Como o Plano Real impulsionou o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro

Hiperinflação desestimulava companhias manter caixa, impedia a realização de projeções e inibia o mercado de crédito

Vitor Azevedo

Publicidade

O Plano Real, que completa 30 anos, sempre é lembrado por brasileiros por ter acabado com o problema da hiperinflação no país — o que, claro, é algo marcante. Mas os impactos das mudanças trazidas por ele foram bem além do bolso dos consumidores, tendo permitido, em grande parte, o desenvolvimento do mercado financeiro brasileiro e das companhias.

Se viver em uma inflação de 2.500% (número registrado um ano antes do Plano Real) não era fácil para as pessoas, para as empresas, com seus balanços e operações complexas, muito menos. Principalmente porque partes das ferramentas usadas por elas hoje para se proteger de oscilações não existia (por conta da própria variação de preços).

André Massaro, analista CNPI e professor de finanças da B3, explica que antes de 1994, quase toda companhia brasileira atuava como “um banco”. Ele relembra, por exemplo, que supermercados muitas vezes lucravam deliberadamente entre o período da entrada do produto no estoque e o pagamento aos fornecedores, que acontece após um tempo (geralmente entre 30 a 60 dias). 

Continua depois da publicidade

Já outras empresas assumiam prejuízos operacionais ao vender produtos para colocar o dinheiro no overnight, que chegava a 3% ao dia.

Outra característica dos anos antes do Plano Real também é que quase ninguém dormia com caixa. O dinheiro era rapidamente reinvestido ou na produção ou em ferramentas disponibilizadas pelos bancos.

Menor produtividade e imprevisibilidade

Tudo isso, claro, tinha um custo. Manter as operações financeiras gerava improdutividade, com parte da equipe das companhias presa nas contas para fechar os balanços diários.

Continua depois da publicidade

Mas o principal problema gerado pela hiperinflação estava na imprevisibilidade. As empresas não conseguiam planejar investimentos e tinham dificuldades em desenvolver novos serviços ou produtos.

Calcular margens — e se valia à pena tirar uma ideia do papel —  era algo difícil em um período de grande oscilação da moeda. Afinal, não se sabia quanto se pagaria por um produto um mês à frente, nem por quanto seria possível vendê-lo.

“O Plano Real, e a quebra da inércia inflacionária, junto com o avanço tecnológico, permitiu que as empresas focassem mais em planejamento. Quando a nova moeda entra, temos uma dinâmica de preços mais estável, sem congelamentos, e também uma âncora cambial [com o real ficando estável frente ao dólar], que depois dá lugar à dinâmica de metas [de inflação]”, explica José Raymundo de Faria Júnior, sócio e analista da Wagner Investimentos.

Continua depois da publicidade

“Tudo isso conseguiu trazer uma previsibilidade, não só para fazer orçamentos mas também permitindo que a moeda deixasse de ser apenas um meio de troca para ser uma reserva de valor”, completa. 

Plano Real trouxe”regras” para mercado

Segundo Júnior, o Plano Real estipulou regras para que os setores produtivos e o mercado se organizassem. De um lado, empresas conseguiam fazer contas e traçar projeções. Do outro, investidores podiam avaliar se um investimento fazia ou não sentido com base nas suas próprias mensurações.

A previsibilidade também permitiu que o mercado de juros futuro passasse a avançar no Brasil. Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV, lembra que antes do Plano Real o mercado de juros futuros com prazos mais longos praticamente não existia. Quando havia contratos mais longos, eles não tinham liquidez. 

Continua depois da publicidade

“O mercado de derivativos cresceu muito após o Plano Real, em grande parte por conta dele. Derivativos de taxas de juros, hoje super comuns, não faziam sentido. O futuro de DI, por exemplo, era difícil de definir, pois não tínhamos uma curva de longo prazo. Não tinha como formar expectativas”, explica.

Um menor mercado de juros em menos investimentos. As empresas tinham dificuldade em ir ao mercado pedir empréstimos para, por exemplo, investir em expansões orgânicas ou inorgânicas.

Câmbio

“Isso também, querendo ou não, impactava o mercado de câmbio. Uma das principais formas de precificar um derivativo de câmbio é comparando a curva de juro brasileira e a americana”, contextualiza o professor.

Continua depois da publicidade

Os instrumentos de longo prazo em um mercado de capitais dependem da possibilidade de vislumbrar, ao menos minimamente, o que vai acontecer em um horizonte mais distante. Esse, claro, não era o cenário nos anos antes do Plano Real, com a inflação se arrastando por níveis elevados desde 1979, quando estoura a segunda crise internacional do petróleo. 

Rosana Passos de Pádua, Conselheira de Administração do IBEF-SP (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças) expõe que mesmo nas crises após o surgimento do Real, a previsibilidade se manteve em níveis que permitiam as empresas se prepararem para o futuro. 

“Em 99, após a crise dos Tigres Asiáticos, o Banco Central passa a deixar o câmbio flutuar. As companhias, nesse momento, passaram a desenvolver um mercado de derivativos mais forte. Até então, ninguém quase se preocupava com coberturas. Mas ai esse mercado passa a avançar de forma acentuada”, explica. 

“As tesourarias, com o passar do tempo do fim da hiperinflação, passaram a ter um olhar maior para o risco cambial. Apesar do delay, o Plano Real levou a uma sofisticação do nosso mercado”, menciona.

Esta publicação faz parte da série 30 anos do Plano Real: Passado, presente e futuro da moeda que mudou o país, especial do InfoMoney com reportagens, entrevistas, vídeos e artigos sobre a trajetória da moeda brasileira de sua criação aos dias de hoje.