Ciro Gomes responde Maílson da Nobrega: “é uma audácia falar em déficit na Previdência”

Em resposta às críticas recebidas, Ciro disse que é um erro falar em déficit nas contas previdenciárias; "Qualquer pessoa que tenha um mínimo de decência e não esteja a serviço da manipulação de informações vê isso. É só fazer a conta", disse ao InfoMoney

Paula Barra

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SÃO PAULO – As polêmicas sobre as mudanças nas regras da Previdência Social foram assunto de mais uma divergência acalorada entre nomes conhecidos da política. Em entrevista exclusiva ao InfoMoney publicada na última terça-feira, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nobrega (veja aqui) considerou “irresponsável” um vídeo no qual o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes (PDT) afirma não existir déficit nas contas previdenciárias.

Poucos minutos após a publicação da entrevista, a assessoria de imprensa de Ciro entrou em contato com o InfoMoney para responder aos comentários de Maílson. Em entrevista por telefone na última terça-feira, Ciro explicou por que acredita ser uma “audácia” falar em déficit na Previdência. Diz ele que o governo considera apenas a contribuição dos trabalhadores e empresas para calcular o resultado da Seguridade Social, sem levar em conta a parcela proveniente de contribuições sociais, como CSLL (Contribuição Sobre o Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e PIS/Pasep. “É só fazer uma conta simples: a soma dessas receitas menos as despesas do presente exercício mostra que a Previdência ainda tem um pequeno superávit”, alegou.

O ex-ministro diz não ser contra uma reforma previdenciária, apenas não apoia mudanças nos moldes propostos pelo atual governo. “É necessário compreender as diferenças do País. Considero uma aberração estabelecer uma idade mínima igual para um trabalhador engravatado, como eu, e um professor, que, no modo como Temer vê as coisas, precisaria trabalhar ao menos 49 anos para ter aposentadoria integral”, disse.

A resposta de Ciro gerou uma entrevista por telefone com duração de 52 minutos ao InfoMoney, que será publicada na íntegra na próxima quinta-feira (5). Abaixo, é possível conferir o trecho da conversa que aborda o assunto Previdência. Confira:

InfoMoney: O senhor defende que não há rombo na Previdência. As estimativas de que o déficit do INSS vai chegar a R$ 181,2 bilhões em 2017 estão erradas? O que explica esse número?

Ciro Gomes: Todas as vezes em que se reflete sobre um problema complexo no Brasil, os oportunistas a serviço dos interesses prevalecentes no País acabam reduzindo opiniões que deveriam ser complexas. A grande questão básica hoje é que, se você tem as receitas destinadas pela lei versus as despesas para a Previdência, não há déficit. Se somar CSLL, PIS, Cofins, as contribuições patronais do setor privado e público e as contribuições dos trabalhadores menos as despesas do presente exercício, temos ainda um pequeno superávit. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de decência e não esteja a serviço da manipulação de informações vê isso. É só fazer a conta. 

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IM: Mas o senhor acredita que seja necessária uma reforma? Se sim, qual seria a reforma “ideal”, na sua visão? 

CG: Eu defendo a necessidade de uma reforma previdenciária, inclusive já detalhei propostas sobre isso no livro “O Próximo Passo: Uma Alternativa Prática ao Neoliberalismo”, escrito em 1995. O problema da Previdência hoje deriva, em grande parte, da demografia e do fato que as maiores pensões levam mais da metade das despesas, como de políticos e procuradores precocemente aposentados. É só lembrar que, quando o sistema foi criado, tínhamos seis pessoas ocupadas para um aposentado, com expectativa de vida de 60 anos. Hoje, temos 1,7 trabalhador ocupado para cada aposentado, com expectativa de vida superior a 73 anos. Então, evidentemente, para resolver a equação precisamos avançar com grande prioridade na reforma da Previdência, mas nunca em direção ao que está sendo proposto.

Acredito que temos que evoluir do regime de repartição [em que as contribuições dos trabalhadores em atividade pagam os benefícios dos aposentados] para o de capitalização [em que cada trabalhador poupa para sua aposentadoria]. Todos os países do mundo moderno utilizam esse regime. A parte mais complexa disso é a transição de um sistema para outro, mas há como fazer isso.

