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Dolarizar parte do patrimônio é uma das recomendações constantes de consultores de investimento, mas uma modalidade menos ortodoxa de comprar dólares ganha força no Brasil, por meio de criptoativos. As stablecoins de dólar (criptodólares ou dólares digitais) são criptos que têm paridade com a moeda americana, e que vêm se tornando mais populares por oferecer certas vantagens frente ao câmbio comum.
Segundo dados da Receita Federal, brasileiros adquiriram até agosto deste ano cerca de R$ 71 bilhões em criptos de dólar, o que já equivale a 95% das compras de todo o ano de 2021. Se o ritmo se mantiver o mesmo até dezembro, o volume pode passar de R$ 106 bilhões, o que representaria um salto de 42% ante o ano passado.
O movimento chama atenção porque vem na esteira de uma queda brusca nos preços de demais criptomoedas, como o Bitcoin (BTC) e o Ethereum (ETH), que desvalorizaram mais de 70% nos últimos meses – em geral, as stablecoins são vistas apenas como porta de entrada para negociar outras criptos, mas o crescimento descompassado desses ativos sugere um movimento de busca pelo dólar tokenizado em si para manter na carteira.
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A corretora de criptomoedas mexicana Bitso, por exemplo, afirma que sua operação brasileira triplicou em volume e receita entre junho e agosto sob efeito direto da busca por dólares digitais – essa categoria, segundo a empresa, cresceu 70% no número de usuários durante esse período e hoje já é um dos criptoativos de maior uso na plataforma.
Mas, por que investidores vêm procurando esse tipo de ativo de dólar em formato cripto? E, afinal, como ele funciona? Confira os detalhes a seguir.
Como funciona o dólar digital
O dólar digital é o que se chama de stablecoin, um tipo de criptoativo que tem preço pareado a outro – nesse caso, a moeda americana. Esses dólares digitais são emitidos por empresas privadas que mantêm reservas em dólar ou instrumentos dolarizados, como títulos do governo dos EUA, que servem de lastro para o token.
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Cada token emitido, portanto, vale 1 dólar que pode ser resgatado junto à empresa emissora a qualquer momento – em geral, por meio de corretoras, que de fato são as empresas que comercializam esse tipo de cripto. No Brasil, todas as exchanges oferecem algum tipo de stablecoin de dólar para comercialização – o câmbio utilizado costuma variar conforme a plataforma.
As maiores stablecoins de dólar do mundo são a Tether (USDT), emitida com apoio da corretora Bitfinex; a USD Coin (USDC), emitida pelo consórcio Centre, formado por Circle e Coinbase; além da BUSD, oferecida pela Paxos em conjunto com a Binance. Juntas, elas têm valor de mercado que passa de US$ 135 bilhões.
Como usar dólar digital
A maneira de usar dólares digitais varia conforme o objetivo do investidor. Se a intenção for apenas guardar dólares para proteger uma parte do patrimônio em reais, basta adquirir stablecoins em uma corretora e deixar guardado na conta – ou transferir para uma carteira pessoal. Na hora de liquidar, é necessário apenas voltar à plataforma e vender essas criptos por reais.
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Já para quem vai viajar, por exemplo, a maneira mais simples é adquirir um cartão de débito internacional compatível com criptomoedas. Com um desses em mãos, o usuário pode fazer um Pix para a plataforma, comprar stablecoins para carregar o cartão e então usá-las em compras no exterior.
No Brasil, as corretoras Ripio e Crypto.com oferecem cartões de débito internacionais de bandeira Visa compatíveis com recargas em criptomoedas.
Vantagens
Transferências entre pessoas
O uso de criptodólar frente à moeda comum traz algumas vantagens importantes, começando pela usabilidade. Como são emitidas em blockchain, as stablecoins podem ser livremente enviadas entre pessoas por meio de carteiras digitais como MetaMask e Trust Wallet, ou transferidas para exchanges em qualquer lugar do mundo.
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Como não navegam pelo sistema bancário, também não requerem que o usuário tenha uma conta americana para movimentá-las. Nada impede, por exemplo, que alguém no Brasil envie um criptoativo de dólar para uma pessoa no Japão, mediante o pagamento de uma pequena taxa cobrada pela rede onde a moeda trafega.
