As apostas de Damodaran, o ‘papa’ do valuation – de Nvidia a Vale e Petrobras

Os erros e os acertos nos investimentos do professor da Universidade de Nova York em entrevista exclusiva ao InfoMoney

Mariana Amaro

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Em 2018, quando chatbots inteligentes ainda estavam em estágio de pesquisa, o professor da Universidade de Nova York, Aswath Damodaran, se interessou por uma companhia. O preço das ações tinha sofrido um baque após uma divulgação de balanço e, depois de analisar os fundamentos e concluir que a cotação estava abaixo do justo, Damodaran investiu no papel. Naquele ano, o papel circulou entre US$ 35 e US$ 72.

A empresa era a Nvidia (NVDC34), cujo preço, hoje, ronda US$ 800. 

Ele também investe na Petrobras e na Vale “desde os tempos sombrios das companhias”. Recentemente, investiu em uma empresa de engenharia da Turquia que foi uma das grandes beneficiadas com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Em entrevista ao InfoMoney e de passagem pelo Brasil para participar do Congresso Anual do CFA Society Brazil, Damodaran respondeu a perguntas sobre seus investimentos e portfólio. Veja abaixo:

InfoMoneyComo o senhor enxerga a valorização das empresas de tecnologia, como a Nvidia? É possível que elas entreguem no futuro o seu valor presente de mercado?

Damodaran – Isso não é algo que 2024 trouxe, certo? Nas últimas duas décadas, vivemos das empresas de tecnologia. Vou te dar um exemplo: na última década, as ações de Facebook (M1TA34), Amazon (AMZO34), Netflix (NFLX34), Google/Alphabet (GOGL34), Apple (AAPL34) e Microsoft (MSFT34) representaram 20% do aumento de capitalização de todo o mercado americano. Seis empresas foram responsáveis ​​pelo aumento de 20% no valor de mercado de 6.500 empresas. 

Se eliminássemos essas seis empresas, os EUA teriam tido uma década muito medíocre de retornos das ações. Então, quando você vê isso ao longo de um período, a pergunta que você deve fazer é que os nomes podem mudar – este ano é Nvidia, mas no ano seguinte pode ser outra.

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Este não é um fenômeno de uma empresa. É um reflexo de uma mudança na economia da produção para a tecnologia. E a tecnologia traz consigo uma característica que cria esses grandes vencedores, que dominam o mercado. Se você olhar para a publicidade antes do digital, percebe que o negócio era fragmentado. A maior empresa de publicidade do mundo deve ter sido o The New York Times, que detinha apenas 4% do market share, porque dominava localmente, em Nova York, enquanto outros veículos dominavam outras localidades. 

Quando você cria uma versão tecnológica da publicidade, são o Facebook e o Google que criam essas redes onde as pessoas querem estar. Com isso, você acaba com duas ou três empresas dominando o negócio. Esse fenômeno gera empresas de US$ 3 trilhões.

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Portanto, não creio que este seja um fenômeno da Nvidia ou do Facebook: é apenas uma mudança de guarda de uma economia do século XX para uma economia do século XXI. Nos EUA, sentimos mais porque é o centro de onde essas empresas de tecnologia estão crescendo. Mas acho que isso é algo que você verá acontecer em outros mercados – nesse sentido de companhias que dominam o mercado – porque as próprias empresas estão mudando.

InfoMoney E neste momento, em que estamos mudando da fabricação para a tecnologia – como o senhor disse -, onde a Tesla (TSLA34) se posiciona? Já que é uma fabricante de automóveis, mas também é uma empresa de tecnologia. Como fazer o valuation, neste caso?

Damodaran – Nos anos bons, a Tesla é vista como uma empresa de tecnologia, quando as coisas vão mal, é vista como uma empresa de manufatura. No momento, ela está na fase 2 e é possível ver isso no preço das ações. Quanto mais se fala sobre direção automatizada e carros autônomos, mais veremos o preço subir novamente. 

