Caso da Americanas (AMER3) pode azedar a relação dos bancos com outras varejistas? Veja o que dizem os especialistas

Bancos devem aumentar provisões após rombo contábil da varejista e concessão de crédito tende a ficar mais rigorosa

Mitchel Diniz

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O recente pedido de recuperação judicial (RJ) da Americanas (AMER3) desgastou ainda mais a relação da varejista com os bancos credores. BTG Pactual (BPAC11), Safra e Santander (SANB11) entraram com ações para tentar anular a RJ, aceita no último dia 19 de janeiro pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, com o pedido do Safra sendo negado pela Justiça.

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Ainda que não tenha acionado a Justiça com o mesmo intuito, o Bradesco (BBDC4) não deixou de se posicionar. O banco, que a princípio reteve mais de R$ 450 milhões do caixa da companhia, divulgou uma nota afirmando que a Americanas cria narrativas para atribuir aos bancos suas “práticas contábeis irregulares”.

O Itaú (ITUB4) também se pronunciou. “É leviana a tentativa de atribuir aos bancos qualquer responsabilidade sobre as práticas contábeis irregulares da empresa”, afirmou a instituição financeira em comunicado.

As declarações dos dois dos maiores bancos do país aconteceram após os acionistas de referência da Americanas –Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira– terem negado, em nota, que soubessem de qualquer manobra contábil na Americanas. “Nem essas instituições financeiras nem a PwC [auditora independente na Americanas] jamais denunciaram qualquer irregularidade”, escreveram os sócios.

A lista de credores, divulgada na noite de terça, trouxe ainda mais à tona os possíveis impactos da recuperação judicial da Americanas nos bancos.

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A pergunta que fica é se o caso Americanas também poderia azedar a relação dos bancos com outras varejistas. O Credit Suisse, em relatório, afirma não ver um risco sistêmico. Mas acredita que as instituições financeiras devem fazer provisões maiores de empréstimos diretamente expostos a Americanas e sua cadeia de fornecedores, terminando assim uma “fase de lua de mel” com o segmento corporativo.

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Em uma rede social, Carlito Dayan, presidente do Daycoval, disse que o banco foi vítima de uma fraude com um “valor importante”.

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“Este caso específico, pelo seu tamanho, já foi provisionado em mais de 50% no balanço do ano passado. E mesmo assim o Daycoval vai mostrar um resultado recorde e uma rentabilidade acima de 25%”, escreveu Dayan.

Ele também afirmou que é inadimplência é “do jogo”. “Bancos que fazem crédito vivem de crédito, estamos no jogo e esses percalços acontecem sempre”.

Carlos Rodrigo Lima, analista e co-fundador da Athena Capital, diz não ver uma mudança relevante na relação dos bancos com as varejistas, por conta do caso Americanas. Ele cita outros casos de empresas que entraram em recuperação judicial, como a Odebrecht (atual Novonor) e Oi (OIBR3;OIBR4).

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“A relação do banco com empresas de telecomunicações mudou por causa da Oi? Acho que não. Mudou com as construtoras por causa da Odebrecht? Também acredito que não”, afirma Lima. “É um caso muito específico para gerar efeito cascata no setor”.

O analista diz ainda que a postura de ser “muito agressiva” com fornecedores, em termos de prazos mais longos de pagamento – o que gerou a inconsistência de R$ 20 bilhões na contabilidade da varejista – é uma característica pontual da Americanas. “A gente vê uma relação muito mais saudável das varejistas com os fornecedores e achamos pouco provável ter outros casos”.

Para Lima, contudo, o caso Americanas deve encarecer a concessão de crédito pelos bancos, porque o financiamento via mercado de capitais com fundos que compram debêntures e títulos privados também vai ficar mais caro.

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“Se a demanda do mercado de capitais piora, o banco vai ter que absorver mais dívida do balanço das varejistas e vai cobrar mais caro por isso”.

“O caso Americanas afetou a confiança dos investidores com o setor e a disponibilidade de crédito deverá ser monitorada no curto prazo. O evento pode ter trazido algum desconforto ao mercado, elevar esse custo de captação, mas não vejo se sustentar a longo prazo”, afirmou a diretora sênior da Fitch Ratings, Fernanda Rezende.

Revisão do risco sacado

Daniel Lemos, CEO da Riza Asset, é um pouco mais pessimista e acredita que varejistas e seus fornecedores (principalmente a indústria) vão ter, sim, mais dificuldades para se financiar com os bancos. Isso porque, segundo ele, as instituições financeiras tendem a fazer uma grande revisão de suas carteiras e reduzir as operações de risco sacado – em que o banco paga diretamente ao fornecedor  e assume o risco de crédito da varejista.

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“Os bancos vão frear e revisar essa carteira, ficar mais seletos, ou até mais restritivos em volume total [de empréstimos] e taxas”, prevê Lemos. “A cadeia toda vai ficar sob stress por algum tempo”.

Na visão do executivo, a tendência é que os bancos adotem, desde já, uma postura mais conservadora em relação a sua carteira como um todo – um efeito que poderá durar de três a seis meses.

“Vai depender de como a mentalidade dos bancos vai se recompor em relação a esse risco, principalmente porque, com os juros mais altos, as empresas tem mais dificuldade de pagamento de suas dívidas, as rolagens ficam mais caras, mais curtas e mais difíceis de pagar”, afirma Lemos.

O CEO da Riza também explica que as operações de risco sacado costumam ser feitas em um sistema sem cruzamento de dados, o que deve ganhar mais rigor daqui para frente.

“Os bancos tendem a cruzar mais dados, de nota fiscal com CNPJ, tudo colocado em uma registradora. Vai haver uma readaptação desse processo, que tende a ficar mais lento. Por outro lado, com mais formalização, vai haver mais simetria de informação e visualização dos recebíveis. A indústria de risco sacado vai sofrer bastante”.

Sem citar nomes, Lemos demonstra preocupação com empresas do varejo eletrônico, que estão mais alavancadas e tendem a sofrer mais com restrição de crédito. “Eu acredito que, nos próximos seis meses, haverá mais uma RJ de empresa listada grande”.

Impacto nos bancos públicos

Uma fonte do mercado ouvida pelo InfoMoney, e que prefere não ser identificada, acredita que os bancos públicos poderão ser usados como instrumento para tapar o buraco no sistema financeiro privado.

“Soma-se a isso o fato das fintechs estarem sofrendo muito. Diversas não estão ficando de pé. É um vazio de crédito que precisa ser preenchido por alguém, ou a retração econômica vai ser muito forte”, disse.

Ainda segundo a fonte, caso isso se concretize de fato, são grandes as chances de uma reprise do que aconteceu no governo de Dilma Rousseff, em que Banco do Brasil (BBAS3), Caixa e BNDES foram utilizados para estimular a economia, mantendo o fluxo de financiamento das empresas.

“Se os bancos públicos começarem a dar crédito subsidiado, com taxas reduzidas, poderemos ver o Banco Central bem incomodado com isso, podendo voltar a subir juros”, conclui a fonte.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados