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SÃO PAULO – Centenas de homens se reúnem em uma grande sala de pé direito alto. Em cima, uma tela mostra as cotações em tempo real. Um esbarra no outro, aquele ali é empurrado, baixinhos saem na desvantagem, mas o que vale é o grito. O que não pode é largar o telefone; vai que chega uma ordem?
Era assim que funcionava a Bolsa de Valores na década de 90. Na era das pochetes, gravatas com estampas engraçadinhas e calças bag (modelo de corte mais largo e cintura alta), ganhava aquele que conseguia falar mais alto. Chamado de “pregão simultâneo”, os papéis eram negociados no “viva-voz” e no sistema eletrônico ao mesmo tempo.
“Era uma bagunça, mas uma bagunça organizada”, lembra Alison Correia, analista, ex-operador e autor do livro “O Sobe e Desce da Bolsa e da Vida”.
“Você tinha o chefe de posto, que era como se fosse o árbitro; ele ficava no meio de uma roda de, por exemplo, 500 pessoas, para ver se as coisas estavam acontecendo da forma correta para que ninguém negociasse fora de preço”, conta.
Correia diz que chegou a operar com 2 mil pessoas, estas organizadas em diversas rodas – cada uma para um ativo. “Tinha muita confusão, então às vezes você achava que tinha comprado por um preço, mas o cara tinha te vendido por outro. Quem resolvia isso era a Bolsa, através daquele que intermediava as operações. Então a gente subia para uma sala de vídeos, ele pegava a fita – tudo era gravado – e checava. Nessa situação, quem errava assumia o prejuízo”, lembra.
O “charme” da Bolsa, porém, foi aposentado em 1997, quando o sistema Mega Bolsa, plataforma tecnológica de processamento de informações, substituiu a necessidade do uso do “gogó”.
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Já o famoso sistema Home Broker foi lançado em 1999. Com ele, o investidor passou a poder transmitir suas ordens de compra e venda diretamente ao Mega Bolsa, pela internet. Também naquele ano surgiu o After-Market, sessão noturna de negociação eletrônica.
Empresas que saíram de moda
Diversas empresas que estavam listadas na bolsa na década de 90 fecharam o capital ao longo dos anos. É o caso de Aquatec, White Martins, Sharp, Samitri, Santista Têxtil, Souza Cruz, e muitas outras.
Por outro lado, outras empresas foram incorporadas ou se transformaram, como aconteceu com Sadia SA (que hoje faz parte da BRF), Antarctica e Brahma (Ambev), Petroquisa (Petrobras), Telesp (Telefônica), Banespa (Santander) etc.
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Uma das ‘blue chips’ da época, inclusive, era a Telebras, que chegou a ter participação de 50,47% do Ibovespa e deixou o índice em 2000.
Desafio dos 29 anos
Podia ser o desafio dos 10 anos do Facebook, mas neste caso vamos usar o desafio dos 29 anos (#29YearChallenge) – e muita coisa mudou nessas quase três décadas.
Foi nos anos 90, por exemplo, que o primeiro celular foi comercializado no Brasil. Chegando primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, o Motorola PT-550 era vendido nas cores cinza escuro ou claro. Conhecido como “tijolão”, o aparelho media 22,8 cm de altura e pesava 348 gramas. A bateria chegava a durar até duas horas de ligação e 15 horas em stand-by.
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Nessa época, a tecnologia ainda não era determinante para o cotidiano na bolsa de valores. Na gritaria, ganhava aquele que falava mais alto e as negociações, menos assertivas, levavam mais tempo para serem concluídas.
“Para conseguirmos fechar um negócio no pregão levava de 10 a 15 segundos. Você gritava ‘compra’, para por exemplo, dólar, e tinha um pessoal lá do outro lado que estava querendo vender a esse preço, mas até a gente se encontrar, muitas vezes demorava alguns segundos”, lembra Correia.
“Foi por isso que essa transição para o eletrônico foi natural. Hoje em milésimos de segundos você clica com o mouse e executa uma operação; então era natural que acabasse”, diz.
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Panela velha faz comida boa
Quem diz que o tempo não faz bem provavelmente não conhece essas empresas. É o caso de Petrobras (PETR4), Itaú Unibanco (ITUB4), Ambev (ABEV3), Bradesco (BBDC4) e Vale (VALE3), que tinham juntas um valor de mercado de cerca de US$ 7 bilhões em 1990 e hoje são as empresas com maior participação no Ibovespa. Juntas, valem US$ 403,7 bilhões.
