Ação da Cielo salta 13% com “luz no fim do túnel” após balanço do 4º tri, mas por que os analistas seguem cautelosos?

Empresa teve alta de lucro com estratégia acertada em pequenas e médias empresas e foco em redução de custos, mas desafios estruturais seguem no radar

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A temporada de resultados do quarto trimestre de 2020 começou muito positiva para a Bolsa brasileira, com a Cielo (CIEL3) registrando bons números nos últimos três meses do ano passado e levando a uma disparada das ações. Isso após um 2020 para se esquecer, com os papéis CIEL3 registrando queda de 52%, a quarta maior queda do Ibovespa no período.

Os números vieram bem acima do esperado para a maior empresa de meios de pagamentos do país, com destaque para o lucro líquido, por uma combinação de foco no segmento mais lucrativo de pequenos clientes e uma política de redução de custos. Isso acabou por compensar os efeitos da queda de clientes e os prolongados efeitos da crise gerada pela Covid-19, ainda que a retomada da economia no período tenha ajudado também a impulsionar os dados da empresa.

O lucro líquido atribuído à companhia fechou em R$ 298,2 milhões no trimestre, um crescimento de 34,7%  em relação ao ano passado, totalizando R$ 490,2 milhões para 2020, ainda que 68,3%o inferior ao lucro de 2019 atribuído à empresa. Em termos consolidados, que consideram resultados de outros acionistas, o lucro foi de R$ 362,8 milhões, alta anual de 26,5%. Foi a primeira alta trimestral do lucro da companhia no comparativo anual em dois anos.

A Cielo ainda conseguiu reduzir em 13,5% seus gastos totais no comparativo anual, para R$ 1,077 bilhão. E a ênfase nos segmentos mais rentáveis compensou a queda de 10,8% na base ativa no ano, a 1,406 milhão de clientes. A companhia atribuiu esses números à mudança na política de concessão de subsídios para terminais de captura na modalidade de venda, o que impactou principalmente as afiliações no segmento de empreendedores.

Com tais números, a avaliação foi praticamente unânime de que a empresa voltou finalmente a mostrar porque é uma das mais tradicionais da Bolsa, apesar do recente baque dos ativos. Com isso, os papéis fecharam com disparada de 13,35%, a R$ 4,16, com fortes ganhos durante toda a sessão desta quarta-feira (27) mesmo em uma sessão de volatilidade para o índice.

Se, nos comentários de resultados do segundo trimestre, o Bradesco BBI apontou que a companhia vivia uma tempestade perfeita com números bem abaixo do esperado e perda de participação de mercado, desta vez os analistas Victor Schabbel  e Sofia Viotti destacaram: “há uma luz no fim do túnel – e não é um trem”.

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O Credit Suisse também avaliou que a companhia está na direção certa, reportando fortes resultados e  com o lucro líquido superando o consenso em 47%. A melhoria do resultado final foi consequência de um melhor desempenho nas divisões Cielo Brasil e Cateno, uma vez que o crescimento da TPV, ou ou Volume Total de Pagamentos, mostrou uma nova recuperação e a empresa conseguiu implementar fortes iniciativas de redução de custos no trimestre.

O banco destacou a alta de 8% no volume total de pagamentos da Cateno, frente a alta de 1% no terceiro trimestre. Houve alta de 15% no volume de débitos na comparação anual. Os analistas do banco suíço acreditam que os resultados podem ser um prenúncio de um ano de 2021 melhor para a Cielo, com melhoras nas operações das subsidiárias.

Após o resultado, o Bradesco BBI elevou as estimativas de lucro líquido em 13% para 2021, para R$ 881 milhões, o que corresponde a uma alta de 80% na comparação anual. “Para 2022, deixamos nossas projeções praticamente inalteradas, mas com espaço para uma alta agora”, avaliam. Os analistas apontam que ocorreram nítidas melhorias nos negócios de adquirência e emissão no Brasil.

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“A deterioração nos últimos três anos parece ter atingido um piso, levando-nos a esperar dias melhores daqui para frente. Embora ainda haja algum dever de casa a ser feito, como o desinvestimento da subsidiária americana Me-S, ou Merchant e-Solutions e a melhoria da estrutura corporativa geral da empresa, há sinais claros de que o pior já passou. Estamos, portanto, mais construtivos sobre o caso de investimento neste momento, com a Cielo como a segunda melhor opção, atrás apenas da Stone na área de pagamentos”, apontaram os analistas do BBI.

Durante teleconferência com jornalistas, aliás, a companhia apontou que vai vender alguns ativos não essenciais enquanto aguarda aval do Banco Central para uso do WhatsApp em pagamentos e amplia a oferta de produtos de crédito, como parte da reformulação do negócio para focar em pequenos lojistas.  Posteriormente, Gustavo Sousa, CFO da Cielo, destacou em outra tele que a venda da subsidiária Merchant e-Solutions pode ser avaliada.

