A nova decepção dos investidores com as ações das estatais paranaenses na Bolsa

Papéis acumulam fortes perdas em meio às más notícias de 2021, com a tarifa abaixo do esperado da Sanepar e a carta do governo para a Copel

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O ano era 2017. Depois de três meses de otimismo e expectativa por  revisões tarifárias, que fizeram a ação preferencial da estatal paranaense de saneamento Sanepar (SAPR4) – na ocasião a mais líquida -, saltar 50% em apenas três meses, em março veio a decepção.

Sim, o reajuste tão esperado e que viria em linha com as decisões de investimentos da companhia aconteceu. Contudo, o diferimento, ou o período em que ele seria aplicado, foi definido pela Agência Reguladora do Paraná (Agepar) por um período muito mais longo do que o esperado, de oito anos, decepcionando os investidores das ações da estatal e levantando dúvidas sobre os motivos (políticos) para tanto e se a agência reguladora usaria mesmo critérios técnicos para basear as decisões de reajuste, fazendo com que a ação despencasse na Bolsa. Depois da decepção, algumas melhorias em termos de governança corporativa foram realizadas e muitos analistas reiteraram recomendação de compra (veja aqui).

Porém, em 2020, a pandemia veio, mostrou seus desafios e trouxe o velho fantasma de volta para a Sanepar, apesar das ações não terem conseguido se recuperar completamente do baque desde aquele ano.

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Entre o final do ano passado e no começo de 2021, os papéis SAPR11 já foram bastante impactados também por decisões sobre reajuste tarifário. E não foi somente ela, a também estatal paranaense, mas de energia elétrica, a Copel (CPLE6) também sofreu no começo do ano com o noticiário político.

Começando pela estatal de saneamento, em apenas 8 pregões, dos dias 30 de dezembro a 12 de janeiro, os papéis caíram 15,19%, indo de R$ 27,78 para R$ 23,56, enquanto o Ibovespa subiu 3,84% em igual período, chegando inclusive a registrar máximas históricas.

Um dos motivos para a queda expressiva da Sanepar foi o anúncio na noite de 29 de dezembro de que o regulador estadual  decidiu reduzir pela metade o reajuste tarifário anual de 2020 para 5,11% (de 9,62%) e aplicá-lo em fevereiro
de 2021, representando apenas o repasse aos consumidores finais da inflação dos últimos 12 meses + mudanças no custo não controlável, excluída a 4ª parcela do diferimento da revisão de 2017. A agência optou ainda por aplicar apenas a correção pelo IPCA na parcela do reajuste, sem o IGP-M, como era feito no cálculo inicial, provavelmente como reflexo da forte alta desse índice no ano anterior.

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A Agepar destacou que a a receita perdida de 2020 será incluída para análises como parte da revisão tarifária periódica de 2021 da estatal de saneamento. Contudo, ressaltou o Bradesco BBI, a mudança aumentaria os riscos de decisões na revisão de 2021 – por exemplo, adicionar esses ajustes poderia novamente gerar uma tarifa muito alta aos olhos da agência reguladora.

Na ocasião, os analistas do Bradesco BBI reduziram a recomendação de outperform (desempenho acima da média do mercado) para neutra, com preço-alvo de R$ 34, o que ainda representa um potencial significativo de valorização de 44,31% para a ação em relação ao fechamento da véspera, também levando em conta a queda recente dos preços dos ativos.

Na ocasião, de forma inesperada, apontaram os analistas, a Agepar também publicou seu cálculo preliminar da revisão tarifária periódica de 2021, que estará sujeita a processo de audiência pública. Os interessados podem acessar os documentos que embasam a revisão da tarifa e participar da consulta pela internet até o dia 17 de fevereiro.

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A tarifa proposta é R$ 5,3031/m³ (um pouco abaixo da estimativa do BBI de R$ 5,40/m³), representando uma redução de 2,59% versus a tarifa a ser aplicada (R$ 5,17/m³) a partir de fevereiro de 2021 (que refletirá o reajuste anual de 2020 de 5,11%).

“Em nossa visão, a agência reguladora estadual Agepar parece preocupada em evitar uma figura tarifária ‘alta’, que nunca é uma boa política / sinal para investidores. Embora entendamos que os reguladores precisam ser sensíveis às dificuldades enfrentadas pelos consumidores por causa da pandemia, o movimento da Agepar aumenta o risco de decisões na revisão de 2021”, apontaram.

De acordo com eles, apesar do valuation aparentemente descontado, não havia nenhum gatilho que poderia ajudar a impulsionar uma reavaliação no preço da ação. Assim, os investidores provavelmente aguardarão até que a revisão tarifária de 2021 seja feita (em maio), para se posicionarem no ativo – isso no caso a Agepar ofereça uma revisão justa.

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Dias depois, mais precisamente no dia 5 de janeiro, foi a vez do Credit Suisse reduzir a recomendação para os ativos de neutro para underperform, com o preço-alvo sendo reduzido de R$ 29,30 para R$ 27,10.

