Banco Central precisa continuar agindo para mitigar efeitos do coronavírus, diz Luiz Fernando Figueiredo

Ex-diretor de política monetária do BC diz que impacto do surto na economia brasileira é "secundário", mas mercado reage ao pânico global

Anderson Figo

SÃO PAULO — O impacto do coronavírus sobre a atividade econômica brasileira é “secundário”, mas ainda assim o Banco Central deve continuar agindo para acalmar os mercados, que reagem ao pânico global generalizado. A afirmação é do CEO da Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo, em entrevista ao InfoMoney.

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Segundo Figueiredo, a decisão do Federal Reserve (banco central americano) ontem de cortar emergencialmente os juros nos Estados Unidos foi correta, mas pode ter elevado a incerteza entre os investidores sobre a gravidade da situação.

“Os países terão que fazer ajustes fiscais para ajudar a economia, mas ninguém sabe ainda onde nós estamos em termos de quanto essa história ainda vai andar”, disse.

Sobre o Brasil, Figueiredo disse ser importante que o BC siga atuando onde for preciso, seja provendo liquidez no câmbio ou cortando juros, como outros países têm feito. Ele também comentou sobre o real, que é a moeda emergente que mais perde valor contra o dólar. Leia a entrevista abaixo.

IM: O Fed surpreendeu o mercado no timing da decisão? Por que isso acalmou apenas momentaneamente o mercado?

LFF: O Fed surpreendeu todo mundo. Só em 2008 ele tinha feito uma reunião extraordinária como esta. É muito raro. É sempre uma faca de dois gumes porque se ele foi tão agressivo assim, será que a possibilidade de recessão aumentou?

O mercado, como a gente está sob um grau de incerteza muito grande, fica em dúvida. O mercado não sabe responder sobre isso. Então, as oscilações estão sendo muito grandes.

Anteontem, as Bolsas americanas chegaram a subir mais de 2% e depois fecharam só com um pouco de alta. O mercado ainda não encontrou um equilíbrio, um meio que ele fique relativamente tranquilo no meio deste quadro de incerteza atual. Até porque é muito difícil mensurar [o tamanho do estrago do coronavírus na economia global].

Os bancos centrais estão atuando de maneira coordenada. Os países terão que fazer ajustes fiscais para ajudar a economia, mas ninguém sabe ainda onde nós estamos em termos de quanto essa história ainda vai andar.

Como os países estão super reagindo, o impacto nas economias tem sido muito forte porque eles têm paralisado as atividades onde tem foco [de coronavírus], alguma preocupação. Então, que vai ter, momentaneamente, focos bem recessivos muito fortes, vai.

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IM: Mas, então, só o corte de juros não é suficiente?

LFF: Como ninguém sabe se essa coisa continua crescendo, quem sabe esses focos se tornam algo mais abrangente no mundo e por um tempo maior. É muito difícil saber se o corte [de juros nos EUA] vai dar conta do recado porque ninguém sabe ainda muito bem onde estamos pisando.

O Fed falou que vai fazer o que for preciso fazer, não tem como prever o limite. O termômetro está meio quebrado. Você tem que ir fazendo alguma coisa para o sistema não ter dúvidas de que você vai estar pronto para atuar sempre que for preciso.

Essa atitude já aliviou um pouco o estresse do mercado. Se não houvesse essa resposta dos bancos centrais, a gente estaria em uma outra situação.

Embora muito voláteis, os mercados deram uma certa estabilizada. As Bolsas americanas estavam caindo 3% todos os dias, agora caem menos ou até sobem um pouco. Isso tem um efeito enorme no que a gente chama de condições financeiras e confiança. Não só nas regiões que pararam as atividades pelo vírus, mas também em muitos outros lugares.

IM: O mercado já prevê novos cortes na Selic após a decisão do Fed. Como isso impacta a atividade e a Bolsa?

LFF: O Brasil está indo na esteira do que acontece em muitos outros países. A dinâmica é uma dinâmica que todos estão reagindo ao mesmo tempo a um choque que tem proporção global.

Nessa hora não dá para dizer se o Brasil vai ser mais impactado ou não. O Brasil está mais distante. São pouquíssimos casos [de infectados por coronavírus] aqui. Mas o mercado tem muito a ver com confiança — e isso está ligado ao mundo.

Com relação à atividade [econômica] em si no Brasil, o impacto é mais secundário. Você pode ter uma recessão temporária em um epicentro. China está sofrendo mais, Coreia sofre mais e deve passar por um período recessivo.

Não é o caso brasileiro. Em termos de queda da atividade, o impacto será muito menor. Os mercados acabam tendo um impacto maior do que a atividade propriamente dita aqui.

IM: O dólar sobe no mundo todo, mas o real tem sido a moeda emergente que mais se desvaloriza. Por quê?

LFF: O real vem tendo uma dinâmica em que ele vem performando pior do que as outras moedas emergentes. Mas ele está dentro de um contexto em que o dólar está se valorizando no mundo.

Aqui, estamos em um período de transição entre uma moeda que era uma moeda de carry trade, que o mercado diz, ou seja, que muita gente entrava para ganhar com os juros altos que tínhamos aqui, e indo agora para um outro tipo de moeda, que é uma moeda de um país com juro mais normalizado.

Então, o investimento, o dinheiro que vem para cá é muito mais dependente da economia real. É um processo de transição. O estoque desse dinheiro que dependia de juros está indo embora.

IM: As intervenções do BC brasileiro no câmbio têm sido efetivas? O que a autoridade precisa fazer, além do que já está fazendo, para amenizar o avanço do dólar?

LFF: Sobre as intervenções no câmbio pelo Banco Central, elas sem dúvida são efetivas, mas elas não têm o objetivo de atenuar nenhum movimento e, sim, de manter uma normalidade do sistema, provendo principalmente liquidez.

Em momentos como este, em que você tem um choque muito grande, o que o Banco Central tem que fazer é isso: prover liquidez onde ela estiver faltando, seja no câmbio ou onde for. É isso que os bancos centrais estão fazendo.

A preocupação é com a estabilidade financeira. Temos que manter o sistema saudável, este é o objetivo dos bancos centrais neste momento. Se o sistema funcionar, qualquer choque é minimizado e não propagado.

Mas ainda é uma situação de muita incerteza. Eu diria que nós temos aí mais duas ou três semanas, no mínimo, para entender se o mundo vai conseguir conter a propagação desse vírus ou não. Se conseguir conter, pode ser que as coisas comecem a voltar ao normal nas economias e os mercados acalmem bem.

Como é muito tempo, são semanas em uma situação muito volátil, então temos que tomar bastante cuidado.

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.