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As notícias sobre o boicote ao Carrefour Brasil (CRFB3) ganharam forças nos últimos dias, com analistas atentos aos possíveis desdobramentos sobre os números da varejista de alimentos.
A visão é de ruído e volatilidade para os ativos, com as ações caindo até 5,42%, a R$ 6,28, nas primeiras negociações desta segunda-feira (25). Os papéis chegaram a amenizar as perdas ao longo da sessão e durante a tarde oscilavam entre leves perdas e ganhos; já no fim do pregão, os ativos passaram a ter ganhos mais fortes, com CRFB3 chegando a saltar até 5,12%, a R$ 6,98. Contudo, no leilão de fechamento, a ação também amenizou os ganhos e fechou em alta de 1,05%, a R$ 6,71. E a expectativa é de que a volatilidade perdure por mais pregões.
Durante o fim de semana, diversos veículos de imprensa noticiaram que os principais produtores de carne bovina do Brasil, incluindo JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e MasterBoi, pararam de fornecer carne bovina para todas as lojas do Carrefour Brasil. O boicote é uma resposta à declaração do CEO global do Carrefour na França para interromper as compras de carne da região do Mercosul, que supostamente não estavam aderindo aos padrões franceses.
O boicote dos produtores brasileiros começou na última sexta-feira (22), com estimativas indicando que mais de 100 lojas Carrefour, Atacadão e Sam’s Club no Brasil foram impactadas, o que sugere escassez de carne bovina em breve em algum momento. Os produtores brasileiros de carne bovina estão aguardando uma retratação do Grupo Carrefour para possivelmente suspender o boicote.
A declaração do CEO global do Carrefour tem como pano de fundo o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia assinado em 2019 e previsto para ser implementado em 6 de dezembro de 2024, na próxima reunião do Mercosul. Este acordo gerou protestos em países da UE. Na semana passada, a situação se agravou na França, com fazendeiros franceses protestando, bloqueando estradas e queimando equipamentos públicos para pressionar o governo contra o acordo Mercosul-UE.
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No final de outubro, o CFO da Danone disse à Reuters que havia parado de comprar soja do Brasil, mas depois a empresa publicou uma nota negando a declaração. Outro varejista francês, a Les Mousquetaire, dona das redes Intermarché e Netto, também disse que não venderia carne do Mercosul, apoiando fazendeiros franceses locais.
Para o Bradesco BBI, a notícia é negativa para CRFB3. “Estimamos que a carne bovina seja responsável por cerca de entre 4% e 5% das vendas totais do Carrefour, correspondente a um Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações] de um dígito baixo e, especialmente, é uma categoria importante para direcionar o tráfego para varejistas de alimentos”, avalia o banco.
Nesta fase, aponta o BBI, ainda é muito cedo para avaliar o impacto total do boicote, pois os níveis reais de falta de estoque nas lojas Carrefour e a velocidade com que eles podem aumentar permanecem incertos. No momento, o banco tem recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra), com preço-alvo de R$ 10, ou potencial de alta de 51% frente o último fechamento.
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O JPMorgan reforça que a JBS teria aderido à interrupção e, neste contexto, a Friboi (marca da companhia) é a maior marca de carne bovina do Brasil e ancora os serviços de açougue das lojas Atacadão, ao mesmo tempo em que tem geladeiras dedicadas na maioria dos formatos. Cerca de 30% a 40% das lojas do Carrefour estariam mostrando sinais de escassez de carne bovina, em meio ao ainda ruído limitado em produtos de frango ou carne suína. Já o Carrefour Brasil negou qualquer escassez em suas lojas.
Para o JPMorgan, a volatilidade das ações deve aumentar em meio ao fluxo de notícias. Olhando para as principais lojas de cash&carry, ou atacarejo (correspondente a 70% das vendas), o banco estima que as proteínas (como um todo, não apenas a carne bovina, que parece ser a categoria mais afetada) representam cerca de 25% das vendas totais, sendo a segunda macrocategoria mais relevante atrás de alimentos secos (cerca de 40%).
“No entanto, sinalizamos que o Carrefour ainda está aumentando os serviços de açougue em suas lojas de cash&carry (com 151 de 374 locais), enquanto a maior parte dos volumes de proteína vendidos são congelados ou secos. Enquanto isso, os serviços de açougue normalmente operam com 5 a 7 dias de estoque”, aponta o JPMorgan.