A Tesla está no limite entre a manufatura e a tecnologia. A mesma coisa acontece com a Nvidia. O negócio de chips é um negócio muito chato, mas a Nvidia meio que revolucionou o setor em duas dimensões. Primeiro, a Nvidia não fabrica seus próprios chips – ela projeta chips. É uma empresa de design. A TSMC Taiwan Semiconductors (TSMC34) fabrica todos os seus chips. Então é mais como uma empresa de tecnologia, nesse sentido. Seu conjunto de habilidades é projetar chips de última geração e agrupá-los com software que os torne melhores e mais eficientes. Portanto, não é uma Intel.

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A Intel (ITLC34), a TSMC são medidas por quanto custa fazer um chip. A Nvidia é um ‘bicho’ diferente. É mais tecnologia do que fabricação e isso, parcialmente, explica o valor de mercado de US$ 2 trilhões. 

InfoMoney A inteligência artificial está contabilizada no valuation das empresas? Isso já está precificado?

Damodaran – Para 95% das empresas, Inteligência Artificial não terá efeito nenhum – ou terá um efeito negativo. Para a maioria das empresas, a IA não é um problema. Se você pegar a JBS, por exemplo, o que IA pode fazer para uma empresa de processamento de carne? Se você pegar uma empresa de varejo, qual será o impacto? Talvez você possa reduzir custos, mas todos podem fazer isso. Há um subconjunto muito pequeno de empresas que são afetadas de forma muito positiva ou muito negativa pela IA.

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No momento, há apenas uma empresa que tem números reais e substanciais que podem ser provenientes da IA, que é a Nvidia, porque ela fabrica os chips. Não consigo pensar em nenhuma outra empresa onde possa olhar a receita e dizer que está mais alto por causa da IA. Há a promessa. Como com a Microsoft e a Adobe (ADBE34) e o preço se refletem, mas isso ainda não estão aparecendo nas receitas e nos lucros dessas empresas.

Eu construiria essa expectativa nessas companhias, como os mercados estão fazendo. Mas os mercados estão exagerando? Provavelmente. Para a maioria das empresas, a IA é uma história paralela, não é algo que afeta o valor. É mais uma distração do que um impulsionador de valor. 

InfoMoney O senhor é conhecido por praticar o que prega e ser ‘skin in the game’. Quais companhias ou setores têm despertado seu interesse?

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Damodaran – Não procuro empresas porque não tenho tanto dinheiro adicional para investir. Se eu fosse um gestor de carteiras e esta fosse a minha vida, passaria mais tempo à procura de empresas. Eu tendo a aceitá-los como eles vêm. Então, para mim, a Nvidia apareceu em 2018 no meu radar porque o preço de suas ações caiu após um relatório de lucros e disse que esta empresa parece interessante, vou fazer uma avaliação. Eu achei que estava subvalorizada e tive a sorte de comprá-la. Muitas vezes, as empresas que aparecem no meu radar são aquelas com as quais já estou familiarizado ou empresas que acompanho há muito tempo.

No caso do Brasil, você sabe, eu acompanho ​​​​a Petrobras (PETR4), a Vale (VALE3), a Natura (NTCO3) e a Embraer (EMBR3) com frequência porque elas estão no meu portfólio. Portanto, elas sempre estiveram no meu radar. Mas, às vezes, as empresas aparecem acidentalmente – surgem do nada. Foi assim com o Uber (U1BE34). Como uma empresa da qual nunca ouvi falar é precificada a US$ 17 bilhões? 

