A mulher que fez história em Wall Street

Jane Fraser será a primeira mulher a comandar um dos grandes bancos dos EUA. Mas o mercado ainda tem muito a avançar quando o assunto é diversidade

Sérgio Teixeira Jr.

(REUTERS/Erin Scott/File Photo)
(REUTERS/Erin Scott/File Photo)

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NOVA YORK – “Se fosse Lehman Sisters em vez de Lehman Brothers, o mundo seria muito diferente hoje.” A frase é de Christine Lagarde, a francesa que foi diretora do FMI e hoje preside o Banco Central Europeu. Lagarde a escreveu num blog do FMI há dois anos, em um texto sobre os dez anos do estouro da bolha imobiliária.

A crise foi um dos “eventos definidores dos nossos tempos”, argumenta Christine, e serviu para identificar e corrigir diversas falhas do sistema financeiro internacional.

Mas uma área importante não mudou nos dez anos que separaram a crise de 2008 do texto de Christine. “Regulamentação e supervisão vão longe, mas não fazem tudo. Elas têm de ser complementadas por reformas internas nas instituições financeiras.”

Na opinião da francesa, um dos nomes mais influentes das finanças mundiais, é preciso ter mais mulheres em posições de comando: “Mais diversidade aguça o pensamento e leva a mais prudência, reduzindo o tipo de tomada de decisão inconsequente que provocou a crise.”

Um passo importante foi dado no começo deste mês, com a indicação da britânica Jane Fraser para a presidência do Citigroup. Com uma carreira de 16 anos no banco – atualmente ela é responsável pelo negócio de varejo do Citi -, Jane será a primeira mulher a comandar uma das dez maiores instituições financeiras dos Estados Unidos.

Jane rompeu o proverbial “teto de vidro”, que parecia particularmente inquebrável no setor financeiro. Uma demonstração clara foi dada numa sessão da Comissão de Serviços Financeiros Câmara americana, no ano passado.

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O deputado democrata Al Green pediu aos sete presidentes de grandes bancos que prestavam depoimento que levantassem a mão caso acreditassem que seriam sucedidos por uma mulher ou por um não-branco. Nenhum deles – incluindo Michael Corbat, então CEO do Citigroup – se ergueu o braço.

Jane, 53, assumirá o cargo em fevereiro do ano que vem. Ela começou a carreira muito jovem, aos 20, na área de fusões e aquisições do Goldman Sachs em Londres. Depois de fazer um MBA, pensou em voltar ao banco. Mas desistiu.

“Eram tão poucas mulheres [no Goldman Sachs] e no setor financeiro. E as poucas que havia davam medo. Era uma época em as mulheres se vestiam praticamente como homens, usavam ombreiras. Elas não eram felizes”, disse Jane numa mesa redonda realizada há quatro anos.

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Fraser optou pela McKinsey – e também por um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. “Planejei engravidar no mesmo ano em que viraria sócia. Me ligaram para dizer que tinha sido promovida duas semanas depois de dar à luz”, disse.

Enquanto os dois filhos eram pequenos, Jane trabalhou em meio período. Ela afirma que foi difícil para o ego ver seus ex-subordinados a ultrapassando na carreira. Mas diz que a experiência lhe “humanizou”, ajudando-a a estabelecer prioridades.

Com os meninos já na escola, ela decidiu voltar ao trabalho em tempo integral. Foi quando ela entrou no Citi. No banco desde 2004, ela ocupou diversas funções, incluindo as chefias dos setores de private banking, varejo e América Latina.

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Em alguns meses, ela estará à frente do terceiro maior banco dos Estados Unidos, o maior emissor de cartões de crédito do mundo e uma instituição com quase US$ 2 trilhões sob administração.

A indicação “é motivo de orgulho para todos nós e um divisor de águas no setor”, afirmou Corbat num comunicado enviado aos funcionários. “Sempre esperei que quando me aposentasse houvesse outras mulheres no cargo de CEO. Que dia de orgulho”, disse Beth Mooney, que até o ano passado era CEO do KeyCorp, um dos 20 maiores bancos americanos, quando foi noticiada a nomeação de Fraser.

