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11 de janeiro de 2023, 18h32. Naquele momento, em que a Americanas (AMER3) arquivou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fato relevante levando a público inconsistências contábeis bilionárias, a história da varejista mudou completamente.
De uma empresa que sofria dificuldades como o setor em geral, mas que tinha cobertura de analistas e havia projeções positivas com uma nova gestão, ela passou a sofrer escrutínio do mercado, viu suas ações derreterem, impactou o mercado de crédito, levou a muitas dúvidas sobre a governança corporativa e agora é pouco acompanhada por especialistas do setor, que ainda veem um futuro bastante incerto para a varejista. Abaixo, relembramos os principais eventos neste último ano de Americanas em seis perguntas e respostas e também o que esperar para as ações. Confira:
- O que desencadeou a crise na Americanas?
Na noite do dia 11 de janeiro de 2023, a Americanas comunicou inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões. No mesmo dia, os recém chegados CEO Sergio Rial e o CFO André Covre renunciaram aos cargos. Já no dia seguinte ao comunicado (12), as ações caíram 77%, passando de R$ 12 para R$ 2,72 e perdendo R$ 8,34 bilhões de valor de mercado, já com a percepção de que a companhia enfrentaria muitas dificuldades por conta do rombo. No dia 19 de janeiro do ano passado, a varejista oficializou o seu pedido de recuperação judicial, sendo excluída de 14 índices da B3. No dia 20, a ação chegou a R$ 0,79, virando uma penny stock. Em um ano, a queda é de 93%, com os ativos fechando a sessão da última quarta-feira a R$ 0,84 e valendo R$ 776 milhões.
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Confira o gráfico que ilustra a queda das ações em um ano:
As inconsistências contábeis ocorreram uma vez que o “risco sacado não era lançado como dívida”, ou seja, a dívida da companhia era muito maior. O risco sacado (ou confirming, forfait e desconto de títulos) é uma operação de antecipação de valores que os fornecedores, normalmente de grandes companhias, têm a receber. Como muitas operações de venda para varejistas e indústrias significam pagamentos de 30, 90 ou até 180 dias, esses fornecedores acabam por antecipar os recebíveis com os bancos, que assumem o papel de credor da indústria ou varejista compradora.
Para apurar as inconsistências, chegou a ser instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados, sendo que a própria Americanas disse ter indícios de que uma fraude no resultado tenha ocorrido, e citou nominalmente alguns ex-diretores, mas não houve imputação aos responsáveis pelo rombo na ocasião. Em novembro, o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho, disse que o que ocorreu na Americanas foi um processo de fraude “complexo” e “engenhoso”, alimentado por “feudos” dentro da organização – ou seja, grupos de executivos dentro do organograma corporativo da varejista, com o tamanho total apurado totalizando R$ 22,5 bilhões.
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2. Quais as lições que o mercado teve após esse acontecimento?
“Todo escândalo que gere uma certa fragilidade no mercado tende a chamar a atenção e acende um sinal vermelho quanto a possíveis mudanças em torno de afugentar ou prevenir novos problemas. Certamente, se não ocorrerem alterações ou mudanças nos termos de regulação ou governança a partir desse evento, os investidores e o mercado como um todo deverão ficar mais atentos a esse ponto durante as análises das empresas”, avalia Sandra Peres, diretora de relações com empresas da APIMEC Brasil.
Para Thiago Figueiredo, gestor e diretor de investimentos da Intrabank, no caso da Americanas, houve uma melhora por parte de auditores e analistas de mercado na análise das operações de crédito entre empresas e fornecedores. “A operação sacado sempre existiu, mas graças um evento destas proporções, o mercado hoje está mais preparado para analisar o impacto desta operação dentro dos balanços das empresas”, avalia. Breno Miranda, presidente do Instituto Brasileiro da Insolvência, vê que as empresas de auditoria passarão a ser mais rigorosas na verificação dos dados e informações das empresas, com um filtro das auditorias de maior confiabilidade.
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3. Quais os próximos passos após a aprovação do plano de recuperação judicial da companhia?
Após muitas idas e vindas, a companhia teve o seu plano de RJ aprovado no apagar das luzes de 2023. Com a aprovação, a empresa receberá uma capitalização de R$ 24 bilhões, composta por um aporte de R$ 12 bilhões dos acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, e outros R$ 12 bilhões resultantes da conversão de dívidas em capital próprio por parte dos credores financeiros, majoritariamente bancos, que apoiaram o plano. A emissão das novas ações seguirá o critério de 1,33 vez o preço médio ponderado pelo volume de negociação nos últimos 60 dias, resultando em um valor de conversão de R$ 1,30, considerando a aprovação do plano ontem. Adicionalmente, será oferecido um bônus de subscrição para cada três ações emitidas. O plano da Americanas ainda contempla a possibilidade de vender as operações de varejo digital e da Ame, instituição de pagamento utilizada no e-commerce.
