Com juros altos, gigantes como Cosan, Simpar e Assaí pisam no freio nos investimentos

Executivos reduzem ritmo de expansão e aguardam cenário político mais favorável em 2026

Bloomberg

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Quando as taxas de juros no Brasil atingiram 12,25% em dezembro, ficou claro que nem mesmo os bilionários conseguiam fazer o mercado funcionar a seu favor.

Rubens Ometto afirmou que o último aumento nos custos de financiamento foi o motivo por trás de sua decisão de vender sua participação de R$ 9 bilhões na gigante mineradora Vale (VALE3) no mês seguinte. Ele disse que precisava reduzir a alavancagem de seu conglomerado Cosan (CSAN3) e quitar dívidas. Desde então, as taxas subiram para 13,25%.

Esse cenário — aliado às previsões de inflação mais alta, um real mais fraco e um crescimento da dívida pública — levou executivos de diversos setores a colocarem seus planos de investimento em pausa, pelo menos até, esperam, a eleição de um novo presidente em 2026.

A empresa de logística Simpar (SIMH3), conhecida por seu perfil agressivo de investimentos, planeja reduzir seu nível de capex para o menor patamar da história devido aos juros elevados, segundo uma fonte familiarizada com o assunto que não estava autorizada a falar publicamente. Uma das maiores atacadistas do país, Sendas Distribuidora (ASAI3) , anunciou que vai desacelerar a abertura de novas lojas em 2025 para reduzir o endividamento.

O CEO de uma empresa de educação disse que o melhor investimento no momento é recomprar suas próprias ações. Executivos de uma varejista e de uma empresa do setor de saúde disseram que não há apetite para fusões e aquisições. Todos falaram sob condição de anonimato, para evitar críticas públicas ao governo.

Embora seja normal que empresas aguardem o resultado de eleições para tomar grandes decisões, um período de espera de quase dois anos é incomum e reflete a falta de confiança no presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua aprovação caiu para 24% em fevereiro, o menor nível desde o início de seu atual mandato, segundo o Datafolha.

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Os economistas locais já preveem uma desaceleração do crescimento para 2% este ano, ante cerca de 3,5% em 2024. Também estimam que a inflação ficará muito acima da meta de 3% do Banco Central. O governo, no entanto, mantém otimismo, apostando na entrada de capital estrangeiro e em uma super safra agrícola que poderia sustentar a economia. Além disso, o mercado se recuperou significativamente após um colapso em dezembro.

Ainda que qualquer previsão sobre a eleição de 2026 seja “mera especulação”, partidos de esquerda estão perdendo força globalmente e a queda do poder de compra dos brasileiros pode prejudicar o partido de Lula, disse Gustavo Medeiros, chefe de pesquisa da Ashmore Group.

“Essa tendência pode continuar”, disse ele, “se o governo insistir em políticas que não levem a um ancoramento fiscal efetivo”.

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Estado do mercado

As empresas brasileiras já enfrentavam dificuldades antes do colapso do mercado no final do ano passado.

Veja o caso da Dasa (DASA3), a maior empresa de diagnóstico médico do país. Durante a pandemia, aproveitou os juros historicamente baixos para financiar fusões e aquisições. Mas, à medida que as expectativas de inflação dispararam, o Banco Central começou a elevar os custos de financiamento em setembro. Isso forçou a Dasa a consolidar obrigações, cortar investimentos e vender ativos não essenciais.

Desde 2021, não há novas ofertas públicas iniciais (IPOs) na bolsa brasileira. Em 2024, as empresas brasileiras anunciaram o maior número de programas de recompra de ações em quase duas décadas, devolvendo dinheiro aos investidores.

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As falências também atingiram um recorde histórico no ano passado, aumentando 62% em relação ao ano anterior, com 2.773 empresas buscando proteção judicial, segundo a Serasa Experian, que acompanha registros desde 1991.

De forma mais ampla, as reestruturações financeiras já estão em andamento, e a venda de unidades de negócios e ativos para desalavancagem deve crescer, disse Celso Nishihara, chefe de M&A do Banco Fator.

As coisas pioraram quando o governo Lula apresentou seu plano de gastos em novembro. Bancos como Itaú e JPMorgan estimaram que o corte de R$ 71,9 bilhões em despesas seria, na prática, bem menor do que os números oficiais sugeriam.

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O mercado de ações despencou, e o Banco Central acelerou o ciclo de aperto monetário, aumentando a taxa básica de juros em 100 pontos-base em dezembro e novamente em janeiro para conter a inflação. O real brasileiro fechou 2024 como a moeda de pior desempenho entre as principais do mundo, com uma perda superior a 20% no ano.

Segundo Nishihara, o que tudo isso significa para as empresas é um aumento no custo de capital, menor capacidade de investir em crescimento e produção e um mercado de ações menos atraente.

Até mesmo o fundador da XP Inc. (BDR: XPBR31), Guilherme Benchimol, um dos principais nomes do mercado financeiro brasileiro, vem defendendo que títulos indexados à inflação são a melhor forma de garantir ganhos reais no longo prazo.

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Ainda é cedo

Investidores já identificam o início de um “trade 2026”, segundo Lucas de Aragão, analista político da Arko Advice. Isso significa apostar em ganhos no real e no mercado de ações brasileiro — uma parcial reversão das perdas de 2024 já visível no início deste ano.

No entanto, a falta de clareza persiste, pois a oposição de Lula ainda não definiu um candidato único, disse ele. O ex-presidente Jair Bolsonaro, líder do PL, está impedido de concorrer em 2026 devido às alegações infundadas contra o sistema eleitoral em 2022.

“Ainda não vejo esse otimismo potencial como um ponto de virada”, disse de Aragão, referindo-se à esperança de alguns investidores por uma mudança política.

Aposta na super safra

O governo insiste que os próximos dois anos não serão “perdidos”.

“Não acredito em um biênio perdido”, disse Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, em entrevista.

Ela destacou o crescimento de 7% nos últimos dois anos, a democracia sólida, as instituições fortes e a reforma tributária pró-investidor. “Sem falar que está barato investir no Brasil por causa do câmbio”, acrescentou.

A ministra também mencionou a meta de déficit zero e disse que o governo aguardará o próximo relatório fiscal bimestral em março para avaliar se medidas adicionais serão necessárias.

Além disso, uma super safra agrícola neste ano anima o governo. Segundo a Conab, a produção de grãos deve atingir 325,7 milhões de toneladas, 9,4% acima do ciclo anterior, estabelecendo um novo recorde.

Longo prazo

Para Adriana Dupita, economista-chefe adjunta de mercados emergentes da Bloomberg Economics, qualquer impulso vindo da safra ou de investimentos passados não compensará a forte desaceleração da economia nos próximos dois anos.

“O crescimento mais lento não é um erro, mas sim uma característica da tentativa de conter a inflação”, disse ela.

Segundo Dupita, a desaceleração deve ser temporária, desde que o governo resista à tentação de estimular a economia com gastos públicos ou empresas estatais.

Mas alguns investidores não demonstram mais confiança nas ações do governo Lula.

“Se uma mudança de governo se tornar mais clara, o mercado reagirá positivamente e os prêmios cairão”, disse Carlos Viana, ex-diretor do Banco Central e chefe de pesquisa econômica do Kapitalo Investimentos, em um evento recente.

“Por outro lado, se a reeleição se tornar mais provável”, ele alertou, “o cenário vai piorar muito”.

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