Ibovespa em queda forte, dólar chegando a bater R$ 5,53: o novo dia de forte aversão ao risco com PEC da transição e falas de Lula

Investidores repercutem hoje a proposta em PEC de tirar do teto R$ 175 bilhões para Bolsa Família, mas expectativa é de texto mais enxuto do Congresso

Equipe InfoMoney

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O risco fiscal segue no radar dos investidores em Brasil, que repercutem nesta quinta-feira (17) a apresentação na noite de ontem do anteprojeto para a PEC da transição, além de novas falas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.  Na véspera, o Ibovespa fechou em queda de 2,58%, a 110.243,33 pontos, enquanto o dólar comercial subiu 1,50%, na casa dos R$ 5,38, com todos os olhos voltados para as definições da proposta.

Mesmo sem tanta liquidez no início da manhã, o MSCI Brazil Capped ETF (EWZ), principal ETF (fundo de gestão passiva) atrelado à Bolsa brasileira, já indicava um dia negativo para o mercado, com queda de 1,75% na NYSE, a US$ 29,21, por volta das 7h40 (horário de Brasília) de hoje, após baixa de 3,85% na véspera. Já na B3, por volta das 9h, o Ibovespa futuro para dezembro caía 1,79%, a 108.525 pontos, enquanto o dólar comercial disparava 2,53% no mesmo horário, a R$ 5,517 na compra e R$ 5,518 na venda. Na máxima do dia, a divisa americana chegou a R$ 5,53.

A tendência de queda do Ibovespa se confirmou no mercado à vista, com o benchmark da Bolsa em baixa de 2,14%, a 107.883 pontos, por volta das 10h40, enquanto o  dólar amenizou, mas ainda assim subia 1,75%, a R$ 5,476 na compra e na venda.

As propostas anunciadas ontem confirmaram alguns dos temores do mercado. Na noite de ontem, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin a PEC com proposta de “excepcionalizar” do teto de gastos R$ 175 bilhões para o pagamento do Bolsa Família a partir de 2023 no valor de R$ 600, com adicional de R$ 150 por criança, sem um prazo determinado.

As sugestões apresentadas pela equipe de transição incluem ainda uma autorização para que parte de receitas extraordinárias fique fora do teto e possa ser redirecionada para investimentos, em um limite de R$ 23 bilhões, e também propõe retirar da regra do teto de gastos doações a universidades e fundos ligados à preservação do meio ambiente. Assim, totalizando um espaço de quase R$ 200 bilhões – R$ 198 bilhões, especificamente.

“Entregamos aos senadores uma proposta, um anteprojeto”, disse o vice-presidente, em um aceno ao Congresso ao deixar claro que “tudo está sendo feito no sentido de fortalecer o Legislativo”.

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De acordo com Alckmin, a exclusão do Bolsa Família do teto é uma “unanimidade” no Congresso, assim como, avalia, não deve haver dificuldades em relação aos recursos para investimento, educação e questões socioambientais, já que se tratam de receitas extras ou doações.

Há, no entanto, resistências em relação ao prazo de excepcionalização do teto, especialmente por parte de parlamentares ligados ao atual presidente, Jair Bolsonaro, e também existe apreensão no mercado.

“Não há nenhum cheque em branco”, defendeu Alckmin, lembrando que caberá a deputados e senadores definirem o prazo a ser abrangido pela PEC.

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Cabe destacar que, na semana passada, discurso de Lula em que o presidente eleito criticou a necessidade de cumprir regra fiscal em detrimento de gastos sociais e defendeu que algumas despesas deveriam ser consideradas investimentos gerou ruído, fazendo a bolsa despencar e o dólar disparar.

O Ibovespa tem registrado queda de 5% no mês e de 3% desde esse dia da fala de Lula, 10 de novembro, com os sinais de maiores gastos do governo que assumirá 2023, elevando fortemente a aversão ao risco. Na ocasião, Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, destacou que ainda haveria um período de grande estresse e volatilidade no mercado, tendo em vista as projeções de descontrole fiscal.

Nesta quinta, Lula voltou a criticar a regra do teto de gastos, afirmando que ela deveria restringir o pagamento de juros ao sistema financeiro e garantir a manutenção dos desembolsos para a área social, e desdenhou das reações do mercado financeiro a suas falas.

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“Quando você coloca uma coisa chamada teto de gastos, tudo o que acontece é tirar dinheiro da saúde, tirar dinheiro da educação, tirar dinheiro da ciência e tecnologia, tirar dinheiro da cultura, ou seja, você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e você não mexe num centavo do sistema financeiro, você não mexe num centavo daquele juro que os banqueiros têm que receber”, disse Lula durante discurso no Egito, onde participa da cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima COP27. “Ah, mas se eu falar isso vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar. Paciência. Porque o dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”, acrescentou.

