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A Via Varejo (VVAR3), dona da Casas Bahia e do Ponto Frio, começou 2019 sob pressão. Controlador da empresa à época, o grupo francês Casino não acreditava que o modelo de margens apertadas do varejo de eletrodomésticos pudesse trazer resultados e, por isso, tentava se desfazer do controle do negócio – mas sem sucesso.
Dezenas de companhias do Brasil e do mundo eram apontadas como potenciais compradoras, mas, no fim das contas, quem quis o negócio de volta foi Michael Klein, filho do fundador da Casas Bahia, Samuel Klein. Foi o ponto de partida de um plano de virada corporativa que vem impressionando analistas e investidores.
A situação da empresa, apenas 18 meses atrás, era de terra arrasada, lembra o diretor de operações, Abel Ornelas Vieira. “Não tinha crachá para fazer a identificação das pessoas que chegavam. Faltava cadeiras para os clientes serem atendidos nas lojas. Os vendedores do Ponto Frio compravam camisa vermelha para trabalhar, pois a direção não vinha repondo uniformes. Tudo estava abandonado.”
A saída do Casino se deu em um leilão de ações na Bolsa, em junho de 2019 – os papéis foram comprados pela família Klein e por fundos de investimento, em operação organizada pela XP. Era preciso mudar muita coisa – e rápido.
Com as ações em baixa, resultados negativos sucessivos e desempenho pífio do e-commerce, Michael Klein, então presidente do conselho, colocou a missão de reerguer o negócio nas mãos de um velho conhecido: o executivo Roberto Fulcherberguer, com 30 anos de experiência no varejo, que anos antes havia sido “escanteado” para o conselho pelos franceses.
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Enquanto a dona da Casas Bahia se afundava em decisões equivocadas, como a separação do e-commerce do negócio de lojas físicas, o Magazine Luiza apostava na multicanalidade e virava a “queridinha” do mercado. Já a terceira força do mercado de eletrodomésticos no País, a Máquina de Vendas, provava que tudo poderia desmoronar. Dona da Ricardo Eletro e da Insinuante, a companhia afundou e teve de ser repassada a especialistas em negócios em dificuldade. A Máquina de Vendas, hoje em recuperação judicial, fechou a maioria das lojas e demitiu milhares de funcionários.
No meio dos dois exemplos extremos, a Via Varejo conseguiu, até agora, pender para o lado mais positivo. De junho de 2019 para cá, a fatia das vendas pela internet mais que dobrou, chegando a 40% no terceiro trimestre, quando a empresa registrou receita recorde. O lucro líquido atingiu R$ 590 milhões, revertendo prejuízo de R$ 346 milhões em igual período de 2019. Os investidores reagiram às mudanças e a dona da Casas Bahia acumulava, até quinta-feira passada, alta de 60% na Bolsa paulista este ano. O resultado, porém, ainda é pálido em relação ao do papel do Magalu, que subia 104% na mesma comparação.
Ao chegar, Fulcherberguer sabia que a mudança precisaria ficar clara em semana s ou mesmo dias. O primeiro a chegar para auxiliar na nova fase foi justamente Vieira, cuja primeira missão foi buscar executivos no mercado que entendessem de varejo e estivessem dispostos a apostar na “nova” Via Varejo. Enquanto Klein e a XP organizavam a recompra do negócio, Vieira e Fulcherberguer corriam atrás de nomes na concorrência, faziam propostas e prometiam carta branca em cada área.
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Prioridades
Nomes escolhidos, o primeiro dia do novo presidente se desenrolou da seguinte forma: 15 diretores foram demitidos para abrir espaço para a nova equipe. A primeira urgência era unir o faturamento das vendas físicas e virtuais. A segunda, lembra Fulcherberguer, foi consertar o e-commerce. Apesar de representar apenas 18% do negócio, era um mar de problemas porque era operado às cegas. “Se acontecia um problema e o cliente não recebia o produto, a gente não conseguia identificar onde havia ocorrido a falha: se no centro de distribuição, no estoque ou no envio.”
Enquanto fazia reparos nas lojas físicas, encomendava crachás dos funcionários e comprava uniformes, tentando reativar o ânimo do pessoal de loja gastando pouco, o time se debruçou sobre sua primeira grande missão: garantir que a Black Friday, que havia se tornado a principal data do varejo, não repetisse o desastre do ano anterior, quando a empresa se viu afogada em um mar de reclamações. “A ordem era disciplina absoluta na execução. A gente foi priorizando o que destravava a companhia”, lembra. “E, à medida que fizemos isso, os resultados começaram a aparecer.”
Depois de resolver as principais urgências na área digital e passar pela Black Friday de 2019, a companhia iniciou o ano com ideias mais ambiciosas, com foco nas áreas de logística, marketing e finanças. Além de renovar a marca Casas Bahia – que ganhou identidade digital e discurso mais moderno, ligado à diversidade -, a empresa comprou um “Uber” de entregas (a AsapLog), o BanQi (serviço de contas digitais) e a I9XP (startup de comércio eletrônico). Neste mês, virou sócia da Distrito, um “hub” de inovação, para identificar mais rapidamente oportunidades de aquisição.