No dia anterior, a agência reguladora havia aberto a audiência pública sobre a segunda revisão tarifária da companhia, publicando notas técnicas que incluem uma RAB (base de ativos regulatórios, um dos fatores determinantes ao reajuste) de R$ 13,2 bilhões para dezembro de 2020, abaixo do esperado, e proposta de WACC (sigla em inglês para custo médio ponderado do capital) de 7,21% após impostos para 2021.

Para Carolina Carneiro e Rafael Nagano, analistas do Credit, nesta fase das discussões, os riscos são maiores do que as chances de retorno nesta fase das discussões. Apesar do potencial de melhora da regulação com a aprovação do novo marco legal do saneamento em 2020 e sendo um possível uma melhoria nos resultados da revisão tarifária final, duas questões influenciam no otimismo: a decisão de interferir na metodologia tarifária e também pela não aplicação da fórmula tarifária conforme acordado em 2017.

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Conforme destaca a Levante Ideias de Investimentos, a postura do regulador é negativa e demonstra que o risco regulatório no estado não é desprezível, revelando-se a baixa transparência nas negociações. Diante de tamanha ingerência política, a previsibilidade tarifária é comprometida. “Nesse sentido, há indícios de que o regulador constantemente evita elevações abruptas das tarifas, mesmo que sustentadas pelo contrato de concessão”, avaliam os analistas.

Sobre a revisão tarifária de 2021 – a que ainda será submetida a audiência pública – a revisão sinalizada é de 2,6%, mas um  risco não desprezível é de uma nova postergação de correção tarifária em face de um resultado elevado para os consumidores.

“Entendemos também que, para o setor, a notícia é negativa, pois gera temor entre os investidores de que situação similar possa ocorrer em outros estados, especialmente naqueles nos quais há pouco histórico de regulação. Vale lembrar que, com a aprovação do marco do saneamento, espera-se um volume expressivo de investimentos privados no setor nos próximos anos, os quais são fundamentais para alcançar a meta de universalização do serviço até 2033. Contudo, sem um ambiente regulatório estável e agências reguladoras que cumpram termos contratuais e saibam se comunicar de modo transparente com o mercado, tais investimentos serão ameaçados”, apontam os analistas.

Sobre o marco legal do saneamento, que atribui mais funções à Agência Nacional de Águas (ANA), reguladora federal do setor, um gestor ouvido pelo InfoMoney que recentemente se desfez do papel destacou que pouco deve mudar. Isso porque a ANA só trará linhas gerais para as agências estaduais, que seguirão com liberdade para fazer a sua regulação. “O marco era muito mais importante para as privatizações”, apontou, avaliando ainda que a Sanepar não estava entre aquelas no radar para saírem das mãos do estado.

Sobre os últimos anúncios que afetaram a Sanepar, o gestor destacou que o que foi feito tornou o case da Sanepar “ininvestível”, complementando: “rasgaram a regra, isso depois de toda a confusão com o [reajuste] diferido. Agora, haverá uma incerteza gigante sobre o que pode acontecer numa próxima revisão tarifária. O papel já era barato e, até por isso, que não caiu tanto dada a gravidade do acontecimento. Mas não vejo o papel se recuperando tão cedo”.

Copel: na sequência entre as prejudicadas

Além da Sanepar, o BBI já destacava que outro possível impacto negativo poderia ser para a estatal Copel, também controlada pelo estado do Paraná. No relatório de 30 de dezembro os analistas apontaram que, embora, em geral, a regulamentação federal das concessionárias de energia elétrica as proteja de interferência, os investidores poderiam estar preocupados com a governança corporativa, especificamente de risco de alocação de capital, uma vez que o novo ciclo de investimentos poderia ser iniciado uma vez que a Copel se desalavancou. “Este é um ponto particularmente delicado, visto que o BNDES já anunciou planos de vender suas ações da Copel, o que representaria uma transação de cerca de R$ 4,0
bilhões”, avaliaram os analistas na ocasião.

Dias depois, foi justamente isso o que aconteceu. Em comunicado do último dia 8 de janeiro, a Copel informou que o seu acionista controlador, o governo do Paraná (que detém 58,6% das ações ordinárias da Copel e 31,1% do capital total)., enviou uma carta para a companhia.

Na carta, o estado (i) condicionou a aprovação da migração da empresa do Nível 1 para o Nível 2 de Governança Corporativa na B3 à realização de uma oferta secundária de ações de titularidade do Paraná em conjunto com a oferta a ser realizada pelo BNDESPAR e (ii) solicitou a distribuição de dividendos extraordinários “no maior valor possível levando-se em consideração as necessidades de fluxo de caixa da Copel ao longo de 2021″.

“Em nossa opinião, tais solicitações do acionista controlador da Copel representam um retrocesso em termos de governança corporativa”, destacaram Gabriel Francisco e Maira Maldonado, analistas da XP Investimentos, em relatório.

