Apesar de enormes danos, chuvas têm pouco impacto para empresas

Analistas não preveem efeito em companhias de logística, elétricas ou saneamento; na Austrália, enchentes podem ajudar a Vale

Julia Ramos M. Leite

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SÃO PAULO – Na última semana, os olhos do País se voltaram para o Rio de Janeiro, mais uma vez castigado por pesadas chuvas e com danos impressionantes a cidades da região serrana – até agora, são cerca de 700 mortos no estado. Em São Paulo e Minas Gerais, as chuvas também não dão trégua, inundando casas e municípios, causando deslizamentos e atrapalhando o dia a dia das cidades, como já é comum em no verão.

Apesar da situação catastrófica que comanda a atenção dos brasileiros e gerou um forte movimento de ajuda – especialmente no caso do Rio de Janeiro -, o front corporativo não deve ser tão impactado pelas chuvas fora do comum e suas consequências – nem mesmo aqueles setores que, à primeira vista, sofreriam com as enchentes e o bloqueio de estradas.

Logística
No caso das companhias de logística, por exemplo, a ALL (ALLL3) se apressou em declarar ao mercado que as chuvas não teriam impactos relevantes em seus negócios. A empresa informou na última semana que suas operações já estavam normalizadas, destacando ainda que os transportes não chegaram a parar em nenhum momento. “À medida que se trabalhava para contornar a situação da barreira, os trens eram imediatamente desviados, sem que as operações fossem paralisadas”, explicou a ALL.

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Segundo a empresa, este momento é delicado para as operações, no entanto a companhia trabalha com uma atuação antecipada, tomando medidas preventivas, reforçando as rondas nas linhas férreas e também investindo para que os transportes não parem. A assessoria da empresa afirmou ainda que, “é natural que haja temores em relação às atividades da empresa neste momento, mas até o momento não há nada com que se preocupar”.

Apesar disso, as ações da empresa foram penalizadas na bolsa na última semana – na última quinta-feira (13), a queda foi superior a 3%. Para Rosângela Ribeiro, da SLW, a baixa mostra que o mercado já precificou possíveis problemas operacionais que a empresa possa ter devido às fortes chuvas. “As empresas se preparam para esse período, mas esse ano a quantidade de chuva foi muito acentuada, superou a média histórica, então acho que o mercado acabou precificando esse impacto”, diz a analista.

Já Luiz Otávio Broad, da Ágora, apontou que a pesada queda dos ativos da ALL foi um fato pontual, ligado à repercussão do anúncio de que a empresa teria que desviar alguns de seus trens entre as cidades paulistas de Triagem e Pederneiras.

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Rosângela considera a questão bastante pontual, afirmando que as empresa conseguem recuperar possíveis atrasos causados pela chuva até o final do trimestre, não devendo, assim, trazer efeitos no médio prazo. Rosângela espera que o impacto também seja limitado para as demais empresas do setor, como Log-In (LOGN3) e Tegma (TGMA3). “Acho que foi um efeito mais psicológico”, completa a analista da SLW.

Ainda no setor, a JSL (JSLG3) – antiga Julio Simões – também afirmou à InfoMoney que não houve dano algum a suas operações, tampouco atrasos.

Concessões
No caso das empresas de concessão rodoviária, o cenário não é muito diferente. Assim como as companhias de logística, Rosângela lembra que a maioria das empresas já se prepara para esse período de chuvas, e também não deve ver grandes consequências.

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Victor de Figueiredo Martins, da Planner, também não vê motivo pra preocupação. Ele lembra que, além de investimentos pesados das grandes companhias em drenagem para evitar alagamentos e questões semelhantes, o problema mais grave em termos de interrupções e deslizamentos aconteceu na região serrana do Rio de Janeiro, em estradas não concedidas ainda.

Assim, o analista não espera problemas para as principais companhias do setor, incluindo OHL (OHLB3), EcoRodovias (ECOR3) e CCR (CCRO3).

Energia e saneamento
A expectativa por um período mais forte de chuvas também deve fazer com que as elétricas passem relativamente intactas pelos problemas do início do ano. Para Osmar Camillo, da Socopa, como as empresas do setor têm uma exposição muito grande a essas questões, elas tendem a se precaver, estimando custos maiores com manutenção para o período, por exemplo.

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“O capex dessas empresas é baixo, mais voltado para manutenção, mas ele já incorpora possíveis danos às instalações”, explica o analista. “Há um aumento de custos porque aumenta o número de ocorrências, mas está no programa, existe essa preocupação constante”.

Mas as chuvas este ano acabaram ultrapassando largamente as projeções, o que pode sim incorrer em custos maiores para as companhias. “Claro que o caso do Rio e alguns lugares de São Paulo deve trazer custos não recorrentes grandes”, frisa Camillo.

Além disso, Rosângela lembra que foram poucas as interrupção de fornecimento por conta de chuvas. “Então, o setor deve atingir a meta de crescimento prevista, o mês de janeiro não deve impactar muito”, resume a analista da SLW.

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No caso das empresas de saneamento, Camillo aponta que o funcionamento é parecido com as elétricas no quesito de capex, e que efeitos de pesadas chuvas são mais raros no segmento.