Para Mauro Morelli, estrategista da Davos Investimentos, a exclusão do Auxílio Brasil/Bolsa Família do teto de gastos gera grande preocupação no mercado, lembrando que esta âncora foi criada para que a relação dívida/PIB brasileira não tomasse um percurso explosivo. Antes desse caso, existia o caso palpável e real de que esta relação fosse crescente, o que causaria problemas sérios para que o Brasil rolasse a dívida. “A partir do momento que foi criada essa regra, nós temos uma certa âncora fiscal de que os investidores fiquem menos preocupados sobre o lado fiscal e gastos públicos”, avalia.

Outro ponto que Morelli destaca é que nomes técnicos que fazem parte da equipe de transição, com economistas reconhecidos, não foi consultada sobre a PEC. “Isso mostra claramente que a opção do próximo governo é política e não técnica, o que preocupa ainda mais o futuro fiscal do Brasil. Concluindo, a PEC traz preocupações fortes daqui para o futuro, mas vale a pena relembrar que é melhor termos uma regra ruim do que nenhuma regra. E acho que esse é o caso que temos agora. A PEC segue para o Congresso, vamos ver as alternativas que vão trazer e como a sociedade vai reagir a elas”, destacou.

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As incertezas em torno da mudança da atual âncora fiscal e as discussões para tirar o Auxílio Brasil do teto de gastos têm realimentado no mercado a discussão sobre o risco de uma política monetária mais apertada no próximo governo – com a postergação de cortes ou mesmo novas altas da taxa básica de juros, Selic.

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A avaliação é de que uma expansão fiscal para garantir o cumprimento de parte das promessas eleitorais do presidente eleito poderia ter impacto nos índices de inflação, tornando ainda mais difícil a tarefa do Banco Central de levar o indicador para próximo da meta.

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Nas projeções do mercado, o aumento de gastos públicos também poderia impedir a estabilização da dívida bruta, mesmo que esse crescimento seja limitado pela inflação nos anos subsequentes. Nas contas da XP, uma “licença” de R$ 175 bilhões levaria a um aumento da dívida pública de 76% do PIB, previstos em 2022, para 88,3% em 2030. Em um cenário de manutenção do teto dos gastos, a dívida poderia cair a 74,1% do PIB até o fim da década. Caso o governo inclua uma política de aumento real do salário mínimo de 2% ao longo dos anos, a dívida avançaria a 97,5% até 2030.

Em relatório em que destaca a percepção de gestores sobre o risco fiscal, a XP apontou que os especialistas de mercado já acreditavam que a vitória de Lula seria acompanhada de uma política fiscal mais expansionista, muito em linha com o que já era comunicado em campanha. Por outro lado, era esperado um “maior pragmatismo” por parte do presidente eleito, o que não tem se confirmado. Pelo contrário, logo na largada a equipe de transição está tentando acomodar todos os gastos das promessas de campanha.

Na conta do time da Kinea, por exemplo, com juros reais subindo cerca de 2%, somado a R$ 175 bilhões que representam um déficit de cerca de 2,5% do PIB, em um cenário de PIB em crescendo menos em 2023 que em 2022, podemos ter uma trajetória Dívida/PIB pouco sustentável para os próximos anos, destaca.O tamanho e formato da PEC, as ausências de um nome para o Ministério da Fazenda e de uma nova regra fiscal clara e sustentável que agrade ao mercado, geram preocupação na visão dos gestores, que tem se transformado em cautela quando se trata de posicionamento dos seus portfólios.

Os gestores ouvidos pela XP também acreditam que vai fazer grande diferença o ministro escolhido pelo presidente eleito e pela equipe de transição, pois ele já deveria estar participando dessas discussões. Cabe destacar que, na véspera, a presença de Fernando Haddad na COP-27, junto com o presidente eleito, reforçou as apostas de que o ex-candidato governo de São Paulo nas eleições de outubro seja o ministro da Fazenda de Lula, também aumentou a aversão ao risco do mercado.

Assim, a visão antes mais otimista e construtiva para Brasil por parte dos gestores deu lugar à um compasso de espera acompanhado de certa preocupação. “A postura de cautela, sem medidas extremas nos portfólios por hora, tem sido um consenso entre os gestores”, destaca a XP. 

Expectativa por negociações no Congresso

Enquanto há um temor sobre o teor do texto, também há indicações de que a proposta feita pela equipe de transição não será aprovada desta forma, conforme destaca análise da XP Política.