Paulo Caffarelli, presidente-executivo da companhia, falou mais sobre a nova estratégia da companhia, destacando que “não há mais como uma empresa de pagamentos se manter no mercado apenas como uma adquirente pura” e apontando que o plano de ampliar produtos de financiamento deve crescer nos próximos meses. Isso após a Cielo ter recebido aval de seus controladores, Bradesco (BBDC3;BBDC4) e Banco do Brasil (BBAS3) para ter uma sociedade de crédito direto.

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Assim, após já ter dobrado o percentual dos clientes de sua base que demandaram antecipação de recebíveis ou outras modalidades empréstimo, para 33% no quarto trimestre, a Cielo pretende elevar esse nível para 40% até o fim de 2021.

O executivo da companhia ainda afirmou acreditar que receberá até junho autorização do Banco Central para uso em pagamentos do WhatsApp, do Facebook.  A parceria anunciada em junho do ano passado foi suspensa pelo BC, que a autorizou inicialmente apenas para testes.

Melhora pontual ou duradoura? Cautela segue no radar

Em meio a boas notícias que estão fazendo o papel saltar, a pergunta que fica é se a melhora é pontual ou se ela realmente veio para ficar. Victor Hasegawa, gestor da Infinity Asset, aponta ter uma visão positiva em meio a maior assertividade da gestão da companhia em pequenas e médias empresas e avaliando que o quarto trimestre de 2020 veio consolidar a expectativa de melhora que já vinha desde novembro. “Atualmente, a posição vendida [dos que apostam na queda da ação] é pequena, indicando que o papel pode voltar a ficar acima de R$ 4 ou até mais perto de R$ 5”, ressalta. Na véspera, as ações fecharam a R$ 3,67.

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De qualquer forma, os desafios seguem no radar, o que faz com que a maior parte das casas de análise que cobre o papel, ainda que tenha ficado mais otimista com o balanço, siga com recomendação neutra para o ativo em meio ao cenário competitivo ainda bastante duro, além de questões societárias pesando sobre a cotação.

Na avaliação do Morgan Stanley, volumes e receitas mostraram a recuperação mesmo com o ambiente desafiador e o  mercado pode recompensar isso no curto prazo. Mas o banco diz ainda avaliar que a Cielo enfrentará desafios significativos.
O Morgan Stanley mantém avaliação em equal weight (perspectiva de valorização dentro da média do mercado), e preço-alvo de R$ 4.

Na avaliação do Credit, o maior risco para a Cielo é o fato de que a concorrência também está se preparando para disputar o mercado. O banco mantém recomendação neutra, com preço-alvo de R$ 4,80. Com um preço-alvo um pouco maior, de R$ 5, o BBI também tem a mesma recomendação, apesar de avaliar que o valuation está ficando cada vez mais atrativo em relação aos pares do setor como Stone e PagSeguro. Além disso, o mercado pode se tornar cada vez mais positivo
sobre o case de investimento, levando em conta venda de ativos.

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Também entre os “neutros” com a ação, o Bank of America avalia que a companhia está na direção correta, mas as tendências operacionais centrais com a operação no Brasil seguem preocupando, com a recuperação dos volumes sendo compensada pela deterioração da receita por volume e dos resultados de antecipação, bem como pela queda da base de clientes. O preço-alvo é de R$ 5,80.

De acordo com dados da Refinitiv, de 15 casas que cobrem o papel, 10 possuem recomendação neutra, 3 de venda e somente 1 de compra, possuindo preço-alvo médio de R$ 4,74, alta de 29,16% em relação ao fechamento de R$ 3,67 da véspera, mostrando que boa parte dos analistas segue cautelosa com o papel, ainda que o atual patamar de preços possa levar a oportunidades.

A Levante Ideias de Investimentos ressalta que o resultado da Cielo se mostrou animador, com melhorias claras frente aos outros trimestres do ano, porém a companhia continua com desafios estruturais ao seu modelo de negócios.

“Apesar de líder, a Cielo vem perdendo participação no mercado consistentemente. Para conseguir se manter competitiva, a companhia teve que ajustar seus preços para baixo sucessivamente nos últimos anos e a receita extraída por volume transacionado (revenue-yield) que chegou a 1,17% no primeiro trimestre de 2017 foi de 0,69% neste trimestre.

Os analistas ainda apontam que o setor de pagamentos está sendo marcado por uma redução das taxas praticadas, tendência vista no mundo inteiro e que é intensificada no Brasil devido a um aumento de concorrência e maior digitalização do mercado.

Para a Levante, contudo, mesmo com um cenário de longo prazo desfavorável, há alguns catalisadores para as ações da companhia. Entre eles, está uma melhora mais acelerada da economia e mais novidades com relação a parceria com o WhatsApp.

Outra questão que segue no radar dos investidores é sobre a notícia de que o BB poderia sair da Cielo, com o Bradesco comprando essa participação. Na véspera, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, destacou a notícia, o que impulsionou uma alta de mais de 7% do papel CIEL3, mas sem dar mais detalhes de como seria a operação.

Assim, apesar da Cielo ter mostrado que a sua estratégia está sendo bem sucedida e que há uma luz no fim do túnel para ela, boa parte do mercado segue cautelosa com a ação.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.