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No resto do mundo corporativo, há mais diversidade no topo – mas não muito. Entre as companhias que compõem a lista Fortune 500 divulgada este ano, 37 são comandadas por mulheres. Trata-se do número mais alto já registrado no ranking.

A lista inclui alguns nomes de destaque, como Indira Nooyi, presidente da Pepsico entre 2006 e 2018, Mary Barra, que assumiu a General Motors em 2014, Carol Tomé, CEO da UPS desde maio passado, e Virginia Rometty, que liderou a IBM entre 2012 e este ano.

Em comparação, o mercado financeiro ainda é um grande “clube do Bolinha”. Beth Mooney se aposentou no ano passado. Também no ano passado, Rakefet Russak-Aminoach deixou a presidência do Leumi, maior banco de Israel em valor de mercado, para chefiar uma desenvolvedora de fintechs apoiada pelo governo do país.

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Caminhos diferentes até o topo

As mulheres ainda são pouco mais da metade dos trabalhadores da indústria financeira, segundo o levantamento Women in the Workplace (mulheres no ambiente de trabalho) divulgado há dois anos pela consultoria McKinsey e pelo instituto LeanIn.org. Mas, quando se trata dos mais altos níveis executivos, elas ocupam somente 19% dos cargos.

Foram entrevistadas mais de 14 mil funcionários de 39 instituições do setor nos Estados Unidos. Segundo a McKinsey, apesar de os dados se basearem na realidade norte-americana, os insights e implicações têm relevância global.

Isso certamente é verdade no Brasil, onde as mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer no que diz respeito aos postos mais altos das grandes empresas e bancos, além da questão da equidade salarial.

Nove de cada dez instituições financeiras ouvidas pela McKinsey afirmaram ter compromisso com a diversidade de gênero. Os resultados aparecem nos números: mais equilíbrio resulta em melhor desempenho.

Considere a seguinte conclusão do levantamento: as empresas no quartil superior de diversidade de gênero nos níveis executivos tinham 21% mais probabilidade de ser mais lucrativas.

Mas a escalada até o topo é mais íngreme para as mulheres. Em perguntas a respeito do apoio dos superiores na identificação de oportunidades de promoção e ofertas de aconselhamento, elas enxergam menos disposição de ajuda por parte da chefia em comparação com os colegas homens.

A maneira como o funcionário encara o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional também indica atitudes diferentes entre os gêneros: 26% dos homens afirmaram que tirar licença paternidade/maternidade teria impacto negativo em suas carreiras, enquanto entre as mulheres o percentual foi de 34%.

Mais representação feminina também leva a uma compreensão mais completa dos clientes. “Isso é particularmente crítico em serviços financeiros, dado que mais de metade das mulheres são responsáveis pelas finanças da família e são responsáveis pelas economias e investimentos do domicílio”, dizem os autores do estudo.

Numa década chacoalhada pelo movimento #MeToo e por pressões de diversas frentes por mais igualdade – de gênero, racial, étnica e de orientação sexual -, os avanços das mulheres não podem deixar de ser celebrados.

Mas ainda há muito a conquistar, como disse à revista Fortune Sallie Krawcheck, fundadora e CEO da Ellevest, além de ser uma das mulheres mais poderosas de Wall Street: “Em teoria, [o setor financeiro] é analítico, e o que deveria contar é a performance. Mas, no mais analítico dos setores, as coisas não são bem assim”.

Sallie fala com autoridade. Ela foi CFO do Citigroup, chefiou o Merrill Lynch (que havia sido absorvido pelo Bank of America) e, há dez anos, era considerada uma das candidatas a ser a primeira mulher a assumir o cargo principal de um grande banco nos EUA.

A lógica diria que a crise financeira aumentaria a diversidade no primeiro escalão do setor. Mas o que se viu foram lideranças ainda mais “brancas, masculinas e de meia idade”. Uma década depois, parece que a maré finalmente começou a virar.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York