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IM: Mas o senhor é a favor de uma idade mínima na Previdência?

CG: Sou a favor, desde que se compreenda as diferenças do país. Por exemplo, considero uma aberração estabelecer uma idade mínima igual para um trabalhador engravatado, como eu, e um professor, que, no modo como Temer vê as coisas, precisaria trabalhar ao menos 49 anos para ter aposentadoria integral. A expectativa de vida no semiárido do Nordeste, por exemplo, não chega a 62 anos. Um carvoeiro do interior do Pará também não. É preciso evoluir para um padrão que conheça o País. Há de se estabelecer uma idade mínima, mas não pode ser por um modo autoritário e elitista, ditado pelos setores privilegiados da sociedade.

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A TESE DO SUPERÁVIT
A argumentação de Ciro Gomes dialoga com documentos apresentados por grupos como a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita), que questionam a existência de um déficit na Previdência. Na exposição deles, os governos desconsideram renúncias fiscais nas fontes de receita da Seguridade Social, assim como as próprias transferências de recursos de políticas sociais para a implementação de medidas de política econômica. É o caso do mecanismo da DRU (Desvinculação de Receitas da União), adotada pelos gestões FHC, Lula e Dilma.

“A construção de um conceito deficitário para a Seguridade Social cumpre o papel de motivar questionamentos sobre o crescimento dos gastos sociais e sua inviabilidade frente à economia e ao conjunto das receitas públicas. Se, por outro lado, a sociedade tivesse consciência do superavit da Seguridade Social, estaria em uma luta permanente por mais recursos para a Saúde ou ampliação dos direitos sociais. Em relação à previdência, ao invés de cortes em benefícios, ganhariam força os embates pela universalização da cobertura ou por maiores reajustes para os aposentados e pensionistas”, defendeu a associação de auditores em relatório referente às contas da Seguridade em 2015.

Eles alegam que a leitura de que hoje existe um déficit na Previdência distorce o que determinaram os constituintes da Carta de 1988, quando foi estabelecido um sistema de financiamento tripartite (art. 195), no qual contribuem empregados, empregadores e o próprio Estado. Pela Constituição Federal, a Seguridade Social — na qual estão inseridos, além da Previdência, a oferta de serviços universais como o SUS (Sistema Único de Saúde) e o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) — conta com recursos da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas), do Cofins (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social) sobre o faturamento das empresas e da contribuição para PIS/Pasep (Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público).

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Com tal base de cálculo, a Anfip defende que “mesmo com renúncias fiscais, queda na economia e no emprego, o resultado foi superavitário em 2015, assim como nos anos anteriores”. “Para amparar o discurso do deficit, o governo desconsidera dezenas de bilhões de reais das receitas de contribuições sociais e ainda acresce outros bilhões de reais em despesas que não poderiam entrar nessas contas”, escreveram os auditores. Seria o caso da DRU, que conforme eles lembram subtraiu R$ 63 bilhões na conta da Seguridade Social em 2015, e da desconsideração de recursos resultantes de aplicação financeira de autarquias, fundações e fundos. Um vídeo produzido pela mesma Anfip explicando o raciocínio foi amplamente compartilhado nas redes sociais e exigiu que o governo convocasse uma coletiva de imprensa, em dezembro, para rebater as alegações.

Na ocasião, ele divulgou um balanço que mostrava um déficit de R$ 243 bilhões na Seguridade Social em 12 meses até outubro, sendo R$ 135,7 bilhões na Previdência. O titular da pasta argumenta que o crescimento do gasto previdenciário é um dos principais motivos do aumento do déficit da seguridade social que, entre 2002 e 2016, passou de 1,5% a 3,9% do Produto Interno Bruto. Oliveira nega que a retirada de desonerações concedidas pelo governo resolveria o problema do déficit. Segundo ele, as desonerações às empresas na área previdenciária não são computadas para o saldo negativo, pois são compensadas pelo Tesouro Nacional. O ministro alegou ainda que outras desonerações – das exportações, a entidades filantrópicas e ao microempreendedor – “são justificáveis do ponto de vista do mérito social”.