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Para o fundador da consultoria em varejo Gouvêa, Marcos Gouvêa de Souza, o grande acerto da Via Varejo foi apostar em “gente do ramo”. A maior parte do time de executivos já havia trabalhado anteriormente em conjunto em varejistas como Magazine Luiza, Pernambucanas e mesmo na época em que a Casas Bahia ainda não tinha sido vendida ao Grupo Pão de Açúcar. “Eles souberam tirar gente altamente competente de outras redes e, ao mesmo tempo, adaptar esse ímpeto varejista à realidade digital, que era o que lhes faltava.”
Não que o caminho tenha sido sem percalços. Em abril, Michael Klein deixou o conselho da empresa, sendo substituído pelo filho Raphael. Segundo a empresa, a mudança estava programada – apesar de ter ocorrido menos de um ano após a família ter reassumido a companhia -, mas fontes de mercado apontam uma disputa interna. Em meio à pandemia, a Casas Bahia estava em uma frente de renegociações agressivas de valores de aluguel. E, como os Kleins são donos de boa parte desses imóveis, isso teria incomodado o agora ex-presidente do conselho.
Corporation
Apesar da presença de Raphael no conselho, a visão dos executivos da Via Varejo é de que a empresa agora é uma “corporation” – ou seja, um negócio tocado por profissionais, com o conselho tendo função de orientação. E esse poder de decisão está descendo em cascata para os gerentes de loja. A diretora de marketing, Ilca Sierra, conta, por exemplo, que descentralizou a administração das mídias sociais da Casas Bahia. “A gente dá autonomia e verba, além de orientar. Mas a decisão sobre a comunicação nas lojas fica na ponta. Funciona melhor assim.”
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Para 2021, a ordem é continuar com o pé no acelerador. Uma das prioridades é o marketplace – Fulcherberguer admite que o Magazine Luiza está bem mais adiantado no segmento. No entanto, ainda no primeiro trimestre a companhia pretende acelerar a estratégia de oferecer os “minihubs” de distribuição aos vendedores terceirizados. Das cerca de mil lojas da Casas Bahia e do Ponto Fio, cerca de 500 estão sendo usadas para agilizar a entrega dos produtos comprados pelo e-commerce. O ano que vem deve marcar também o reposicionamento da marca Ponto Frio.
Para Gouvêa de Souza, é vital que, à medida que cresça, a companhia não perca agilidade. Até porque, ao ficar parada nos boxes na gestão do Casino, ficou atrás na corrida com o Magazine Luiza. “O Magalu saiu na frente. A diferença, agora, é que a Via Varejo tem equipe com poder de decidir para onde o negócio deve ir.”
“A gente arrumou a casa, agora é ganhar escala”
O executivo Roberto Fulcherberguer recebeu uma ligação do empresário Michael Klein no primeiro semestre de 2019. A missão era liderar o time de executivos que recuperaria a Via Varejo, dona da Casas Bahia e Ponto Frio. Nesses últimos 18 meses, ele passou 12 horas por dia, pelo menos, tentando recolocar o negócio em pé. Agora, acredita que o trabalho de arrumar a casa está perto do fim. “Está na hora de ganhar escala”, afirma o executivo, que vê a Via Varejo se firmar em espaços como o marketplace – venda de produtos de terceiros -, logística e em oferta de crédito, tanto para parceiros quanto para o consumidor.
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A Via Varejo tinha muitos problemas. Foi importante não tentar endereçá-los de uma vez?
A gente trouxe uma equipe excepcional, que conhece muito bem do negócio, e fizemos um mergulho em quais eram os problemas – e eram inúmeros, nas mais diversas áreas. Então, priorizamos aqueles que tinham o poder de destravar (o crescimento) da companhia. É preciso ter disciplina para fazer as coisas na prioridade certa, sem lugar para ego. Aqui, não existe a “minha área”. O que importa é o interesse coletivo.
Qual foi o principal desafio?
A gente até agora arrumou a casa, agora estamos prontos para ganhar escala. Praticamente, digitalizamos a companhia. Por exemplo, não existia, aqui, uma maneira de acompanhar o fluxo do pedido no e-commerce. A gente não conseguia saber em que etapa estava o pedido. Agora, temos um fluxo completo da jornada do produto até o consumidor.
A “nova” Via Varejo já foi entendida pelo mercado?
Acho que tem uma coisa que está ficando mais clara. A gente está aqui numa jornada de longo prazo, não está aqui para fazer o resultado do próximo trimestre acontecer.
O Magalu já é forte no marketplace. Como a Via Varejo vai tentar tirar essa diferença?
Vamos oferecer nosso serviço de logística para o seller (vendedor). Fizemos a compra da AsapLog e ganhamos 15 meses de desenvolvimento (em logística de proximidade). Em dois meses eles estavam plugados nos 500 minihubs instalados nas lojas, que fazem essa última milha para o produto chegar ao cliente. E quem estiver no nosso marketplace vai ter essa malha logística nas mãos.
Como fica a área financeira?
O BanQi (banco digital) traz uma sinergia sem precedentes com a Via Varejo. A Casas Bahia foi inclusiva desde sempre, ao dar crédito ao brasileiro. Agora, vamos fazer isso de maneira digital. Finalizamos a aquisição do BanQi em maio e começamos a acelerar a partir de junho. Estamos com 1 milhão de clientes – 600 mil entraram nos últimos três meses.
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