Francisco e Maira apontam que, em particular, a carta do governo contrasta em muito com a independência que a gestão da Copel vem tendo desde 2019 para conduzir um dos melhores processos de melhorias operacionais da história da companhia. Entre as principais iniciativas,  a redução dos custos com pessoal, materiais e serviços (normalmente chamados de custos gerenciáveis), a convergência do lucro antes juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) da distribuidora Copel DIS para o nível previsto nas tarifas de energia e a bem-sucedida venda da Copel Telecom, entre outros.

Os analistas apontam que, em primeiro lugar, consideram como negativa a intenção de vender uma participação adicional na Copel, tendo em vista: (i) as pressões de liquidez advindas da venda de uma participação correspondente a até 14,4% do capital total (dado que o Governo pode continuar controlando a companhia com 16,7% do capital total, ou metade do capital votante mais uma ação) e (ii) o desalinhamento de incentivos do estado após a oferta, dado o descasamento entre a sua posição acionária final e o poder de controle, e que poderia resultar em riscos futuros de intervenção na empresa.

Com relação a esse ponto, o Bradesco BBI aponta que, semelhante à Sanepar em novembro de 2017, o Paraná pode
acabar controlando a Copel com apenas um pequeno percentual do total. Isso reduziria seu foco em dividendos de longo prazo (já que detém um pedaço menor da companhia) em favor do crescimento (o que significa que o risco de alocação de capital poderia voltar).

Em segundo lugar, a XP destaca que a visão também é negativa sobre o pedido de distribuição de dividendos extraordinários por parte do estado. Embora a situação de endividamento da Copel seja bastante confortável, quaisquer mudanças na política de dividendos da companhia teriam que ser aprovados em seu Conselho de Administração e depois serem aprovadas em uma Assembleia Geral de acionistas. E não serem implementadas apenas mediante uma solicitação do seu acionista controlador.

“Do contrário, a impressão que fica é que o governo do estado quer extrair recursos da companhia antes de vender parte de sua posição em uma oferta secundária”, avaliam Francisco e Maira.

Após a notícia, na última segunda-feira, os analistas do BBI reduziram a recomendação para venda, com preço-alvo de R$ 75 (ou uma alta de 11,82% após as recentes baixas da ação da companhia). Apesar de destacarem melhores perspectivas de dividendos e até mesmo de governança com a mudança do Nível 1 para o Nível 2 na B3, o problema da alocação de capital segue no radar dos analistas.

“Achamos que a Copel poderia manter um rendimento de dividendos relativamente atraente no longo prazo (ciclo de investimento próximo ao fim). Mas, se o Paraná reduzir significativamente sua participação na Copel, os dividendos não serão tão relevantes como, por exemplo, investir em projetos greenfield (parques eólicos). A potencial extensão / licitação da hidrelétrica de Foz de Areia é outro projeto que poderia impedir a Copel de aumentar dividendos”, apontaram em relatório.

A XP Investimentos, por sua vez, aponta um caminho para a Copel que possa levar a um desfecho positivo sobre a questão. Na avaliação dos analistas, seria melhor que o Conselho de Administração da Copel propusesse uma política de dividendos que permitisse a distribuição de proventos extraordinários caso certas condições de endividamento fossem cumpridas e com salvaguardas para preservar a saúde financeira da companhia.

“Inclusive, não acreditamos que o mercado reagiria mal se ocorresse uma distribuição de dividendos extraordinária antes da venda de parte da participação do estado, desde que ela fizesse parte de uma mudança no estatuto da companhia, e que possa ocorrer de maneira recorrente no futuro”, apontam. Para eles, caso tal mudança na política de dividendos da Copel ocorresse da maneira adequada (ou seja, aprovada pelo Conselho de Administração e em uma Assembleia Geral de Acionistas), poderia inclusive contribuir para o processo de venda de parte da participação do governo do estado.

A recomendação segue de compra para os papéis, também com preço-alvo de R$ 75 por ação, mas destacando que pode ocorrer volatilidade no curto prazo devido a uma maior percepção de riscos de governança corporativa.

O gestor ouvido pelo InfoMoney destaca que a questão dos dividendos não é tão grande para a Copel, destacando a situação de desalavancagem da empresa e com uma situação de dívida tranquila. Já com relação à venda das ações, ele ressalta que ela só deverá ser feita com o papel acima do valor patrimonial (perto dos R$ 75), – e o ativo ainda está bem abaixo disso. De qualquer forma, aponta, a venda também pode ser prejudicada por conta do histórico de intervenção na Sanepar, o que pode levar eventuais compradores a questionarem a direção da elétrica no momento da oferta.

Os primeiros passos dados já não foram positivos, mas os analistas ainda aguardam pelos próximos desdobramentos (no caso da Copel) para entender se a companhia conseguirá virar o jogo: por enquanto, o cenário é desconfiança, com os ativos caindo 10% em 2021 (até o fechamento da véspera), enquanto o Ibovespa avançava 4% no mesmo período.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.