Analistas brasileiros estão com excesso de otimismo ou em negação, diz professor do Insper

Guerra comercial, Brexit, crise do petróleo e outros fatores mostram que não dá para acreditar no Brasil sem ser pela óptica da "ilha de prosperidade"

Ricardo Bomfim

Roberto Dumas Damas (Crédito: Divulgação)
Roberto Dumas Damas (Crédito: Divulgação)

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SÃO PAULO – Guerra comercial, possibilidade de conflito no Oriente Médio, crise na Argentina, Brexit, desaceleração da economia global, inversão das curvas de juros nos Estados Unidos e ações americanas com os múltiplos mais esticados da história.

Com todas essas notícias negativas, o economista Roberto Dumas Damas, professor do Insper, diz estar perplexo com o otimismo que impera entre analistas e economistas brasileiros. “O brasileiro está com excesso de otimismo ou em princípio de negação”, afirma.

Para Dumas, aquilo que é citado como principal motivo para as análises de que a Bolsa continuará a subir, a reforma da Previdência, é uma notícia velha, que já não faz mais preço como antes.

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“A reforma da Previdência está no preço. Vamos tomar uma pancada tão forte do exterior que não tem por que estar contente. Existem focos de incêndio no mundo inteiro. Por acaso alguém acha que o Brasil será uma ilha de prosperidade?”, questiona.

Dumas acredita que a guerra comercial tem tudo para continuar a gerar volatilidade nos mercados, pois questões estruturais da política chinesa impedem que o país ceda facilmente às exigências do governo americano.

Não bastasse isso, a recém surgida crise no Oriente Médio pode levar o petróleo a patamares bem acima dos atuais, o que não só bateria na inflação como também colocaria em conflito novamente a política de preços da Petrobras com os interesses dos caminhoneiros que compõem a base de sustentação do governo do presidente Jair Bolsonaro.

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Roberto Dumas Damas trabalhou no UBS, Citigroup, Lloyds Bank e Itaú BBA. De 2007 a 2011 representou o maior banco privado brasileiro em Xangai e em 2016 e 2017 atuou no banco dos BRICS também na metrópole asiática. Ele é autor do livro “Economia Chinesa: Transformações, Rumos e Necessidade de Rebalanceamento do Modelo Econômico da China”.

Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em economia chinesa pela Universidade de Fudan (China), graduado e pós-graduado em administração e economia de empresas pela FGV e analista financeiro certificado pelo CFA Institute (EUA).

Confira a entrevista com o economista do Insper:

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InfoMoney: Sabemos que a guerra comercial entre EUA e China é o tema que mais tem pressionado os mercados atualmente. Até onde os dois países podem levar essas tensões antes que se atinja um acordo?

Roberto Dumas Damas: Pode se estender muito.

Na realidade, a guerra comercial começou com esse caráter de comércio exterior, mas evoluiu para uma guerra de propriedade intelectual. O problema não é mais apenas sobre soja e aço.

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Os EUA sempre alegaram que a China rouba propriedade intelectual e empresas do país, já que as companhias que entram na China precisam abrir mão de suas patentes.

IM: Quando começou esse conflito?

Roberto Dumas: Depois do massacre na Praça da Paz Celestial, discutiu-se muito sobre o que seria a China a partir daí. O grande [político reformista] Deng Xiaoping foi levado ao ostracismo.

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Contudo, quando caiu a União Soviética, Xiaoping foi ao [Partido Comunista Chinês] PCC e fez o chamado Grande Acordo. Ele consistiu em: manter o PCC com o poder para sempre, desde que houvesse a continuidade das reformas econômicas pregadas por Xiaoping com a implementação gradual da meritocracia na sociedade.

Num passo seguinte, Deng perguntou se o Exército da Libertação do Povo aceitaria as reformas. Os militares chineses aceitaram, sob a condição de que fossem mantidos sempre como um exército forte e com participação nas empresas chinesas. Esse é, no âmago, o problema da Huawei.

Tirar o exército e o PCC das empresas privadas não vai ocorrer. Então essa guerra comercial vai continuar por muito tempo. Os chineses não estão loucos por um acordo como alega o [presidente americano Donald] Trump.

IM: E quem perde com essa briga?

Roberto Dumas: Os dois perdem. A China não vai perder menos, porque os EUA podem obrigar suas empresas que operam lá a se mudarem para Camboja, Vietnã, Laos e outros.

Mas os EUA também não vão ganhar muito, porque essas companhias não vão voltar para o país. Na prática, Trump está trocando um déficit com a China por um déficit com Vietnã, Laos e Camboja. Quem vai pagar essas taxas de importação que os EUA anunciam o tempo todo será o consumidor americano.

Além disso, a incerteza sobre o que vai acontecer nessa guerra comercial é ruim para os investimentos. Em uma semana são anunciadas tarifas de 25%, depois de 30%, e em seguida são postergadas as medidas. Qual é a vontade do empresário investir se o cenário muda completamente de um dia para outro?

IM: Você vê outros riscos globais aos investimento além da guerra comercial?