4. Qual o tamanho da empresa hoje?
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De acordo com o último relatório do administrador judicial, divulgado no início de dezembro, o número total de lojas era de 1.759, correspondendo a 93,4% do período anterior ao deferimento da recuperação judicial. O número total de funcionários da Americanas era de 33.861, ante 43,2 mil em janeiro de 2023, mas a empresa diz que a redução líquida é de 5 mil empregados ao excluir os efeitos típicos sazonais do varejo, que contrata funcionários temporários no fim do ano.
5. A empresa conseguirá atingir suas metas para 2025?
A Americanas reapresentou seus resultados e demonstrações financeiras de 2021 e 2022 em meados de novembro de 2023, reportando um prejuízo de R$ 6,2 bilhões em 2021, enquanto 2022 terminou com prejuízo de R$ 12,9 bilhões. O lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) de 2021 foi para R$ 3,4 bilhões negativos e o de 2022 ficou negativo em R$ 6,2 bilhões. Junto com a apresentação dos números de 2021 e 2022, a companhia revelou as previsões para 2025, que incluem Ebitda de mais de R$ 2,2 bilhões, com uma alavancagem medida pela relação dívida líquida/Ebitda menor de 0,75 vez. Também projeta reduzir drasticamente sua dívida bruta para algo em torno de R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão, ou seja, uma forte redução de até 97%. A empresa é agora uma rede de varejo mais enxuta, que aposta nas lojas físicas para sobreviver.
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Analistas veem as metas da varejista com cautela. Enquanto Sandra Peres vê que há vários desafios para que a companhia atinja as suas projeções para 2025, Breno Miranda avalia que, diante do cenário do varejo, mesmo com o plano de equalização de passivo tendo sido aprovado, ainda mostra-se precoce ao mercado como um todo afirmar se alcançará a projeção estimada. “Certamente dependerá de novas estratégias de negócios e de imagem”, aponta.
6. Cenário macroeconômico pode beneficiar a companhia em 2024 ou cenário seguirá desafiador? Qual a situação das concorrentes?
2023 foi especialmente difícil para a Americanas, mas também para o setor em geral, em meio a um cenário macro desafiador de juros altos nos últimos anos, somado ao aumento da concorrência com o fortalecimento de estrangeiras no mercado. “O cenário continua bastante desafiador, não só para a Americanas, mas para todo o setor. O início do corte de juros pode ajudar nesse cenário; no entanto, mesmo com esse alívio, a persistência de juros elevados continua sendo um desafio para os consumidores e os varejistas”, avalia Sandra Peres.
A analista ressalta que, mesmo com as dificuldades da Americanas, as empresas de varejo interno não vêm absorvendo talvez a demanda não atendida por ela. Levando em conta que as empresas vêm tentando melhorar suas margens, a dificuldade está em rentabilizar as lojas físicas, já que o faturamento vem enfrentando problemas devido à dificuldade do cenário macroeconômico e também a questões de outras companhias como Magazine Luiza (MGLU3) e Casas Bahia (BHIA3). Dessa forma, mesmo com a Americanas vendo sua participação nas vendas online cair de 13% no fim de 2022 para 4,3% no pior momento de 2023, grande parte dessa demanda está indo principalmente para as companhias estrangeiras, como a Amazon e o Mercado Livre, aponta.
7. Vale a pena comprar ações?
A companhia dará seus próximos passos com a aprovação do plano de recuperação judicial para a reestruturação de suas dívidas e equacionamento de suas operações. Contudo, analistas de mercado seguem bastante cautelosos e não recomendam exposição aos papéis. Cabe destacar ainda que, com as grandes incertezas sobre o ativo, diversos bancos não acompanham mais AMER3 ou estão com os ativos sob revisão, à espera de mais clareza sobre o futuro da companhia.
“Apesar dos passos importantes dados pela Americanas nos últimos meses, existem riscos elevados relacionados à reestruturação operacional, além de um cenário macroeconômico desafiador para o segmento de e-commerce, e uma competição bastante acirrada com players estrangeiros. Tais fatores devem continuar impactando fortemente o ativo, que já está bastante volátil, de modo que mantemos nossa cobertura de AMER3 em revisão”, avalia a Levante Corp. Para Sandra Peres, mesmo com seu plano de recuperação judicial aprovado, ela precisa provar trimestre por trimestre a melhora de seus resultados, revertendo sua situação mesmo após ter fechado diversas lojas e com expectativa de venda de alguns ativos. Desta forma, os riscos continuam muito elevados em relação a um possível retorno.
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