagar as dívidas, mas, quem sabe?, para sobrar algo para si.
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Aos credores, interessa recuperar as perdas. Portanto, basta que o ativo seja vendido pelo equivalente às dívidas – eles nada ganham com valores além. Assessores financeiros, administradores judiciais e demais intermediários ganham um porcentual das operações de venda – para eles, quanto maiores os valores, maiores os honorários, que podem chegar a milhões, no caso da MMX.
Com o aval da juíza Cláudia Helena Batista, da 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, o administrador judicial Bernardo Bicalho vem tocando a venda das debêntures desde o ano passado. Em dezembro, organizou um “processo competitivo” para encontrar um comprador. A proposta vencedora, de R$ 612 milhões, foi da Argenta Securities, offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas. O valor é inferior ao total das dívidas, mas, em processos do tipo, é normal os credores aceitarem menos, desde que vejam logo a cor do dinheiro.
Rei das quentinhas
Só que a proposta da Argenta não foi concretizada. A offshore se apresenta como empresa de investimentos. Segundo uma fonte ouvida sob condição do anonimato e documentos, a Argenta pertence à família de Jair Coelho, empresário falecido em 2001 – que ficou conhecido no Rio, no fim dos anos 1990, como o “Rei das Quentinhas”, por dominar o fornecimento de refeições para órgãos públicos, com destaque para os presídios fluminenses, e enfrentou acusações de superfaturamento e sonegação fiscal. Jorge Antônio da Cunha Lima Coelho, filho de Jair, assina em nome da Argenta. Um processo de 2021 que corre no TJ-RJ, e tem o espólio do empresário como parte, cita a Argenta como “empresa de propriedade” de Jair Coelho.
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Em mais uma reviravolta, neste ano, uma manifestação de Eike e de novos assessores financeiros do empresário pediu que uma nova operação de venda fosse realizada. O motivo: o empresário havia recebido uma proposta para vender as debêntures por US$ 350 milhões, entre R$ 1,8 bilhão e R$ 1,9 bilhão, dependendo da taxa de câmbio, acima, portanto, da proposta da Argenta. A juíza acatou o pedido e, no fim de maio, determinou a realização de um leilão judicial. A proposta de US$ 350 milhões entrou como lance mínimo, segundo o edital do leilão.
A Argenta acionou a 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte para impedir a convocação do certame. Para reforçar que o pagamento dos R$ 612 milhões estaria seguindo os procedimentos conformes, os advogados da empresa anexaram uma carta-compromisso de investidores americanos, que teriam patrimônio sob gestão de cerca de US$ 60 bilhões e estariam dispostos a investir nos papéis.
Na carta, o Grupo DiFalco – sediado em Miami, se define como “firma de investimentos” que opera com “private equity” nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina – se apresenta como coinvestidor; os fundos CarVal Investors e Arena Investors, como financiadores.
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Não deu certo. A 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte manteve o leilão. Um recurso aos desembargadores do TJ-MG não foi aceito. Mesmo assim, na interpretação da Argenta, caso não haja lances firmes no segundo leilão convocado em julho, o processo de venda de dezembro pode ser retomado, o que garantiria à offshore o direito de levar as debêntures por R$ 612 milhões.
Ofertas nebulosas
Para deixar tudo mais nebuloso, conforme documentos do processo, a oferta de US$ 350 milhões, que suscitou a convocação do primeiro leilão, foi feita por uma empresa chamada RC Group. A colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, revelou que a firma pertence a Renato Costa, empresário brasileiro radicado nos Estados Unidos e que responderia a pelo menos 18 processos no Brasil, inclusive por passar “cheques sem fundos” e sumir com um carro alugado.
Ao término do primeiro leilão, no início de julho, a RC Group não deu as garantias de que faria o pagamento. Para alguns, lembrou o acordo, anunciado em março de 2021, da MMX com a China Development Integration Limited (CDIL). O investidor chinês estaria disposto a aportar US$ 50 milhões na empresa, mas nunca deu garantias de que faria o investimento de fato – mesmo assim, a apresentação da proposta atrasou o processo de falência. Segundo uma fonte que pediu anonimato, assim como no caso da CDIL, a proposta do RC Group não era “firme”.
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Para essa pessoa, apenas diante da conclusão definitiva dos leilões judiciais será possível enxergar melhor se a saga de Eike poderá mesmo se aproximar do fim. As debêntures da Anglo são um “ativo muito bom”, disse a fonte, mas os valores são elevados – no Brasil, só “cinco fundos” teriam recursos suficientes para fazer esse tipo de operação.
Antes do fracasso do primeiro leilão, o presidente do banco de investimentos BR Partners, Ricardo Lacerda, nomeado assessor financeiro para a operação, disse ao Estadão que havia apresentado os títulos a 43 investidores em potencial até meados de junho. No início de junho, o executivo avaliou que seria possível vender os títulos por cerca de US$ 500 milhões, R$ 2,7 bilhões pelo câmbio médio de julho.
As regras do edital do segundo leilão são mais rígidas, incluindo uma lista de critérios para que os proponentes comprovem sua capacidade financeira. Antes de entregar as propostas, em envelopes lacrados, tinham que ser habilitados. A audiência de terça-feira, 16, para abrir os envelopes, será virtual, por meio da plataforma on-line do TJ-MG, segundo uma fonte. No caso de empate de valores, poderá haver pregão com disputa em viva voz, lance a lance, segundo o edital.
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