Como as falas de Lula mexeram no custo da rolagem da dívida do Brasil?

Refinanciamento do Tesouro Nacional, nos leilões de junho, vieram com taxas maiores

Vitor Azevedo

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As falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltaram a agitar os mercados na véspera, quando afirmou, em trechos antecipados de sua entrevista à TV Record, que “precisa ser convencido se há ou não necessidade de cortar gastos”. Fora isso, ele aparentou relativizar o arcabouço fiscal, mencionando que “não se é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer”. 

Logo após as repercussões negativas no mercado – com bolsa caindo e dólar subindo –, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tratou de tentar acalmar os ânimos, ao afirmar que as declarações de Lula, que circularam no mercado, estavam fora de contexto. Haddad disse ainda que outros trechos da entrevista de Lula mostraram o compromisso do governo com o arcabouço fiscal, como foi reiterado após o anúncio de corte de R$ 25,9 bilhões em despesas.

Apesar da volatilidade pontual – que foi reduzida na reta final do pregão, inclusive com o dólar fechando em queda de 0,3% –, o que se viu foi uma preocupação entre investidores, em relação a novas falas polêmicas de Lula, após uma aparente “calmaria” que vinha acontecendo neste mês. Esse fator, inclusive, ajudou, segundo analistas, na alta por onze pregões consecutivos dos Ibovespa, agora em julho.

Entre as declarações do presidente, que deixaram os investidores nervosos, na reta final do semestre passado, estiveram, por exemplo, críticas à autonomia do Banco Central e relativizações ao tamanho da dívida brasileira.

Maior custo do refinanciamento da dívida com falas de Lula

Mas, como “dinheiro não aceita desaforo”, todas essas declarações tiveram um custo negativo para o país, já que Tesouro Nacional teve que pagar taxas maiores para manter atrativa a rolagem da dívida.

De acordo com um levantamento feito pelo InfoMoney, que levou em consideração as taxas média dos leilões realizados em junho, todos os títulos vieram com altas — com exceção do LFT, que pôde pagar taxas um pouco menores pelo fato de ser pós-fixado e acompanhar a Selic, que passou a ser vista em patamares mais elevados nas projeções para o médio e longo prazo. 

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As taxas de cada título, desconsiderando vencimentos

TítuloTaxa Média em Maio (em %)Taxa Média em Junho (em %)
LFT0,1380,135
LTN11.10211.513
NTN-B6.1556.310
NTN-F11.12312.083

Fora isso, o Tesouro também viu, em junho, o valor total das emissões caírem consideravelmente, com as autoridades da instituição, possivelmente, esperando melhores condições para irem ao mercado com seus títulos buscarem liquidez. Em maio, foram R$ 129,3 bilhões rolados, contra R$ 68,3 bilhões no sexto mês do ano. 

Emissões mensais de títulos (em reais)

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A alta das taxas se deu, majoritariamente, por questões internas. Junho foi marcado por uma queda dos rendimentos dos treasuries yields, o rendimento dos títulos norte-americanos, que acabam servindo de parâmetro para aquilo pago pelos títulos brasileiros. 

Como a economia dos EUA é considerada a “mais segura do mundo”, usualmente, quando as taxas sobem lá, o mercado tende a cobrar taxas mais altas também de outras nações. Quando elas caem, porém, é normal que outros governos também consigam pagar rendimentos menores — o que não foi visto no Brasil.

Motivos internos

León Santiago,  head da mesa de renda fixa da Ville Capital, explica que, mesmo falas, mexem com a expectativa do mercado em relação à relação entre risco e retorno. 

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Quando a política inicia uma conversa, dá a entender, por exemplo, uma fragilidade no arcabouço fiscal, os players começam a questionar sobre a responsabilidade fiscal e, consequentemente, colocam mais “prêmio” nos ativos pelo fator risco-país”, menciona. 

“O primeiro diagnóstico desse movimento pode ser interpretado pelas taxas dos títulos públicos: se o mercado começa a precificar um risco-país maior, as taxas do Tesouro sobem, aumentando o custo do governo para se financiar”, completa. 

Caio Schettino, head de alocações da Criteria, vai na mesma linha, lembrando que ataques a instituições, geralmente, abalam a confiança na integridade dos órgãos reguladores. “Dá a visão de que eles podem agir com base em vieses políticos ao invés de critérios técnicos. Isso abre um precedente perigoso e faz com que os investidores exijam maiores retornos para compensar o risco adicional”, diz. 

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Em junho, foi possível também avaliar que, levando em conta todos os títulos, o Governo preferiu por emitir títulos com vencimentos mais curtos, tentando evitar a parte longa da curva (que vem subindo mais). 

Duração média dos títulos emitidos por mês (Em dias)

“Os governos emitem dívidas regularmente com diferentes vencimentos. Quando a percepção de risco futuro de um país se deteriora, os investidores exigem maiores retornos. Isso faz com que a curva de juros seja ascendente, ou seja, quanto maior o prazo do título, maior o retorno exigido”, fala Schettino.