Como Ibovespa reagirá ao descasamento Fed-Copom? As questões para a Bolsa nas máximas

Em conversa com gestores, JPMorgan destacou duas análises diversas sobre possível reação à flexibilização monetária nos EUA e aperto aqui; BBI não vê mercado brasileiro muito barato

Lara Rizério

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Enquanto os números benignos da inflação ao consumidor nos Estados Unidos reforçam cada vez mais as expectativas de que o Federal Reserve começará a cortar os juros no próximo mês, ganha força por aqui cada vez mais os gestores aumentam apostas de que o Banco Central do Brasil elevará a Selic neste ano para ancorar as expectativas de inflação.

Esta visão de “descasamento” foi reforçada como uma das conclusões das conversas da estrategista de Brasil e América Latina Emy Shayo com investidores institucionais no Rio de Janeiro. Os gestores destacaram ainda que há dúvidas sobre qual seria a reação do mercado a uma alta de juros por aqui e uma queda de juros nos EUA. Isso em um momento em que o Ibovespa voltou a superar a máxima histórica intradiária nesta quinta-feira (15) ao bater os 134.523 pontos.

Em relatório, Emy ressalta que, embora a grande maioria dos investidores veja um aumento dos juros pelo BC brasileiro, mas vê de diversas formas como o mercado por aqui lidará com isso.

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“Alguns dizem que o aumento restabeleceria a política monetária como um estabilizador macroeconômico essencial (considerando a postura frouxa da política fiscal), o que levaria a rendimentos mais baixos na ponta longa da curva de juros, sendo, portanto, positivo para o mercado. Outros acham que os estrangeiros evitarão o Brasil e redirecionarão os fluxos para outros lugares, pois o país seria um dos poucos (se não o único) mercados do mundo aumentando as taxas quando todos os outros estão flexibilizando”, ressalta a estrategista.

Ela ainda destaca relatos de investidores que adicionaram risco ao seu portfólio nos últimos 1-2 meses e que esse posicionamento está no nível mais alto do ano. Com isso, o posicionamento está finalmente dando resultado. Ainda assim, os resgates continuam fortes.

Os investidores celebraram que os meses de julho e agosto trouxeram entradas estrangeiras positivas para as ações brasileiras e, na maior parte, o cenário é construtivo para uma abordagem de risco. “É interessante notar que muitos agentes do mercado já mencionam as eleições presidenciais de 2026 e os preços começando a reagir a isso daqui a um ano”, avalia.

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De olho na próxima super quarta

A estrategista do JPMorgan ressalta a crença da grande maioria dos investidores (90%) de que o BC vai aumentar as taxas de juros na próxima reunião do Copom, que acontece no mesmo dia da decisão do Fomc (18 de setembro) – o JPMorgan espera um corte de 50 pontos-base dos juros pelo Federal Reserve.

“Seria único ver o corte do Fed às 15h [horário de Brasília] e o aumento de juros pelo Copom no começo da noite. Na verdade, nos últimos 15 anos, houve apenas duas vezes em que o ciclo de taxas no Brasil e nos EUA não foi sincronizado: pós-Grande Crise Financeira, quando o Brasil estava crescendo com o estímulo chinês que levou os preços das commodities ao teto, e em 2017/18, quando o Fed começou a aumentar após quase 10 anos de taxas no zero, enquanto o Brasil finalmente pôde cortar os juros após a reorganização macro durante a administração do então presidente [Michel] Temer”, relembra a estrategista.

A lógica por trás do Copom embarcar em um “pequeno” ciclo de aumento (100 a 150 pontos-base) é de que ele precisa conter a deterioração contínua das expectativas de inflação. Também abordaria o paradoxo da última decisão de juros, em que decidiu manter as taxas, embora estivesse preocupado com o aumento das expectativas de inflação e com a queda do real.

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Emy ressalta que, nos últimos dias, o diretor do BC, Gabriel Galipolo, que também é o favorito para ocupar a presidência da autoridade monetária em 2025, adotou um tom “hawkish” (de preocupação com a inflação), afirmando que um aumento nas taxas está na mesa. Isso levou a uma redução no prêmio da taxa de juros e também a uma valorização do real.

“No entanto, a maioria dos investidores com quem conversamos acredita que o BC precisará endossar essas palavras, especialmente porque a leitura recente da inflação veio mais alta do que o esperado e a atividade econômica está mais forte do que o projetado”, avalia. Dito isso, um dos consultados pela estrategista observou que, se o real continuar a se valorizar, a previsão do BC para a inflação para o horizonte relevante (1T26) pode cair abaixo de 3%, considerando que estava em 3,2% na última decisão do Copom com o dólar a R$ 5,55.

“Claro, tudo isso pressupõe que não haverá nenhuma nova decepção no lado fiscal. Alguns acham que o fiscal por enquanto não é um problema, que o governo realmente percebeu que o custo do fiscal é uma depreciação instantânea do real, que acaba impactando todo o resto. Ainda assim, alguns temem que uma decepção nas eleições municipais possa levar a maiores gastos do governo mais tarde”, avalia.

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Cautela continua

Também em conversa com agentes de mercado, o Bradesco BBI aponta, por sua vez, que os investidores locais seguem cautelosos, enquanto as posições defensivas seguem altas. Isso, por outro lado, também acaba por fornecer algum combustível contrário ao atual ambiente de redução de risco, já que os mercados rapidamente passaram a precificar quatro cortes nas taxas de juros do Federal Reserve, impulsionando o real.

