A história de Alberto Youssef, o “banqueiro central” do mercado paralelo do Brasil

O doleiro surgiu como peça-chave do maior escândalo de corrupção já visto no Brasil

Bloomberg

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SÃO PAULO – Ele era conhecido pelas autoridades como o banqueiro central do mercado paralelo do Brasil, um criminoso de carreira que transportava ilegalmente dinheiro para os ricos e poderosos em jatos privados e carros-fortes.

Agora, Alberto Youssef – um contrabandista de bebidas que virou doleiro e que teria virado bilionário – surgiu como peça-chave do maior escândalo de corrupção já visto no Brasil. Ele contou aos promotores públicos como fez desaparecerem do sistema oficial centenas de milhões de dólares no Brasil e no exterior como parte de um esquema de corrupção envolvendo a Petróleo Brasileiro, controlada pelo Estado, as maiores construtoras do país e políticos importantes.

A história de Alberto “Beto” Youssef é um relato de finanças baixas e padrão de vida alto – de contas no exterior, entregas de dinheiro clandestino e festas de US$ 75.000. Mais do que isso, é um retrato em miniatura da promessa e do fracasso econômico do Brasil e da longa batalha do país contra o crime, a corrupção e a burocracia.

Ao longo dos anos, Youssef foi preso nada menos que nove vezes sob acusações de contrabando, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Ele passou cerca de um ano na prisão, apenas. Adepto da delação premiada, Youssef depôs várias vezes contra outros “doleiros” em troca de reduções de sentença. Ao longo do caminho, isso permitiu que ele reforçasse seu domínio sobre o mercado negro, diz a Polícia Federal.

Descrito por pelo menos três promotores como educado e quieto, Youssef não nega sua participação no escândalo da Petrobras. Mas disse também que não foi o cérebro e que a operação percorreu todo o caminho até os níveis mais altos do governo. Em seu depoimento, ele disse que a presidente Dilma Rousseff, presidente do conselho da Petrobras entre 2003 e 2010, sabia da corrupção, sem dar mais detalhes. Dilma negou as acusações e preferiu não comentar esta reportagem.

“Eu não sou o mentor e nem o chefe dessa organização criminosa como vem se mencionando na mídia e na própria acusação. Eu não sou”, disse Youssef, em um depoimento em vídeo, no dia 8 de outubro. “Dizem que eu sou o mentor e o chefe da organização criminosa, bom, eu não sou. Eu sou apenas uma engrenagem”.

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Mais de mil páginas de documentos judiciais e entrevistas com quase uma dúzia de agentes da lei, advogados e sócios de Youssef oferecem uma visão sobre seu modus operandi e seu papel em alguns dos maiores escândalos do Brasil nas últimas duas décadas. Muitos dos funcionários que colaboraram com essa reportagem pediram anonimato por medo de retaliação. Youssef, que está preso, não pode ser entrevistado.

Nascido em Londrina, a cerca de 500 quilômetros de São Paulo, Youssef chamou a atenção das autoridades pela primeira vez nos anos 1980, quando ele e sua irmã mais velha teriam atuado no contrabando de uísque e outros produtos do Paraguai pela fronteira.

Ele foi preso cinco vezes sob acusação de contrabando, uma delas após uma perseguição em alta velocidade enquanto videocassetes, que tinham como destino o mercado negro, caíam da traseira de sua caminhonete, disse um policial que pediu anonimato.

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Em Londrina, uma cidade com meio milhão de habitantes, é difícil encontrar alguém que não tenha ouvido histórias a respeito de Youssef e suas proezas.

Dois garçons que preferiram não se identificar lembraram que Youssef dava gorjetas generosas e estava frequentemente rodeado de mulheres. Ele também era conhecido por suas festas épicas e pelas contas de até R$ 200.000 (US$ 75.000) por noite, disse um homem de negócios local.

Sua ex-amante de Londrina está na capa da revista Playboy deste mês no Brasil. Fotos do ensaio a mostram entrando em um jato privado com um maço de notas de 100 dólares.

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Nos anos 1990, Youssef havia passado do contrabando à lavagem de dinheiro, tornando-se um dos cinco principais doleiros do Brasil, disse Cláudio Esteves, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, em Londrina, no Paraná.