Na avaliação dos analistas políticos, a tendência no Congresso é construir uma versão bastante mais enxuta, que garanta a manutenção do programa social em R$ 600 para 2023. A possibilidade de pagar o benefício de R$ 150 para crianças e reajustar o salário mínimo — tudo isso pelo período de um ano — também encontram convergência. O momento agora será de trabalhar a forma como isso será feito, de maneira que o novo governo não possa prescindir do Congresso no próximo ano para realizar novos gastos.

O PT enfrentará fortes dificuldades para avançar além disso e assegurar tranquilidade orçamentária pelo período de 4 anos, avaliam os analistas.

“O recado de que falta ainda coalizão ao governo eleito foi dado diretamente pelo presidente da CCJ no Senado, Davi Alcolumbre, a Geraldo Alckmin no momento da entrega da proposta. A mensagem foi de que não há ambiente político para se aprovar uma licença tão ampla de gastos com o Congresso atual, ainda formado por uma base bolsonarista majoritária”, apontam.

“Recebemos essa minuta, recebemos uma proposta, que a partir de agora vai ser construída várias mãos, por vários senadores que estão dispostos a ajudar e não é ajudar o governo eleito, é ajudar o Brasil”, disse Alcolumbre ontem, após se reunir com Alckmin, que levou a ele e ao relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), as sugestões da equipe de transição para a PEC.

Já no caso da Câmara, a ausência estratégica do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL) no momento da entrega da proposta foi visto como sinal da falta de apoio que dará a esta versão de PEC. “Ainda que não tenha feito críticas públicas, o comando da Câmara deve trabalhar por uma redução significativa do escopo da PEC”, destaca a XP.

A visão do Centrão, segundo os analistas, é de que será preciso entregar bem menos a Lula do que ele está pedindo antes mesmo de assumir. A visão é de que há concordância com o pagamento do auxílio em  R$ 600, com o reajuste do salário mínimo e até sobre os 150 para as crianças, desde que seja só pra esse ano e sem tirar o programa inteiro do teto de gastos.

No Senado, aponta a XP, há ainda clima para retirar o programa social do teto de gastos integralmente em 2023. Mas esse tese só terá chances de avançar em acordo com a Câmara, um cenário hoje pouco provável.

Responsável pela tarefa de formalizar a criação da PEC, o senador Marcelo Castro explicou ontem que a ideia é primeiro aparar todas as arestas possíveis entre os parlamentares, para então recolher as 27 assinaturas necessárias no Senado e dar a partida na tramitação da proposta.

“A equipe de transição nos trouxe uma proposta, uma sugestão de PEC. Mas quero que todos tenham a compreensão de que essa PEC será proposta pelo Senado. Nós vamos pegar essas sugestões que a equipe de transição nos trouxe, vamos negociar internamente com as lideranças aqui do Senado, até nós chegarmos a um entendimento, a uma concertação de qual seria o texto ideal”, disse o relator-geral do Orçamento a jornalistas após receber a minuta.

“Na hora que nós tivermos a segurança de que aquilo é um texto ideal –o ideal, aqui, é o possível e o que a maior probabilidade de ser votado– então só nesse momento nós então começaremos a colher as assinaturas”, concluiu.

O senador calcula que a PEC pode ser votada pelo Senado antes do fim de novembro. Depois, ainda segue à Câmara dos Deputados.

“O mais difícil aqui no Senado não é a tramitação. É a gente chegar a um entendimento de qual seria o texto mais adequado”, disse, acrescentando ter o compromisso de Alcolumbre de dar celeridade à proposta na CCJ.

Enquanto isso, a expectativa é de forte volatilidade para os mercados, uma vez que o risco fiscal é visto como o maior para a Bolsa, conforme destacou pesquisa com  assessores da XP e assessores de investimento de escritórios autônomos filiados à XP Investimentos.

Cabe destacar que analistas de bancos estrangeiros também têm se mostrado mais reticentes sobre a política fiscal do novo governo. Em relatório da semana passada, o Citi destacou que os mercados financeiros podem ter se enganado ao se convencer de que o presidente eleito Lula seguiria uma agenda fiscal ortodoxa, acrescentando que o banco decidiu cortar sua exposição a riscos do Brasil diante dessa reavaliação.

“O mercado parecia ter se convencido de que o presidente (eleito) Lula seria fiscalmente ortodoxo. O fluxo de notícias mais recente agora coloca essa hipótese em dúvida”, escreveu Dirk Willer, chefe de estratégia de mercados emergentes do Citi Research no documento.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)