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27 de junho de 2024. Cerca de um ano e cinco meses depois do fatídico comunicado que trouxe à luz para o mercado uma verdadeira mudança para a história da Americanas (AMER3), a saga pós-fraude contábil da varejista ganhou mais um capítulo com a deflagração da Operação Disclosure, da Polícia Federal.
A operação, que investiga fraude contábil no montante citado de R$ 25,3 bilhões e contou com 2 mandados de prisão preventiva e 15 mandados de busca e apreensão, incluindo contra o ex-CEO Miguel Gutierrez, faz com que o mercado retorne ao dia 11 de janeiro de 2023, mais precisamente às 18h32 (horário de Brasília).
Naquele momento, em que a Americanas arquivou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fato relevante levando a público inconsistências contábeis bilionárias, a história da varejista mudou completamente.
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De uma empresa que sofria dificuldades como o setor em geral, mas que tinha cobertura de analistas e havia projeções positivas com uma nova gestão, passou a sofrer escrutínio do mercado, viu suas ações derreterem, impactou o mercado de crédito, levou a muitas dúvidas sobre a governança corporativa e agora é pouco acompanhada por especialistas do setor, que ainda veem um futuro bastante incerto para a varejista.
Abaixo, relembramos os principais eventos da Americanas durante o período:
O que aconteceu com a Americanas?
Na noite do dia 11 de janeiro de 2023, a Americanas comunicou inconsistências contábeis no valor até então de R$ 20 bilhões. No mesmo dia, os recém chegados CEO Sergio Rial e o CFO André Covre renunciaram aos cargos. Já no dia seguinte ao comunicado (12), as ações caíram 77%, passando de R$ 12 para R$ 2,72 e perdendo R$ 8,34 bilhões de valor de mercado, já com a percepção de que a companhia enfrentaria muitas dificuldades por conta do rombo. No dia 19 de janeiro do ano passado, a varejista oficializou o seu pedido de recuperação judicial, sendo excluída de 14 índices da B3. No dia 20, a ação chegou a R$ 0,79, virando uma penny stock. Desde então, a queda é de 97%, com os ativos fechando a sessão da última quarta-feira a R$ 0,40 e com a empresa valendo R$ 361 milhões. A companhia aprovou em maio o grupamento de ações na proporção de 100 para 1, mas que será válido a partir de 17 de julho.
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As inconsistências contábeis ocorreram uma vez que o “risco sacado não era lançado como dívida”, ou seja, a dívida da companhia era muito maior. O risco sacado (ou confirming, forfait e desconto de títulos) é uma operação de antecipação de valores que os fornecedores, normalmente de grandes companhias, têm a receber. Como muitas operações de venda para varejistas e indústrias significam pagamentos de 30, 90 ou até 180 dias, esses fornecedores acabam por antecipar os recebíveis com os bancos, que assumem o papel de credor da indústria ou varejista compradora.
Para apurar as inconsistências, chegou a ser instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados, sendo que a própria Americanas disse ter indícios de que uma fraude no resultado tenha ocorrido, e citou nominalmente alguns ex-diretores, mas não houve imputação aos responsáveis pelo rombo na ocasião. Em novembro do ano passado, o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho, disse que o que ocorreu na Americanas foi um processo de fraude “complexo” e “engenhoso”, alimentado por “feudos” dentro da organização – ou seja, grupos de executivos dentro do organograma corporativo da varejista, com o tamanho total apurado totalizando R$ 22,5 bilhões.
Já nesta quinta, a Polícia Federal deflagrou a operação trazendo novos desdobramentos sobre o caso. Na investigação, foi constatado que a fraude maquiou os resultados financeiros do conglomerado a fim de demonstrar um falso aumento de caixa e consequentemente valorizar artificialmente os papéis de Americanas na bolsa. Com esses números manipulados, segundo a PF, os executivos recebiam bônus milionários por desempenho e tinham lucros ao vender as ações infladas no mercado financeiro.
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Desta forma, foram identificados vários crimes, como manipulação de mercado, uso de informação privilegiada (ou insider trading), associação criminosa e lavagem de dinheiro. Se forem condenados, os alvos poderão pegar até 26 anos de prisão.