A vantagem que eu tenho é que não preciso investir, então não preciso procurar empresas. E se eu encontrar algo interessante, investirei nisso. Mas eu sigo em frente. Sou um ‘amador’. Meu interesse continua mudando. Então, para mim, avaliar uma empresa a partir de um portfólio faz parte do que faço, mas também estou interessado em questões que considero pertinentes às empresas. Por que as empresas se comportam dessa maneira? Então eu tenho uma vida muito mais fácil do que a de um gestor de portfólio que precisa encontrar empresas. Eu só preciso encontrar uma, duas ou três empresas interessantes a cada ano para comprar, e elas podem ser financiadas com o que eu vendo. Então não estou constantemente em busca, tenho que encontrar uma empresa que me interesse. 

InfoMoney O senhor falou sobre algumas empresas brasileiras. Eles ainda são interessantes? 

Damodaran – Ainda invisto na Petrobras e na Vale, desde os tempos sombrios. Petrobras eu comprei em 2015, talvez. E Vale, eu comprei e vendi ao longo do tempo. E elas estão lá porque preciso de exposição a commodities e de exposição ao país. E essas empresas me permitem incluir tanto o Brasil quanto as commodities em meu portfólio. 

Porque a essência de um portfólio diversificado é que você precisa estar exposto ao mundo inteiro, não apenas aos EUA, não apenas aos mercados desenvolvidos. Então estou procurando empresas que não estão no meu radar do mercado dos EUA porque preciso delas para preencher meu portfólio. 

Uma das vantagens que eu tive, porque viajo e dou aulas e avalio ​empresas em diversas partes do mundo, é que tenho uma empresa turca chamada Enka no meu portfólio, e é uma empresa que eu nunca tinha ouvido falar até que fui para a Turquia alguns anos atrás, avaliei a empresa e pensei: ‘isso é interessante’. 

É uma construtora que conseguiu tirar partido das sanções europeias após a invasão russa da Ucrânia e aproveitou a brecha, e tem um enorme crescimento na Rússia e no leste europeu. E esse crescimento vai permanecer porque as empresas europeias não vão regressar. É uma empresa incrivelmente bem administrada e eu adicionei a empresa ao meu portfólio.

Mas para mim, porque viajo, isso acontece no curso. E, de certa forma, isso faz parte de como encaro a vida. Não separo o que faço para investir do que faço para ensinar.

InfoMoney E o senhor falou da Petrobras, que é uma empresa que tem sido influenciada pelo governo no Brasil e que sempre traz questões de governança. Como isso impacta na avaliação da empresa?

Damodaran – Claro! Houve um tempo em que a Petrobras quase se destruiu tentando manter Brasília feliz, tentando se tornar a maior petrolífera do mundo. Escrevi sobre isso em 2014 como exemplo de empresa que quase inverteu todos os primeiros princípios e fez exatamente o contrário. Isso foi em 2014, o que eu chamei de fundo absoluto.

Para mim, as coisas mudaram para melhor na Petrobras. Não é como se o governo tivesse ido embora, mas eles aprenderam, ou eu espero que tenham aprendido a lição de não tentar levar a empresa a um fim político, porque isso leva a consequências econômicas. A gestão mudou e acho que há um reconhecimento melhor dos seus limites como empresa, do que você pode ou não fazer como petrolífera.

Então, estou feliz [com a Petrobras]. Quer dizer, tenho três petrolíferas no meu portfólio: uma é a Petrobras, a outra é a Exxon Mobil (EXXO34) e a outra é uma empresa chamada Lukoil, que precisei deixar. É uma petrolífera russa, muito bem gerida, mas que, depois da invasão russa da Ucrânia, não foi mais possível comprar as ações, tive que comprar por ADR. Eles, efetivamente, eliminaram o valor de todos esses dólares. Não vou receber esse dinheiro de volta, a menos que eu vá para a Rússia e tente recuperar meu dinheiro – o que eu não vou fazer. Então, você sabe, a Petrobras permanece no meu portfólio porque acho que, neste momento, é uma aposta petrolífera tão boa quanto qualquer outra. E isso me dá alguma exposição ao Brasil, me dá alguma exposição ao petróleo. E estou bem com isso em meu portfólio. 

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.