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Assim, limitam os impactos materiais de curto prazo se uma solução for encontrada em breve – que a princípio seriam desculpas formais do presidente-executivo global da gigante francesa, Alexandre Bompard, em nome do Grupo Carrefour.
Ainda assim, como o nível de ruído permanece elevado, isso coloca em risco a campanha promocional da Black Friday e a esperada aceleração das vendas nas mesmas lojas (SSS) em meio ao aumento da inflação de alimentos no 4T24 (quarto trimestre de 2024). O JPMorgan tem recomendação neutra para os ativos CRFB3.
Já a Genial Investimentos ressalta que a retaliação dos frigoríficos, apoiada pelo governo brasileiro, reflete poder de barganha em um período sazonal favorável, com baixa dependência da França (cerca de 1% das exportações). Para os analistas, embora represente um risco de desabastecimento e rupturas no Carrefour, o impacto no fluxo de caixa dos frigoríficos deve ser limitado, enquanto a medida reforça sua posição perante outros clientes e parceiros comerciais.
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O Goldman Sachs, por sua vez, destaca que a possível indisponibilidade de produtos de carne pode reduzir o tráfego de clientes como um todo, resultando em uma queda significativa nas vendas de outras categorias.
O banco americano manteve recomendação de compra e preço-alvo de R$ 12,50.
A XP, embora estime que a carne bovina represente cerca de 5% das vendas do Carrefour, acredita que o impacto potencial nas vendas do quarto trimestre pode ser maior se uma falta de estoque mais persistente se materializar, uma vez que vê a carne bovina como um importante impulsionador de tráfego nas lojas, já que as proteínas são amplamente consumidas nas cestas dos consumidores (uma em cada quatro cestas contém carne, de acordo com fontes).
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“Se não for revertido, vemos isso como um obstáculo para a dinâmica de vendas mesmas lojas (SSS) do CRFB3, especialmente em um ambiente de inflação alimentar acelerada, principalmente impulsionada pelas proteínas, enquanto isso pode ser um fator positivo para os concorrentes, principalmente Assaí (ASAI3)”, aponta.
Efeito nos frigoríficos
Luccas Saqueto, economista da GO associados, aponta que, se o boicote do Carrefour na França permanecer restrito à proteína animal, o impacto será mais significativo para o próprio Carrefour do que para as empresas brasileiras do setor. Isso se deve ao fato de que o Brasil é o maior mercado da rede de supermercados fora da França, enquanto o mercado de exportação de proteína animal brasileiro possui destinos mais relevantes, do ponto de vista econômico, do que a França.
No mercado interno, algumas empresas do setor de proteína animal têm sinalizado movimentos de reciprocidade, optando por não fornecer produtos ao Carrefour no Brasil. Nesse caso, o impacto poderia ser mais perceptível, dada a relevância da rede no mercado brasileiro. No entanto, é provável que outras empresas do mesmo segmento supram essa demanda rapidamente, minimizando possíveis prejuízos.
Embora o impacto direto nas empresas brasileiras seja limitado, o anúncio de um boicote por uma grande rede como o Carrefour poderia gerar, no curto prazo, uma reação negativa no mercado financeiro, avalia o analista. Saqueto ressalta que a as ações de empresas de proteína animal listadas na B3, como JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3), poderiam sofrer desvalorização devido à percepção de risco ou à especulação de investidores sobre possíveis desdobramentos desse movimento. Essa reação, no entanto, tende a ser passageira, uma vez que os fundamentos econômicos dessas empresas, como a diversificação de mercados e o volume de exportações para destinos mais relevantes, permanecem sólidos.
Além disso, o impacto na bolsa pode ser atenuado pela transparência das informações. Dados que mostram a baixa relevância da França no mercado de proteína animal brasileira e a capacidade de adaptação das empresas locais podem restabelecer a confiança dos investidores. A resposta rápida e articulada por parte das empresas e do setor pode ser crucial para evitar perdas significativas no valor de mercado.
“Portanto, enquanto o boicote pode gerar volatilidade pontual no mercado acionário brasileiro, não se espera que ele cause impactos estruturais de longo prazo. O agronegócio brasileiro continua robusto, com forte presença em mercados estratégicos como China, Estados Unidos e Oriente Médio, o que mantém a atratividade das empresas do setor para investidores”, avalia.