Em 1990, por exemplo, a Petrobras possuía um valor de mercado de US$ 2,7 bilhões. O montante subiu para cerca de US$ 17,5 bilhões em 1997 e neste ano a estatal vale US$ 97,6 bilhões.
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Também nessa época, as ações da Brahma e da Antarctica, que eram negociadas separadamente, deram origem à Ambev. A empresa valia US$ 386 milhões em 1990 e hoje possui um valor de mercado de US$ 76 bilhões.
Confira, na tabela abaixo, os valores de mercado dessas empresas no dia 30 de janeiro de 1990, 1997 e 2019 em dólar (US$):
Empresa | 1990 | 1997 | 2019 |
1. Petrobras | 2,7 bilhões | 17,5 bilhões | 97,6 bilhões |
2. Itaú Unibanco | 538 milhões | 5,3 bilhões | 91,8 bilhões |
3. Ambev* | 386 milhões | 4,4 bilhões | 76 bilhões |
4. Bradesco | 1 bilhão | 7,2 bilhões | 73,6 bilhões |
5. Vale | 2,8 bilhões** | 9,5 bilhões | 64,7 bilhões |
* Ainda não era Ambev
** em 1995
Fonte: Economatica
Anos 90: a década de caos nos mercados
Foi também na década de 90 que o Ibovespa teve o seu pior ano, fechando 1990 com perdas de 74,11%. A maior queda diária aconteceu em 21 de março de 1990, quando o índice da bolsa brasileira despencou 22,27% após o pânico do mercado causado pelo Plano Collor, que congelou 80% das cadernetas de poupança.
No dia, como mostra um recorte do Jornal do Brasil da data, a maior queda foi a da ação preferencial da Eletrobras, que afundou 78,3%. Outras empresas que também seguiram o movimento do índice foram Cofap PP, que despencou 61,9% e White Martins, com queda de 53,3%.
Um dia antes da grande derrocada do Ibovespa, o pessimismo do mercado com os rumos da economia fizeram a bolsa desabar 20,95%. O mercado já estava começando a vender ativos de renda variável para cobrir as perdas provocadas pelo anúncio de Collor, fazendo com que o valor das ações despencasse.
A quinta maior perda foi em 27 de outubro de 1997, por influência da crise financeira asiática. Neste dia, o índice despencou 14,98%.
No ano seguinte, em 10 de setembro de 1998, mais perdas: queda de 15,82% e saída de US$ 1,9 bilhão. Nessa época o Ibovespa começou a sofrer algumas interrupções nos negócios por conta do circuit breaker, mecanismo de ‘escudo’ à volatilidade excessiva em momentos atípicos de mercado, acionados na época pela moratória da Rússia, que tentava renegociar sua dívida externa.
A capa do Jornal do Brasil do dia 11 de setembro de 1998 mostra o temor do mercado e mostra as medidas adotadas pelo governo para conter o “ataque especulativo”:
Mudanças na bolsa
Fundada em outubro de 1917, a Bolsa de Mercadorias de São Paulo foi a primeira a introduzir operações a termo. Em 1986, iniciam-se os pregões da Bolsa Mercantil & de Futuros (BM&F). Ambas se unem em 1991, formando a Bolsa de Mercadorias & Futuros, que opta por manter a sigla BM&F.
Já a história da Bovespa remonta a 1890, quando foi criada a chamada Bolsa Livre. Logo no início da década de 1990, a Bovespa introduziu em paralelo ao pregão viva-voz o sistema eletrônico de negociação de renda variável e a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), que oferecia uma estrutura moderna de câmara de compensação e depositária.
Em 28 de agosto de 2007 foi aprovada a desmutualização da Bovespa e, com isso, todos os detentores de títulos patrimoniais da Bovespa e de ações da CBLC viram acionistas da Bovespa Holding.
Em 8 de maio de 2008, a integração das atividades da BM&F e da Bovespa Holding é aprovada, dando origem à BM&FBovespa (Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros).
Por último, em março de 2017, a BM&FBovespa uniu suas atividades com as desenvolvidas pela Cetip SA – Mercados Organizados, e passou a operar sob o nome de B3 (Brasil, Bolsa, Balcão).
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