Para o BBI, o roteiro para mais altas do mercado também está focado em: 1) uma proposta de orçamento de superávit fiscal primário de 0% (zero) para 2025 (30 de agosto), 2) pelo menos um corte de taxa de juros pelo Fed de 25 pontos-base (18 de setembro), 3) pelo menos uma manutenção de juros “hawkish” do Copom enquanto o mercado precifica um aumento de 25 pontos-base (18 de setembro) e 4) um novo congelamento dos gastos orçamentários na revisão fiscal bimestral do Brasil (22 de setembro).

Após visitar mais de 30 investidores locais de 5 a 13 de agosto, os estrategistas do BBI, Ben Laidler e Thiago Pereira, destacaram as suas cinco principais conclusões:

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  1. Cautela predomina – os investidores locais estão quase uniformemente cautelosos, tornando as posições defensivas “congestionadas”. Os investidores estrangeiros estão menos negativos, mas não otimistas. Isso acaba por tornar o mercado particularmente sensível (para alta) a notícias menos ruins.
  2. Fed para o resgate – a visão local é que os cortes nas taxas pelo Fed poderiam compensar muitos dos erros da política doméstica e interromper a recente crise de confiança. “Achamos que isso é necessário, mas não suficiente, e o Brasil continua sendo uma história doméstica com um roteiro claro para a recuperação se for executado de forma consistente”, avaliam os estrategistas.
  3. É tudo sobre o câmbio – O real enfraqueceu e chegou a superar os R$ 5,70 recentemente com a política fiscal e monetária desancorada, desmonte de operações de carry trade (estratégia financeira em que os investidores tomam empréstimos em uma moeda com uma taxa de juros baixa e investem em ativos denominados em uma moeda com uma taxa de juros mais alta, lucrando com a diferença entre as taxas) e os riscos persistentes da China, para depois haver recuperação. “Vemos espaço para alta do real à medida que a crise de confiança doméstica diminui, e com o carry trade menor, mas não fora do jogo”, aponta.
  4. Os lucros são um baluarte – O consenso é que os resultados são fortes e superaram as expectativas. “Concordamos, mas as expectativas são muito altas, com um crescimento consensual ex-commodities de 20% este ano e 18% no ano que vem. Estamos começando a ver rebaixamentos domésticos e a perspectiva é vulnerável a taxas de juros mais altas por mais tempo”, avalia o BBI.
  5. O Brasil está barato – “O consenso local é que o mercado está barato, mas achamos que não está tão barato quanto parece. O [múltiplo de preço sobre lucro] P/L do México é descontado em relação aos números históricos. O Brasil está menos barato quando o alto custo do patrimônio (CoE) é levado em consideração, e as altas expectativas de lucros são vulneráveis”, apontam os estrategistas.
    O BBI aponta ter posicionamento neutro em Brasil no contexto da América Latina, com uma crise de confiança tendo um alívio gradual e rotação do mercado global oferecendo atratividade, mas equilibrado pelos altos custos se as taxas reais permanecerem altas e o Brasil não puder aproveitar a flexibilização do Fed.

Ações para monitorar

Enquanto o BBI segue neutro, o JPMorgan tem recomendação overweight (exposição acima da média do mercado) para o Brasil na América Latina. A estrategista do banco destacou ainda o posicionamento dos investidores, ressaltando que não houve conversas sobre alocação em um setor específico além de utilities (de concessões de serviços de utilidade pública, como energia e saneamento).

“Há um amplo reconhecimento de que esta é uma temporada de lucros muito boa, com poucas exceções, notavelmente Localiza RENT3. Como geralmente é o caso, utilities são a grande participação entre os cariocas (e todos os brasileiros) com a Eletrobras ELET3;ELET6 emergindo como a ação preferida. Na verdade, muitos perguntaram quando os investidores estrangeiros voltarão ao nome”, avalia. Outras empresas de serviços públicos de preferência são Copel (CPLE6) e Equatorial (EQTL3). A estrategista ainda ressalta que os resultados dos bancos foram vistos como positivos no geral, mas já existe a visão de que houve já uma reclassificação para alguns ativos com a alta recente de ações, especialmente para o Itaú (ITUB4), sem mencionar o Nubank (ROXO34).

“Saímos com a impressão de que houve uma volta para a Rede D’Or RDOR3 (alguns reclamaram do preço), mas ainda não para a Hapvida HAPV3, embora tenha havido o argumento de que a empresa já entregou três bons resultados e que o mercado vai se acostumar com essa consistência”, complementa a estrategista.

Dentro de consumo, a Smartfit (SMFT3) é uma ação elogiada e pela qual muitos têm confiança, enquanto o restante está mais “palatável” ultimamente, mas sempre com ressalva. Lojas Renner (LREN3), por exemplo, é uma ação que o mercado começa a olhar mais, mas não há entusiasmo, assim como não há ainda para as outras empresas de vestuário.

“Pela primeira vez em algum tempo, ouvimos sobre shoppings serem interessantes, o que é algo que havia evaporado da tese desde que o Banco Central interrompeu a flexibilização de juros”, diz a estrategista do JPMorgan.

Por último, mas não menos importante, as duas poderosas, Vale (VALE3) e Petrobras (PETR3;PETR4), não são um tópico de discussão.

“A Vale, em particular, parece abandonada e os investidores com quem conversamos não têm perspectiva ou desejo de possuí-la, considerando a desaceleração na China e os temores sobre o declínio do minério de ferro. Quanto à Petrobras, muitos não têm a dizer sobre ela. As petroleiras juniores são muito apreciadas, especialmente a PRIO PRIO3“, aponta a estrategista. Ainda entre as commodities, a Suzano (SUZB3) é um case pelo qual alguns investidores mostram ver como atrativo, mas também há receio sobre o preço da celulose. “Ainda assim, parece ser a melhor aposta dentro das commodities”, conclui.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.