Rendimento em dólar
Além disso, hoje já existem serviços que oferecem conta de rendimento para esse tipo de ativo. No Brasil, um das empresas que oferece isso é a Bitso. “Temos visto muitos usuários buscarem [o dólar digital] para driblar o cenário inflacionário e de instabilidade monetária”, conta Daniel Steinberg, diretor de regulação da Bitso. A corretora oferece rendimento de até 8% ao ano para depósitos em stablecoin de dólar, com liquidez diária.
Preço
Outra vantagem apontada por especialistas é o custo mais baixo na comparação com o dólar na casa de câmbio.
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“O conceito por trás de criptoativos é justamente conseguir eliminar esse intermediador, por exemplo, as casas de câmbio. Então enquanto a gente tem dólar turismo, dólar futuro, vários tipos de dólar e até o spread de casas de câmbio, o mercado de cripto elimina esse intermediador, conseguindo comprar o dólar diretamente sem pagar taxas, apenas a da corretora”, explica Guilherme Bento, sócio e especialista em criptomoedas da Acqua Vero Investimentos.
“Quando compramos dólar tem o IOF, a taxa própria do câmbio, o spread que iremos pagar para o intermediador. No caso das stablecoins não é assim, porque estamos comprando direto da fonte. Então, por exemplo, se a cotação do dólar da stablecoin vale R$5,50, o investidor vai pagar esse valor diretamente”.
Quais são os riscos de ter dólar digital? É legalizado?
Não há nenhuma vedação legal para compra, posse ou uso de dólar digital no Brasil. “É legal comprar no Brasil e se dolarizar por meio de stablecoin. Não é crime ter dentro da sua carteira, até a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] já falou sobre a questão da regulamentação desse mercado”, esclarece Guilherme Bento, da Acqua Vero.
O especialista, no entanto, lembra que é preciso declarar a posse desses ativos para a Receita Federal.
Como declarar
Na Declaração de Imposto de Renda anual, o investidor precisa adicionar o valor em reais detido em dólares digital, no campo de “Bens e Direitos”, com o código 03, desde que o montante seja igual ou superior a R$ 5 mil. É preciso também informar o nome da stablecoin (se é USDT, USDC ou BUSD, por exemplo) e onde ela está armazenada (se em uma corretora ou carteira pessoal).
Já ao vender a stablecoin, o investidor precisa fazer a apuração de ganho de capital (GCAP) se o lucro obtido ultrapassar os R$ 35 mil em determinado mês – o prazo para declarar vai até o final do mês seguinte à liquidação. A alíquota também varia conforme o volume – até R$ 5 milhões, por exemplo, é de 15%.
Riscos
Além dos cuidados tributários, quem opta por comprar stablecoins precisa ficar atento aos riscos inerentes ao ativo – segundo especialistas, eles são proporcionais ao risco da empresa emissora, ou à moeda de lastro, que no caso é o dólar americano.
Como são emitidas por terceiros, as corretoras não se responsabilizam pela garantia de solvência desses tokens de dólar.
“Por isso, uma premissa que temos na Bitso é trabalhar exclusivamente com empresas consolidadas na indústria. Dessa forma, embora bastante remoto, poderia existir algum risco de gestão nessas empresas, mas isso acaba sendo praticamente inexistente considerando a publicação dos relatórios de auditoria e transparência de informações”, explica a Daniel Steinberg, da Bitso.
“A vantagem é que como todo o mercado acompanha esses relatórios, há uma accountability pública desses tokens, o que contribui ainda mais para sua segurança. Ainda assim, sabemos que existe um risco inerente a qualquer tipo de investimento, por isso, é extremamente importante que cada pessoa faça sua própria pesquisa”, recomenda o especialista.
Afinal, vale ou não a pena comprar?
Levando em conta os prós e contras das stablecoins de dólar, vale ou não se expor à moeda americana por meio desse tipo de ativo? Segundo Guilherme Bento, da Acqua Vero, sim, desde que o investidor tenha em mente que um criptodólar não necessariamente valerá 1 dólar, a depender de qual empresa emite.
“Por exemplo, o USDC e o Tether são comparativos ao dólar. Provavelmente um Tether será equivalente a 1 dólar. Porém, é preciso ficar ligado nas empresas, elas precisam ter a reserva necessária e precisamos entender qual o lastro que estão utilizando, que represente a quantidade dita na hora de vender”, explica.
“Já vimos casos de criptoativos que não tinham essas garantias e essas stablecoins acabaram virando pó”, alerta o especialista, em alusão à stablecoin Terra USD (UST), que não tinha reservas em dólar e evaporou em maio após entrar em crise.