Ainda assim, Camillo afirma que a abertura das comportas da represa que acabou alagando Franco da Rocha poderia se transformar em um problema para a Sabesp (SBSP3) no futuro. “A empresa disse que não tinha alternativa, porque a represa ia transbordar. Mas tem uma série de outras coisas que podem ser levantadas juridicamente ou politicamente – porque não foi feito antes, por exemplo?”, questiona o analista.

A empresa poderia, então, acabar encontrando uma restrição jurídica ou política à frente, que pode incorrer em um custo não recorrente – no caso de ser obrigada a pagar uma indenização para a prefeitura da cidade, por exemplo.

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“Mas isso foge do operacional das empresas, é um evento específico”, diz Camillo, que não espera um impacto significativo nos papéis.

Uma exceção
Uma exceção ao cenário, de certo modo, é a Haga (HAGA4), que enviou recentemente um comunicado ao mercado sobre a interrupção de suas operações.

A empresa afirmou que suas instalações foram atingidas pela catástrofe ocorrida em Nova Friburgo na madrugada do dia 11 de janeiro”, mas já estavam sendo retomadas. “Os sistemas de dados foram preservados, o fornecimento de energia elétrica, água e de suprimentos básicos estão restabelecidos”, escreveu a companhia, destacando que os equipamentos têm condições de recuperação e os estoques estão viabilizados.

A expectativa, segundo a Haga, era que em 15 dias (contados a partir de 17 de janeiro) a recuperação fosse total, após esforços para minimizar os prejuízos.

Austrália e a Vale
As chuvas de verão, cabe lembrar, não assolam somente o Brasil. Na Austrália, cidades importantes, como Brisbaine, também se veem debaixo d’água. Com isso, as mineradoras australianas – principais concorrentes da Vale (VALE3, VALE5) – devem registrar uma queda na produção, limitando ainda mais a oferta no mercado de minério de ferro e especialmente no de carvão.

As minas de carvão de Queensland, região mais afetada pelas chuvas por lá, fornecem cerca de dois terços do carvão mais caro do mercado global, e segundo especialistas, não devem retomar sua produção normal nos próximos três meses. Marian Hookham, da Energy Publishing’s Australian Company, afirmou à Dow Jones que seis milhões de toneladas de carvão coque foram perdidas apenas no início de janeiro. Segundo analistas de commodities consultados pela Dow Jones, os contratos trimestrais de carvão coque poderiam atingir US$ 308 a tonelada para o segundo trimestre desde ano, com os preços no mercado spot ultrapassando US$ 400 a tonelada.

A Rio Tinto, que também tem operações na Austrália, também já vê reflexos das enchentes no país. Na última semana, a empresa anunciou que o fornecimento de alumínio estava comprometido em algumas regiões, já que acessos ferroviários, portuários e rodoviários estavam bloqueados. A empresa não deu estimativas do tamanho do impacto ou sua duração.

Tudo isso pode acabar sendo positivo para a Vale, que não teve interrupções em sua produção ou logística devido às chuvas no Brasil. “Se as chuvas na Austrália continuarem, isso pode se refletir nos preços, mas para o segundo trimestre”, explica Martins, frisando que o impacto deve ser limitado.

O sistema de precificação do minério de ferro, vale lembrar, é trimestral, baseado no preço da commodity no mercado à vista nos três meses anteriores. Assim, mesmo que os volumes realmente recuem em janeiro, impulsionando os preços, eles podem ser compensados no próximo mês. “[A situação] pode se refletir no spot, mas o impacto no contrato trimestral deve ser reduzido”, diz o analista da Planner.

Ademais, a Ativa lembrou recentemente que interrupções na oferta de minério no mercado externo têm pouco impacto nas exportações brasileiras da commodity, já que a produção por aqui encontra-se próxima do seu limite de capacidade.

Doações em massa
Um efeito comum em diversas grandes empresas foi a mobilização para prestar assistência às áreas afetadas, em especial o Rio de Janeiro. Os três grandes bancos do País, por exemplo, lançaram iniciativas de ajuda ao estado.

O Itaú Unibanco (ITUB4) se comprometeu a doar R$ 1 milhão à região e agilizou as indenizações de clientes com seguros que tenham sido atingidos pelas chuvas. O Bradesco (BBDC4) abriu uma conta corrente para doações, enquanto o Banco do Brasil (BBAS3) estendeu prazos de empréstimo, suspendeu por até seis meses as cobranças de determinadas operações de micro e pequenas empresas, entre outros.

Já a Vale está recolhendo doações (tanto em dinheiro quanto em produtos diversos, como roupas e alimentos) entre seus funcionários, assumindo o compromisso de doar R$ 2 a cada R$ 1 depositado na conta aberta com esse fim. A empresa também articulou, em conjunto com sua rede de fornecedores, equipamentos pesados para a ajuda à região, entre outras ações, como a distribuição de vacinas e pastilhas de purificação de água.

No mesmo sentido, a Petrobras (PETR3, PETR4) disponibilizou um helicóptero e caminhões para a assistência à região serrana do Rio de Janeiro, além de doações de gasolina, gás, colchonetes e alimentos.

Em iniciativa semelhante, a BHP Billiton confirmou uma doação adicional de AUS$ 1 milhão para iniciativas de assistência à região de Queensland, e dobrará as doações de seus empregados. A mineradora já havia destinado 300 mil para ajuda de emergência às comunidades locais.