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Quais as lições que o mercado teve após esse acontecimento?
Sandra Peres, diretora de relações com empresas da APIMEC Brasil, destacou em avaliação em janeiro, quando fez 1 ano do caso Americanas, que “todo escândalo que gere uma certa fragilidade no mercado tende a chamar a atenção e acende um sinal vermelho quanto a possíveis mudanças em torno de afugentar ou prevenir novos problemas. Certamente, se não ocorrerem alterações ou mudanças nos termos de regulação ou governança a partir desse evento, os investidores e o mercado como um todo deverão ficar mais atentos a esse ponto durante as análises das empresas”, avaliou.
Já Thiago Figueiredo, gestor e diretor de investimentos da Intrabank, apontou que, no caso da Americanas, houve uma melhora por parte de auditores e analistas de mercado na análise das operações de crédito entre empresas e fornecedores. “A operação sacado sempre existiu, mas graças um evento destas proporções, o mercado hoje está mais preparado para analisar o impacto desta operação dentro dos balanços das empresas”, avaliou. Breno Miranda, presidente do Instituto Brasileiro da Insolvência, apontou que as empresas de auditoria passarão a ser mais rigorosas na verificação dos dados e informações das empresas, com um filtro das auditorias de maior confiabilidade.
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Qual a situação atual da companhia?
A companhia divulgou em meados de junho resultados preliminares não auditados do primeiro trimestre deste ano, contabilizando receita líquida de R$ 3,76 bilhões ante R$ 3,63 bilhões divulgados anteriormente para o mesmo período de 2023.
Já o resultado operacional medido pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) “ajustado” positivo de R$ 284 milhões de reais nos três primeiros meses deste ano.
A empresa não divulgou números comparativos para o Ebitda e ainda afirmou que o dado “exclui despesas relativas à recuperação judicial e investigação, ‘impairment’; baixas de ativos e haircut/desconto em contingências e em fornecedores por conta da aprovação do plano de recuperação”.
Segundo a Americanas, com o desconto na dívida bilionária da companhia com credores – o chamado “haircut” – o resultado do terceiro trimestre deste ano deve trazer um “montante relevante” de ganho à empresa que deverá ser “suficiente para reverter” o atual patrimônio líquido negativo.
Houve melhora da rentabilidade da varejista no primeiro trimestre, mas acompanhado de um forte recuo nas vendas do comércio eletrônico e cenário de cautela para o varejo no Brasil, segundo destacaram os analistas da XP Investimentos na ocasião. Pelos dados apresentados, essa melhora da rentabilidade é justificada por fatores sazonais e também pelo avanço do processo de recuperação judicial da empresa. No primeiro trimestre de 2023, a margem bruta ficou em 33,7%, alta de nove pontos percentuais em relação a igual período do ano passado. Ao mesmo tempo que melhorou as margens, a empresa registrou um forte recuo da receita líquida em 2023, com uma pequena recuperação, de 4%, no primeiro trimestre de 2024. Para a XP, isso se deve à redução das vendas no marketplace.
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Para os analistas da XP, a Americanas tem apresentado uma política de preços mais racional, ante uma atuação mais agressiva no período anterior à recuperação judicial. A ação da empresa, no entanto, segue sob revisão da equipe, como é o caso de várias outras casas de análise que mantém a ação sob revisão.
“Apesar da estratégia de precificação mais racional da Americanas e da taxação dos players internacionais contribuírem para o cenário competitivo do e-commerce, continuamos cautelosos com o setor, dado o macro desafiador na demanda e um ambiente competitivo ainda acirrado, com um novo player chinês chegando no Brasil (Temu, que iniciou operações no Brasil)”, concluíram na ocasião.
Cabe ressaltar que, após muitas idas e vindas, a companhia teve o seu plano de RJ aprovado no apagar das luzes de 2023. Já em maio, junto com o grupamento de ações na proporção de 100 para 1, os acionistas aprovaram aumento de capital social no valor mínimo de R$ 12,3 bilhões com emissão de ao menos 9,4 bilhões de novas ações, enquanto o valor máximo soma R$ 40,7 bilhões, e emissão de até 31,3 bilhões de ações, segundo o documento. O preço de emissão é de R$ 1,30 por papel.
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(com Reuters)