Roberto Dumas: Some esse cenário com o Brexit. Se o Reino Unido sair da União Europeia sem acordo vai haver uma fuga de bancos para outros países. As tarifas das exportações britânicas para a UE sairão de zero para 10% de uma só tacada. Apanha a UE inteira e a zona do euro.

O presidente do [Banco Central Europeu] Mario Draghi já sabe que a zona do euro vai ser afetada, por isso tem anunciado estímulos monetários.

E o Brasil acabou de assinar um acordo Mercosul-União Europeia, assumindo que a Argentina vai continuar aceitando os termos atuais se for eleito o candidato Alberto Fernández, que é kirchnerista.

Se a UE estiver menor por causa do Brexit, vão cair os US$ 42 bilhões que o Brasil exporta para o bloco anualmente. O comércio internacional brasileiro com a Europa é forte. Se houver um solavanco lá, vamos sofrer também.

Se a Cristina Kirchner e o Fernández não quiserem ficar no acordo atual, a Argentina sai. Nessa hora, o [presidente francês, Emmanuel] Macron vai mandar parar as máquinas e recomeçar as discussões, porque ele também não está feliz com esses termos.

Aí vem os yields [rendimentos das taxas de juros dos títulos americanos] invertidos há mais de 100 dias. Toda vez que essas taxas ficaram invertidas [a note com vencimento em três meses em relação à de dez anos] houve recessão nos EUA.

Uma recessão seria particularmente devastadora para uma bolsa de valores como a de Nova York, na qual as ações operam com um [múltiplo] P/E [valor de mercado da empresa dividido lucro da companhia] em 33 vezes.

As empresas norte-americanas nunca estiveram tão alavancadas. Porém, curiosamente, quando analisamos o Capex [investimento em bens de capital], é possível perceber que o investimento está caindo.

O que mais ocorre são empresas que recompram ações. Tomam dinheiro a custo baixo e investem no mercado financeiro. Se o dividend yield [dividendo por ação dividido pelo preço de cada ação] cair, isso deixa de fazer sentido.

É uma operação conhecida como share buyback, em que a empresa recompra a ação e põe em Tesouraria. Se for confirmada a recessão indicada pelos yields inversos dos treasuries, haverá um sell-off [grande venda de ativos de renda variável como ações] entre outubro e primeiro trimestre.

Tem ainda o problema do petróleo [que disparou mais de 15% depois que drones bombardearam uma estação de processamento da Saudi Aramco na Arábia Saudita], que por enquanto pode ser eclipsado por um aumento da produção da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], mas se realmente houver um conflito no Oriente Médio, a situação muda de figura.

A Petrobras vai puxar o preço de acordo com o mercado internacional até quando?

IM: O senhor acredita que podem ocorrer novas intervenções políticas na gestão da estatal?

Roberto Dumas: O caminhoneiro vive uma realidade em que a frota de veículos de carga aumentou 40% enquanto o PIB [Produto Interno Bruto] cresceu só 9%.

Aquela tabela de frete imposta pelo [ex-presidente Michel] Temer foi acima do preço de equilíbrio do mercado. Em microeconomia básica isso significa excesso de oferta. O que pode piorar ainda mais se aumentarem as frotas particulares dos empresários que não querem ficar reféns dos caminhoneiros.

A última vez que teve ameaça de greve, o Bolsonaro ofereceu mais crédito e descanso nas estradas para o caminhoneiro. Vai dar o que agora? Esse vento de proa começa em novembro e não passa do primeiro trimestre do ano que vem.

IM: Qual é o seu diagnóstico para todo esse cenário de riscos e incertezas?

Roberto Dumas: O analista brasileiro está com excesso de otimismo ou em princípio de negação.

Tem gente que ainda foca na história da reforma da Previdência. A reforma está no preço. Vamos tomar uma pancada tão forte do exterior que não tem por que estar tão contente assim. Existem focos de incêndio no mundo inteiro.

Alguém acredita que o Brasil será uma ilha de prosperidade em um mundo combalido? Os números estão gritando. O dólar depreciou, não vai ter enxurrada de dinheiro para cá para o investidor se proteger da crise global. É o contrário, esse dinheiro vai fugir de emergentes.

Até mesmo na parte geopolítica as tensões aumentaram. O Trump se abraçou com o [ditador da Coreia do Norte] Kim Jong-Un no ano passado, mas o Kim lançou três mísseis de teste por cima do Japão recentemente. Isso não é sem motivo.

A Coreia do Norte é o contraponto bélico nessa guerra comercial entre EUA e China. Na Ásia, quem manda é a China, porque são eles que alimentam o povo norte-coreano.

IM: Qual é o principal risco de todos que o senhor elencou?

Roberto Dumas: De longe é o share buyback das ações americanas. Se ocorrer um sell-off, o crédito das empresas irá despencar.

IM: Para quando o senhor prevê que todos esses problemas vão começar a bater nos preços de ações?

Roberto Dumas: Eu acredito que entre novembro e o primeiro trimestre de 2020. Todos os ativos vão sofrer. O primeiro a se mexer em um cenário desalentador é o bond [o título do tesouro americano], porque é o ativo que tem mais liquidez, assim como as moedas, depois vem a Bolsa.

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.