Dólar a R$ 4,00 já é realidade, mas não deve subir além disso facilmente, dizem analistas

No atual cenário de incertezas, os investidores atuam no câmbio para fazer hedge, pois o cenário ficou mais complicado para a economia de R$ 1 trilhão que Guedes prometeu

Ricardo Bomfim

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SÃO PAULO – Mesmo com a aprovação da Reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o dólar não parou de subir e chegou a beliscar os R$ 4,00 nesta quarta-feira (24). Preocupados com a alta aparentemente interminável da moeda norte-americana, investidores já começam a se perguntar: até onde vai o dólar?

Na opinião do operador de multimercados da Quantitas Gestão de Recursos, Lucas Monteiro, pesam no câmbio preocupações com as próximas fases da tramitação da Reforma da Previdência no Congresso, a alta global do dólar frente as moedas de emergentes e a crise da Argentina. 

Contudo, Monteiro não acredita que a divisa dos Estados Unidos passe facilmente do patamar dos R$ 4,00. “Olhando a conjuntura, é preciso entender que da última vez que chegamos nos R$ 4,00 foi quando o ambiente político e econômico estava bem pior que hoje”, conta. “Tem que acontecer algo muito ruim para que esse nível seja rompido.”

Essa opinião é compartilhada pelo operador da Fair Corretora, Hideaki Iha, que projeta uma estabilização do câmbio no nível atual. “O dólar não vai subir para sempre e deve estacionar no patamar atual, sem cair abaixo de R$ 3,90 ou subir acima de R$ 4,00 a menos que haja notícias muito relevantes para Previdência”, defende.

Para ele, com uma sinalização de que a economia será abaixo dos R$ 500 bilhões, o dólar passará dos R$ 4,00, mas se ocorrer o contrário e a Previdência economizar perto dos R$ 1,16 trilhão prometidos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o câmbio voltará a ficar bem abaixo dos R$ 3,90.

Previdência

De acordo com Iha, não é nada animador para o mercado ver como a Reforma mal começou a tramitar e já “empacou” diante do primeiro obstáculo. “Ontem, a aprovação saiu porque assim fizeram acontecer o [presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo] Maia e o Centrão. Não foi uma vitória do governo”, avalia. 

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O gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, lembra que o governo cedeu em vários pontos em uma fase da tramitação em que o mérito da reforma nem deveria ter sido discutido. “A CCJ só precisa dizer se uma proposta é constitucional ou não. Não era para ter tido toda a discussão que teve. Então o investidor fica no mínimo apreensivo com os próximos passos”, comenta. 

A próxima etapa da tramitação da Previdência começará quando for instalada a Comissão Especial. Nessa fase sim será discutido o mérito da proposta, se é justa ou não, e qual é o melhor texto. Depois disso, vem a fase mais difícil, que é o envio da nova redação ao plenário da Câmara dos Deputados, onde ele precisará ser aprovado por três quintos dos 512 deputados votantes (Rodrigo Maia, como presidente, não votará) para poder ser enviado ao Senado. 

Galhardo diz que o investidor estrangeiro observa essa realidade e pensa que nada mudou no Brasil. “Provavelmente vai sair a Reforma, mas não da forma como se esperava que caísse, o texto deve ser muito desidratado”, lamenta.

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Argentina

Nossos vizinhos também são fonte de preocupação. No dia 17 de abril, o governo do presidente Mauricio Macri anunciou uma série de medidas para combater a inflação e estimular o consumo no país. Dentro do pacote está um congelamento dos preços de pelo menos 60 produtos considerados essenciais por pelo menos seis meses, algo que causa arrepios aos pensadores liberais que apoiaram a eleição de Macri. 

A inflação cronicamente elevada na Argentina é fonte de preocupação para os investidores. Ontem, foi divulgado que o índice de preços ao produtor do país avançou 3,9% em março. A inflação ao produtor já acumula alta de 8% este ano. Em 2018, nossos vizinhos registraram uma inflação ao consumidor de 47,6%, a mais alta em 27 anos, mesmo depois das pesadas medidas tomadas no ano passado para conter o aumento dos preços. O banco central argentino chegou a elevar os juros de 27% para 40% ao ano na metade do ano passado. 

E é óbvio que essa crise prejudica o Brasil, uma vez que a Argentina é nosso maior parceiro comercial. As exportações do setor automotivo brasileiro, por exemplo, foram severamente prejudicadas pela crise argentina. No primeiro trimestre deste ano, as vendas de veículos para a Argentina desabaram 42%, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

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Hedge

Esse cenário de incerteza faz com que o investidor fique com um pé atrás ao aplicar seu dinheiro em ativos de risco no Brasil. Tanto que mesmo em alguns dias em que a Bolsa sobe, um fenômeno curioso tem ocorrido, que é a alta do dólar ao mesmo tempo. Como o Ibovespa é um termômetro do otimismo dos agentes econômicos com o desempenho da economia, é estranho que o câmbio brasileiro se deprecie mesmo quando há uma valorização nos preços de mercado das principais empresas do País. 

Para Galhardo a explicação para essas altas simultâneas da Bolsa e do dólar é que os investidores usam o câmbio como uma porta de saída para suas posições compradas em ações. “O investidor até compra os papéis das empresas brasileiras, mas vislumbra a segurança do dólar para perder menos e adquire dólar ao mesmo tempo para se proteger de perdas muito bruscas”, aponta. 

Ou seja, muitas vezes o real se desvaloriza por conta das operações de hedge realizadas pelos investidores brasileiros e estrangeiros. Quando isso acontece, as empresas fazem as mesmas operações para se protegerem da própria sobrevalorização do dólar, já que muitas possuem dívidas na moeda norte-americana, gerando um ciclo vicioso para a nossa moeda. 

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.