China: quais os segredos do maior milagre econômico da história mundial

Gradualismo na adoção de políticas de incentivo à economia impulsionaram crescimento; desafios para o futuro são muitos

Equipe InfoMoney

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SÃO PAULO – Por trinta anos, após a Revolução Comunista de 1949, a China seguiu uma política baseada na alocação centralizada dos recursos através do planejamento governamental. Burocratas reunidos em algum escritório dentro do governo chinês decidiam qual seria a quantidade consumida de um determinado produto em cada vilarejo ou cidade chinesa.

Contudo, no final dos anos 70 os dirigentes do país reconheceram este sistema como insustentável, dado seu alto grau de ineficiência, corrupção e desperdício. A China, o país mais populoso do mundo, preparava-se para iniciar uma das maiores transformações econômicas que a história já assistiu, o maior passo de sua história.

Reformas foram graduais e lentas, sem alterações políticas

A despeito das gigantescas transformações no campo econômico, o sistema político chinês atravessou a segunda metade do século XX sem grandes alterações, marcado pela grande estabilidade do regime. Para muitos analistas, este é um dos principais fatores do desempenho espetacular da economia chinesa: a capacidade de fazer reformas econômicas sem a necessidade da busca do consenso democrático.

Desta forma, sem a presença das urnas e com o uso intensivo da força, o governo chinês implementou um engenhoso sistema de reformas, cuja maior característica foi a ausência de uma cartilha a ser seguida, como por exemplo, o Consenso de Washington.

Mudanças são experimentadas antes da adoção definitiva

O procedimento reformista, adotado pelo governo chinês, tem sido caracterizado pelo forte gradualismo. Primeiro, as reformas são geralmente implantadas provisoriamente em alguma região do país, antes de serem estendidas para o restante da China. Esta etapa piloto permite minimizar o ônus das transformações através do aprimoramento das medidas aplicadas em face da experiência até então acumulada.

Além disto, uma outra vantagem da implementação lenta é a possibilidade de criar as instituições necessárias, sejam elas de cunho jurídico ou econômico, em tempo adequado para a implementação das reformas. Um exemplo desta política foi a criação das Zonas Econômicas Especiais, em meados da década de 80, como preparação para os vastos investimentos internacionais que o país iria receber.

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Estatais ainda são muito poderosas na China

Apesar das inúmeras reformas pró-mercado adotadas na China, o governo de Beijing ainda preservou o predomínio de empresas estatais na economia, a despeito do rápido crescimento do setor não-estatal, ligado principalmente ao capital estrangeiro. Um dos principais motivos para isto é de origem política, dada a grande capacidade empregadora das estatais.

Desta forma, apesar das reformas terem praticamente reinventado a China, em comparação à situação de 1949, não há sinais de planos de privatização das médias e grandes estatais, ao menos no curto prazo, empresas estas mantidas muitas vezes em situação de grande ineficiência e corrupção.

China terá dificuldades para maior salto tecnológico

Apesar dos grandes avanços chineses, especialmente no campo militar, a transição da economia chinesa de um domínio de tecnologias intermediárias para setores de alta tecnologia apresenta obstáculos de grande vulto. O principal problema a ser enfrentado pelos chineses é a incompatibilidade entre o regime político de Beijing e uma economia desenvolvida.

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A existência de setores competitivos em segmentos de alta tecnologia, uma característica de economias desenvolvidas, requer a existência de uma sociedade de informação, ou seja, onde haja liberdade e respeito a livre iniciativa. Restrições à liberdade individual, principalmente no que tange o acesso à informação são obstáculos muito graves para o país.

Questão da livre iniciativa é desafio no horizonte chinês

Além disto, há um grande consenso entre os economistas de que a existência da propriedade privada no campo das idéias foi um dos maiores responsáveis pelo salto tecnológico do século XX. A possibilidade de auferir ganhos devido a uma descoberta científica levou inúmeros indivíduos a buscarem voluntariamente o desenvolvimento tecnológico, sem a interferência do governo.

Desta forma, a inexistência destes mecanismos bem desenvolvidos na China, fato que se aplica também ao Brasil, provoca uma grande dependência do Estado para o fomento do progresso científico. Conseqüentemente, mesmo em setores, como o militar, no caso chinês, onde há grande avanço tecnológico, há grandes dificuldades de se estender o uso destas novas tecnologias para o resto da economia.

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Novas reformas são necessárias para manter crescimento

Apesar do déficit fiscal de 3% do PIB, não muito preocupante dada os patamares comportados da relação dívida PIB, em torno de 26%, a manutenção do acelerado ritmo de crescimento chinês torna necessário o aprofundamento das reformas econômicas, especialmente quanto à esfera pública.

A inevitável reforma do sistema de estatais do país, no intuito de obter maiores ganhos de competitividade, deverá produzir uma grande aumento no número de desempregados no país. Com isto, o governo chinês deve esperar para o futuro despesas crescentes com educação, saúde e com o próprio sistema previdenciário.

De modo geral, estes gastos deverão ser impulsionados em decorrência das pressões por parte do grande número de trabalhadores deslocados dos setores agrícolas para outras partes da economia, em decorrência direta do desenvolvimento geograficamente desigual do país, além, é claro, dos cortes de postos de trabalho em virtude da futura reforma das empresas estatais.

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Além disto, outra reforma importante do ponto de vista econômico é a do sistema financeiro chinês, composto basicamente por bancos estatais, que são a fonte primordial de financiamento, uma vez que o desenvolvimento do mercado de capitais no China é ainda incipiente. Estas reformas são necessárias para tornar o sistema bancário mais eficiente, melhorando a qualidade de suas carteiras de crédito, além de torna-lo mais competitivo, já visando a competição com instituições internacionais.

Perspectivas de médio e curto prazo são muitas boas

De modo geral, a economia chinesa possui uma boa perspectiva de crescimento sustentado para os próximos anos, impulsionada principalmente pelo robusto fluxo de investimento estrangeiro no país, aliado a altas taxas de poupança doméstica bem como uma mão de obra barata em abundância.

As experiências japonesa e sul-coreana são evidências históricas em favor da manutenção dos expressivos resultados comerciais chineses. A forte inserção comercial do complexo produtivo que se arranjou no Sudeste Asiático na economia mundial, encabeçado pela própria China, não dá sinais de ser um fenômeno passageiro. Desta forma, dada a força do regime de Beijing, as reformas econômicas de médio e curto prazo devem se realizar, garantindo um horizonte tranqüilo para o médio e curto prazo.

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Desta forma, apenas no longo prazo surgem os obstáculos de maior dimensão para a China. Alcançar o posto de economia avançada exigirá do governo chinês mais do que reformas de cunho econômico, mas também mudanças profundas de âmbito político, buscando com isto dar as condições para que o gigante asiático galgue à condição de pleno desenvolvimento. Este seria o salto final da China em direção ao futuro.

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