Corte em breve de juro nos EUA é boa notícia e anima Bolsa; a ruim, taxa seguirá alta

Com visão de que o Fed deve começar corte de juros, analistas passam a discutir qual será sua magnitude e até que ponto Ibovespa pode avançar

Vitor Azevedo

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O Ibovespa sobe nesta sexta-feira e se encaminha para emendar uma sequência de dez altas consecutivas, com ingresso de recursos estrangeiros e investidores animados com a perspectiva cada vez maior do início do corte dos juros nos EUA, em “breve”, provavelmente já no mês de setembro.

Isso foi reforçado depois de dados mais fracos da economia dos EUA, como foi o caso na véspera da inflação ao consumidor (CPI). Assim, aumentou a crença no mercado de que o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) poderá, finalmente, iniciar seu ciclo de queda dos juros.

Mas, ao mesmo tempo, economistas vêm avisando que as taxas na maior economia do mundo não cairão “tanto assim”. Dessa forma, as bolsas, especialmente a brasileira, podem estar experimentando um movimento de antecipação deste cenário de queda dos juros.

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Neste sentido, quando efetivamente o juro for cortado nos EUA, seja em setembro ou na reunião seguinte do Fed, o espaço para mais altas ficará limitado. Ou seja, o mercado já está passando, agora, pelo momento de acumulação, segundo a teoria de Dow.

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Juros menores nos EUA, mas nem tanto

E como os juros seguirão em patamares elevados, a renda fixa americana – considerada a mais segura do mundo – seguirá atrativa, competindo com os investimentos em ativos de risco, de renda variável.

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Os últimos anos, sobretudo, após pandemia e a crise de 2008, foram marcados por taxas baixas. Mas a visão de parte do mercado é que esses números, historicamente, nunca foram assim.

“O Fed tinha subido um pouco os juros antes de 2020, da pandemia. Mas aí, na pandemia, eles voltaram a derrubar para incentivar a economia. Vale lembrar que os EUA vinham se recuperando também da crise de 2008, que atingiu muito o sistema financeiro e as famílias, principalmente na questão das hipotecas. Os juros estavam baixos para ajudar as companhias e pessoas a desalavancarem”, relembra Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset. 

Períodos de “anomalias”

Após a crise de 2008, com o mercado de crédito dos Estados Unidos abalado por tudo que aconteceu com o subprime, o governo manteve as taxas baixas e entrou com dinheiro para estimular a economia. Desde 2015, no entanto, o Fed vinha aumentando as taxas lentamente, chegando ao patamar de 2,40% antes da propagação da doença (contra 5,25% hoje em dia).

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A economia norte-americana vem, então, de dois eventos subsequentes nos quais o governo teve de estimular a economia para evitar crises maiores. E os juros baixos foram usados justamente como ferramenta para isso.

“Existe uma grande discussão agora sobre qual é a taxa de juros neutra, que é aquela taxa de juros que nem estimula nem restringe a economia”, fala Francisco Nobre, analista na XP Investimentos. “E a maior parte dos economistas analistas hoje suspeita que essa taxa de juros neutra aumentou desde a pandemia”. 

Nobre menciona que, antes da Covid-19, era estimado que a taxa neutra era superior em 0,5 ponto porcentual, ou seja, meio ponto percentual, acima da inflação. Se a inflação era de 2%, por exemplo, os juros neutros seriam de 2,5%. A XP, porém, hoje projeta que esse número seja de um ponto percentual. 

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As taxas de juros não são as únicas variáveis, contudo, que estimulam ou abaixam a inflação. Gastos fiscais maiores, por exemplo, ajudam a impulsionar o crescimento econômico e, decorrentemente, os preços, sendo que hoje os EUA têm uma política expansionista nessa frente.

Essa mesma política fiscal, além do mais, aumenta o temor do mercado com a trajetória da dívida pública norte-americana, o que também faz investidores pedirem taxas maiores para emprestar para o governo. 

Fora isso, fatos como o aumento do nível de poupança pelas pessoas (o que aconteceu durante a pandemia) e o crescimento da economia (com forte influência da I.A., por exemplo) também são mencionados por especialistas como fatores que tendem a impulsionar os preços. 

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“Após a crise de 2008, os EUA passaram por um período de desinflação. Teve a crise bancária, que impactou a demanda, junto a um movimento de globalização forte, que aumentou a oferta. Só que hoje a gente tem uma redução dessas tendências, até mesmo da globalização, visto os conflitos mundo afora”, acrescenta Nobre.

Histórico de taxas de juros nos EUA desde os anos 60. Fonte: Macrotrends

Impacto na economia — e nas Bolsas

Apesar de a perspectiva de queda dos juros nos EUA animar as bolsas, incluindo a brasileira, a discussão sobre a taxa neutra de juros nos EUA impacta diretamente nas expectativas do mercado. 

“Juros mais elevados têm efeitos cumulativos na economia. Desestimulando os investimentos, conforme menos projetos são rentáveis quando comparados aos retornos livres de risco, e o consumo, conforme empréstimos e financiamentos ficam mais custosos para o consumidor, a economia tende a desacelerar e impactar os lucros das empresas”, contextualiza Paulo Gitz, estrategista global da XP Investimentos.

Quanto mais altos os juros ficarem, mais capital ficará “retido” em papéis como os treasuries — e mais retorno os investidores pedirão para aportar, por exemplo, em ativos de risco (como ações de companhias).  

Danilo Igliori, economista chefe da Nomad, lembra que juros mais altos nos Estados Unidos reduzem nossa capacidade do Brasil de derrubar a Selic. “Precisamos manter um certo diferencial de taxas de juros para permanecer atraindo capitais estrangeiros e evitar fuga. Mas temos a oportunidade de realizar reformas no Brasil para que o diferencial não impacte tanto o fluxo de investimentos”, diz, em relação à dinâmica entre risco e retorno. 

Os especialistas da XP escreveram, em relatório, que historicamente toda vez que o Federal Reserve iniciou um ciclo de corte a Bolsa brasileira subiu um ano depois, em média, 30% em dólares e 20% em reais. 

“O Brasil tende a se beneficiar bastante com os cortes de juros. Há uma correlação bem próxima aí entre o movimento das taxas das treasuries e o fluxo do investidor estrangeiro para cá”, expõe Jennie Li, estrategista de ações da XP. 

A questão, passando a fase do “quando o Fed cortará os juros”, ficará provavelmente para o “quanto o Fed cortará os juros”.