Ação do Magazine Luiza (MGLU3) salta 27% em três pregões em meio à crise na Americanas (AMER3): o que explica movimento?

Visão de ativos descontados e de que empresa pode se beneficiar de uma Americanas enfraquecida levaram à alta das ações, mas cenário é de cautela para setor

Lara Rizério

(Shutterstock)
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Enquanto a Americanas (AMER3) sofre uma grave crise decorrente da “bomba bilionária” em suas contas, que leva a uma derrocada dos seus papéis no acumulado das últimas três sessões, as ações do Magazine Luiza (MGLU3) registraram uma decolada na Bolsa brasileira no período, com uma alta de 27% no mesmo período, saindo de R$ 3,03 para R$ 3,85 entre o fechamento de quarta-feira (11) e a última segunda-feira (16).

As ações da Via (VIIA3), ainda que tenham disparado 10,55% na última segunda, registraram queda na quinta e sexta e acumularam ganhos de apenas 0,77% em três sessões, enquanto o BDR (ativos de empresa com capital aberto no exterior) de Mercado Livre (MELI34) subiu 17,5% no período.

Neste cenário, o que explica a disparada das ações do Magalu?

Cabe destacar que, na quinta-feira, sessão após a Americanas divulgar as inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões, os papéis MGLU3 chegaram a desabar 11,22%, com o temor de que tais inconsistências poderiam se estender a outras companhias. Contudo, os ativos do Magalu fecharam a sessão com ganhos de mais de 5%.

Antes, vale explicar que o rombo bilionário na Americanas tem origem no crédito de risco sacado oriundos de contas a pagar (passivo) com fornecedores. Conforme destaca a Genial Investimentos, a empresa pagava fornecedores com crédito bancário, mas não reconhecia essas transações como dívida bancária/financeira no balanço.” O mais impressionante é que contas a pagar com fornecedor era de apenas R$ 5 bilhões (passivo) no 3T22, bem menor que o rombo de R$ 20 bilhões. A conta estoque (ativo) era de apenas R$ 5,77 bilhões no 3T22, condizente com a conta fornecedor. Ou seja, tudo indica que a empresa pagava fornecedores com crédito e baixava da conta fornecedores e estoque”, avalia a casa de análise.

Na quinta-feira, o próprio Magalu buscou esclarecer em conversas com agentes de mercado durante a sessão que não recorre a financiamentos bancários para pagar fornecedores com prazo adicional. Já a Via divulgou comunicado apontando que todas as suas operações de risco sacado estão registradas nas demonstrações financeiras da companhia em conformidade com as normas internacionais de contabilidade. Isso tranquilizou o mercado em relação a outras companhias no setor após um desconfiança inicial sobre o impacto para as elas.

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Enquanto isso, analistas de mercado acabaram destacando qual o impacto que a Americanas “enfraquecida” poderia ter para as rivais, em um cenário nos últimos anos em que a concorrência acirrada no setor prejudicou a rentabilidade das varejistas.

Cassiano Leme, diretor-presidente da Constância Investimentos. aponta que a expectativa de que o Magalu terá um competidor mais fraco, levando à possibilidade de margens melhores, acabou impulsionando a ação da empresa, que teve forte queda de 62,5% em 2022. A companhia ainda é alvo de bastante cautela dos analistas por conta do cenário macroeconômico, mas é apontada como uma das preferidas do setor depois de Mercado Livre e também apresentou os melhores resultados do terceiro trimestre de 2022 entre as companhias brasileiras.

Olhando para a dinâmica do setor, o Morgan Stanley (que na semana passada colocou a recomendação dos ativos AMER3 em revisão, assim como diversas outras casas) apontou que, após o escândalo contábil, é provável que a Americanas tenha queda na sua participação de mercado (atualmente em 15%) no e-commerce brasileiro. Já o Mercado Livre deve liderar a captura de mercado deixada pela Americanas, enquanto Magalu e Via estão entre os potenciais beneficiários.

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Os analistas apontam que, em call com os investidores na quinta-feira para explicar o cenário, os executivos da Americanas não citaram nenhum impacto para as operações em andamento. “No entanto, vemos riscos potenciais em torno da capacidade de manejar estoque e também na capacidade de investir para o crescimento, especialmente quando se considera a rotatividade da alta administração”, aponta.

Embora pondere que seja cedo para avaliar como as notícias sobre a Americanas podem impactar a dinâmica do setor, o Goldman Sachs aponta que qualquer enfraquecimento ou interrupção do posicionamento competitivo da empresa pode criar oportunidades de participação de mercado para seus principais concorrentes.

“Acreditamos que o negócio de comércio eletrônico 1P (estoque próprio) de cerca de R$ 15 bilhões da Americanas compete mais diretamente com o Magalu e a Via”, aponta o Goldman, ao estimar que cerca de 70% do volume bruto de mercadorias (GMV) de estoque próprio da Americanas esteja em bens duráveis/eletrônicos, o que implica em cerca de R$ 11 bilhões em GMV nessa categoria.

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“Também pode haver exposição à categoria por meio de seu marketplace (3P), mas acreditamos que seja consideravelmente menor (estimamos cerca de 35%)”, apontaram os analistas. Nas lojas físicas da Americanas, os analistas estimam a exposição a bens duráveis em cerca de 25% (principalmente TVs, smartphones e eletrodomésticos portáteis). Isso implicaria em cerca de R$ 23 bilhões em vendas de bens duráveis/eletrônicos.

A decisão liminar obtida na sexta-feira contra o vencimento antecipado de dívidas e as notícias de impasse com os bancos credores acenderam os temores de recuperação judicial na Americanas, o que levou a uma disparada do restante das ações no setor na véspera.

“Na recuperação judicial, as empresas podem continuar operando, mas entram em um processo que acaba resultando em uma reestruturação financeira. (…) Acreditamos que uma recuperação judicial pode acelerar o ritmo em que a Americanas cede participação no e-commerce nacional”, apontou o Morgan posteriormente. O banco reforçou ver o Mercado Livre provavelmente sendo o que capturará a maior participação de mercado deixada pela Americanas, enquanto Magazine Luiza e Via também aparecem entre as potenciais beneficiárias.

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Completando o cenário, na véspera, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse ontem que o governo decidiu não reestabelecer as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para sinalizar compromisso em avançar com a agenda de reforma tributária.

Ao elaborar o pacote de medidas para melhorar o resultado das contas públicas neste ano, Haddad chegou a estudar o aumento das alíquotas do IPI, revertendo o corte de 35% feito pela gestão do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. O retorno do imposto geraria um incremento de R$ 9 bilhões nas contas de 2023, mas a proposta acabou descartada e não entrou no conjunto de ações anunciado na semana passada.

À época do corte do IPI, no início do ano passado, a XP havia destacado Magalu, Via e Natura&Co (NTCO3) como as principais beneficiadas, com a medida devendo levar a menores custos, o que seria repassado para os preços finais para aumentar a demanda ou ser parcialmente incorporado nas margens.

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Assim, as ações do Magalu acabaram se beneficiando no curto prazo com a realocação do mercado dentro do setor varejista mais voltado ao e-commerce. Porém, vale destacar, o cenário segue sendo de cautela para o setor em geral, principalmente por conta do cenário macroeconômico, ainda que haja visão de que os ativos possam estar descontados.

Segundo compilação feita pela Refinitiv com casas de análise, de 14 casas que cobrem MGLU3, cinco recomendam compra e nove manutenção, com preço-alvo médio de R$ 5,06, ainda um potencial de valorização de 31% frente o fechamento da véspera.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.