SÃO PAULO — A pandemia de coronavírus atingiu negativamente todos os setores da Bolsa, sem exceção. Mas alguns deles foram mais prejudicados pelas medidas de isolamento social determinadas pelos governos estaduais.
O setor de aluguel de carros foi um deles. Embora parte das receitas das locadoras venha de contratos de aluguéis fixos de frotas, que são de longo prazo e em sua maioria foram mantidos, o segmento de aluguéis de curto prazo para pessoas físicas foi bastante impactado, assim como o de aluguel para motoristas de aplicativos de mobilidade.
As ações da Localiza (RENT3), maior empresa do setor na Bolsa, acumulam queda de 15% em 2020. Isso porque elas se recuperaram em abril e maio do tombo de 46,8% sofrido em março, quando o período de quarentena pela Covid-19 começou no Brasil.
Já a Movida (MOVI3), a mais nova do setor na B3, vê suas ações caírem 31% em 2020. Elas também se recuperaram em abril e maio, depois de terem despencado 55% em março. Desde o IPO, em 2017, os papéis sobem 79%.
A terceira representante do setor na Bolsa é a Unidas, da Locamerica (LCAM3). Os papéis da companhia amargam perda de 26,7% neste ano. Apenas em março, eles tiveram desvalorização de 50,9%, mas depois subiram 28,4% nos meses de abril e maio.
Mesmo com a retomada recente, a avaliação de analistas ouvidos pelo InfoMoney é de que essas ações continuam atraentes, já que as companhias estão capitalizadas para enfrentar os prejuízos gerados pela pandemia e a expectativa é que a demanda retorne, mesmo que lentamente, com a abertura gradual da economia ao longo do ano.
“Embora o aluguel para o varejo tenha sido prejudicado pela pandemia, as empresas também fazem gestão de frotas para outras companhias. É uma parte mais relevante e resiliente do negócio, que foi pouco atingida”, disse Carlos Daltozo, head de renda variável da Eleven.
Para ele, os números do primeiro trimestre de 2020 apresentados pelas empresas recentemente são “uma fotografia de um jornal velho”, já que abrangem apenas 15 dias de quarentena. “Os balanços do segundo trimestre vão ser muito piores”, afirmou.
Entre janeiro e março deste ano, a Localiza conseguiu expandir em dois dígitos sua receita líquida e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), a despeito da Covid-19. O lucro líquido subiu 9,5% sobre o mesmo período de 2019. Do lado negativo, o desempenho mais fraco da venda de seminovos reduziu o retorno sobre o capital investido (ROIC).
A Unidas (Locamerica) também registrou avanço anual de dois dígitos na receita líquida, com crescimento de 8% do Ebitda, mas queda de 3,5% no lucro líquido do período. Assim como a Localiza, o ROIC também foi um ponto negativo dos números, afetado pelo aumento da depreciação (venda de seminovos por um valor mais baixo).
Enquanto isso, a Movida teve prejuízo nos três primeiros meses de 2020, de R$ 114,4 milhões. O lucro líquido ajustado foi de R$ 55 milhões. A empresa teve aumento de dois dígitos tanto na receita líquida quanto no Ebitda, com crescimento também expressivo de seminovos.
“A Movida foi a única a fazer um impairment (depreciação) dos seus estoques de veículos, isso trouxe um impacto no resultado trimestral. Ela já precificou seu estoque de veículos em um patamar de 5% a 10% menor do que era antes”, explicou Daltozo.
Na avaliação do head da Eleven, tanto a Movida quanto a Unidas vinham tentando “correr atrás” do forte desempenho da Localiza, líder no setor. “A Movida conseguiu atingir um novo patamar em sua unidade de seminovos e está mais descontada em relação às outras.”
Por esse motivo, Daltozo disse que, apesar de a Eleven ter recomendação de compra para as ações das três empresas, sua preferida no setor seria as da Movida. O risco, segundo ele, é um prolongamento muito maior do que o esperado para o tempo de fechamento da economia.
“É uma crise de saúde pública. É diferente das demais [crises que já passamos]. Temos visto muitas soluções na base de tentativa e erro. Alguns lugares estão liberando o isolamento parcialmente, mas a curva de infecções do novo coronavírus ainda está subindo”, disse.
“Os consumidores quando voltarem não vão consumir serviços na mesma intensidade que antes. Mas ainda é muito cedo para precificarmos o mundo no pós-pandemia. Vai haver mudança, mas ninguém sabe ao certo qual mudança será. O mercado exagerou em algumas companhias de capital aberto”, concluiu.
O percentual da frota utilizada das companhias, segundo Eduardo Guimarães, da Levante Investimentos, reduziu bastante com a pandemia de coronavírus — passou de cerca de 75% a 80% para perto de 50%. Ele concorda que o pior ficou para abril, o que deve ser refletido em balanços ruins no segundo trimestre.
“Mesmo assim, eu acredito que o pior já tenha passado. São empresas muito bem capitalizadas. A Movida fez oferta de ações recentemente. Elas não têm dívidas expressivas de curto prazo”, disse. “A retomada das ações dessas companhias e da Bolsa em geral desde abril mostra que há uma melhora na percepção de risco no mundo.”
A continuidade dessa alta recente, afirmou o especialista, vai depender da volta da economia. Ele citou como exemplo o fato de cerca de 20% a 25% das operações do setor estarem baseadas em aeroportos e shoppings, que estão com baixíssima ou zero circulação de pessoas atualmente.
Sem abrir qual é o seu papel preferido entre as locadoras de automóveis na B3, Guimarães afirmou, contudo, que a Movida é a que ele menos tem apreço. “Ela é a menor entre as três e, nesse setor, tamanho e escala fazem diferença. Gosto mais da Localiza e da Unidas.”
O analista da Levante citou a compra recente da Zetta pela Unidas, criando uma divisão de veículos especiais, como ambulâncias e viaturas policiais. Apesar de o mercado de aluguel de veículos ser dominado pelas três companhias listadas na B3, ainda há players menores espalhados pelo país e que podem ser alvo de aquisição na crise, segundo ele.
Rogerio Araujo, do UBS, está otimista com as perspectivas de longo prazo para as locadoras de automóveis. O banco elevou sua recomendação para a Unidas de neutra para compra, rebaixando a avaliação da Localiza de compra para neutra. Já sobre a Movida, a visão do UBS segue neutra.
“Os fatores de crescimento para o setor permanecem praticamente intactos, e alguns podem até se fortalecer devido aos efeitos da Covid-19”, disse o analista. Segundo Araujo, no segmento de aluguel de carros, a demanda pode aumentar com as pessoas trocando o transporte público para o maior uso de apps de mobilidade.
Já no segmento de aluguel de frotas, as empresas provavelmente aumentarão a terceirização de veículos, na análise do UBS, que ressaltou que apenas 9% da frota corporativa atual é terceirizada no Brasil, contra uma média de 29% em outros países.
“Além disso, acreditamos que a consolidação provavelmente vai acelerar na divisão de aluguel de frotas, já que pequenos players lutam no ambiente atual e as vantagens competitivas que os grandes players têm em relação aos custos de dívida e descontos no preço dos carros provavelmente terão um peso ainda maior no pós-pandemia”, concluiu.
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