A relação fiduciária entre o investidor e o gestor

É preciso confiança para transferir a um terceiro a responsabilidade de administrar o seu rico e suado dinheirinho

Marcelo Guterman

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Escolher um fundo de investimento pode ser uma tarefa bastante árdua. Ou não. Depende do grau de conhecimento que você tem sobre o funcionamento de um fundo. Quanto menos conhecimento você tem, mais fácil. Mas como assim? Não deveria ser o contrário?

Explico: a maior parte dos investidores considera o fundo de investimento como uma extensão do banco onde possui conta corrente. O fundo é, então, mais um produto financeiro, assim como a caderneta de poupança ou um seguro. Fica fácil, então, escolher: investe-se no fundo onde se mantém a conta corrente.

Mas essa “no-brain decision” torna-se mais complicada na medida em que se tem consciência da responsabilidade que se transfere ao se investir em um fundo. Tanto é assim, que a relação entre o investidor e o gestor é chamada de relação fiduciária. Fidúcia, em latim, significa confiança. Portanto, trata-se de uma relação de confiança, de alguém que transfere para um terceiro a responsabilidade de administrar o seu rico e suado dinheirinho.

Há dois tipos de riscos nessa delegação de responsabilidade: os riscos de mercado e os riscos fiduciários. Aos riscos de mercado, você estará exposto sempre que se aventurar pelo mercado financeiro, seja através de um fundo de investimento, seja comprando diretamente os ativos. É o risco da ação que você comprou despencar, ou da empresa que emitiu a debênture que desgraçadamente está no fundo onde você investiu quebrar. O risco, neste caso, é de uma má decisão do gestor, que deveria ter saído de bolsa e não saiu, por exemplo.

Gostaria de concentrar-me, neste artigo, nos riscos fiduciários. Como o próprio nome diz, são riscos ligados à quebra de confiança entre o investidor e o gestor. Ou, em outras palavras, é o risco do gestor agir de acordo com outros interesses que não sejam estritamente os interesses do investidor. Que é quem, afinal, paga a conta no final do dia. Vejamos algumas regras da boa convivência fiduciária, e como isso pode influenciar na escolha do seu gestor.

Uma primeira regra é o chamado Chinese Wall, ou Muralha da China. Significa que deve haver um muro intransponível entre a atividade de gestão de fundos e quaisquer outras atividades que o gestor porventura leve a cabo. Por exemplo, se o gestor é um banco, além de gerir fundos, administrará também o dinheiro do seu próprio caixa. O risco, aqui, é de que ele coloque seus próprios interesses à frente dos interesses do investidor de seus fundos. Por exemplo, digamos que o banco comprou um papel, e que este comece a dar prejuízo. Não respeitar o Chinese Wall seria transferir este papel para os fundos, transferindo com isso o prejuízo para os cotistas.

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“O risco fiduciário deriva da quebra de confiança entre o investidor e o gestor”

 

Uma segunda regra importante é a da Marcação a Mercado. Segundo esta regra, os papéis do fundo devem ser contabilizados pelo seu real valor de mercado. Isso é importante porque a cota do fundo deve refletir exatamente o valor dos papéis que estão no fundo, nem mais e nem menos. O que pode ocorrer é que o gestor pode não querer reconhecer um prejuízo de um papel que está na carteira do fundo. Caso reconhecesse o prejuízo, a cota do fundo se desvalorizaria, e o fundo poderia sofrer resgates de investidores descontentes. Para evitar isso, o gestor contabiliza o papel por um preço fictício, camuflando o prejuízo. Esta prática é ruim, pois o valor da cota considerado para o cálculo das aplicações ou resgates será fictício, fazendo com que alguns cotistas saiam em vantagem em relação a outros, pois ou aplicarão com base em uma cota mais barata, ou resgatarão com base em uma cota mais cara do que o justo.

Existem outras regras fiduciárias, e que não comentaremos aqui por falta de espaço. A pergunta que não quer calar é: “Ok, entendi, mas como saberei se o gestor do meu fundo cumpre essas tais de regras fiduciárias?”. É uma excelente pergunta, e para a qual não há uma resposta fácil. A CVM tem justamente como uma de suas tarefas coibir abusos e verificar se as estruturas dos gestores têm condições de garantir o cumprimento dessas regras. Mas sabemos que a simples existência do xerife não impede que o crime seja praticado.

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Na prática, trata-se sempre de uma questão de confiança. Como você escolhe o seu médico? Ou o mecânico do seu carro? Nestes exemplos, você constrói uma relação de confiança ao longo de anos. O mesmo com o seu gestor. O importante é ter em mente que a escolha de um fundo de investimento deve ir muito além da análise de sua rentabilidade. Voltaremos a este assunto oportunamente.

Marcelo Guterman é professor do MBA de Finanças do Ibmec-SP e escreve mensalmente na InfoMoney, às sextas-feiras. marcelo.guterman@infomoney.com.br