Em pouco tempo, os negócios de Youssef haviam se tornado tão grandes que ele usava um carro-forte para realizar entregas diárias de dinheiro, disse um agente da Polícia Federal envolvido na investigação, que pediu para não ser identificado pelo nome.

Youssef foi preso em 2000 e em 2001 em um suposto esquema de corrupção em Londrina, disse Esteves, que coordenou o caso contra ele. Ele foi acusado de subornar funcionários de bancos para receber cheques municipais, inclusive sem assinatura. “Naquela época ele era muito arrogante”, disse Esteves. “Ele dizia, desdenhando, que nunca ficaria na prisão”.

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Youssef estava certo. Ele nunca foi levado a julgamento e, no total, passou cerca de 25 dias na cadeia. Mais ou menos na mesma época, Youssef foi pego em um escândalo de desvio de fundos em Maringá, cidade não muito longe de Londrina. Depois, foi indiciado por formação de quadrilha. Ele acabou fechando um acordo com os promotores, que concordaram em retirar as acusações se ele entregasse os nomes dos funcionários públicos envolvidos.

Em meio ao assunto de Maringá, ele foi acusado de lavar mais de US$ 830 milhões em um caso envolvendo o Banestado, um banco estatal. Youssef fechou um acordo de delação premiada também neste caso, concordando em testemunhar contra doleiros rivais, disse Luiz Fernando Delazari, secretário estadual de Segurança do Paraná na época.

Alguns dos maiores rivais de Youssef foram presos, permitindo que ele voltasse “mais forte do que nunca”, disse Delazari.

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Como parte de outro acordo de delação em uma investigação simultânea, Youssef detalhou aos investigadores um esquema para manipular créditos fiscais em uma empresa pública de energia. Em seu depoimento, ele entregou nomes de autoridades do governo, servidores públicos e pessoas que identificou como negociantes do mercado negro.

Em 2006, José Janene, sócio de Youssef, foi indiciado em um escândalo de compra de votos no Congresso brasileiro. Os promotores dizem agora que parte do dinheiro que Youssef lavou por meio de um posto de gasolina em Brasília foi obtida por Janene no esquema.

Janene e esse posto de gasolina foram um ponto de inflexão para Youssef – e para o caso Petrobras.

Na época do escândalo de compra de votos, Janene era deputado do Partido Progressista, que compõe a base do governo Dilma no Congresso. Youssef disse que quando Janene morreu, em 2010, ainda negando seu envolvimento, ele assumiu suas conexões em Brasília e na Petrobras, incluindo os laços com o ex-diretor de Refino, Paulo Roberto Costa, que foi preso em março e fechou um acordo de delação premiada em agosto. Costa não pode comentar o caso, de acordo com os termos de sua deleção premiada.

A investigação da Petrobras foi chamada de Lava a jato em referência ao posto de gasolina usado por Youssef para lavar dinheiro.

A forma como Youssef conseguiu se manter na ativa por tanto tempo, apesar de tantas prisões, reflete as disfunções do sistema judiciário brasileiro, disse Alejandro Salas, diretor regional para as Américas da Transparência Internacional.

“A justiça no Brasil é muito lenta”, disse Salas, de Berlim.

Hoje Youssef está em uma prisão em Curitiba após ter sido condenado a quatro anos e quatro meses em setembro por violar as regras de seu acordo de delação no caso do Banestado. Seu modus operandi continua inalterado.

Como parte de seu acordo de delação na Lava Jato, seu quarto trato do tipo em pouco mais de uma década, Youssef está pedindo para cumprir a pena em casa. Seu advogado, Antonio Figueiredo Basto, disse que Youssef tem problemas cardíacos e perdeu 18 quilos desde que foi preso, em março passado.

Youssef deu seu relato a respeito de como a Lava Jato operava: as construtoras subornavam políticos e executivos para que fizessem vista grossa enquanto elas inflavam contratos com empresas administradas pelo Estado, como a Petrobras. Youssef disse que atuava como banqueiro. Costa, o ex-diretor da Petrobras, endossou suas declarações em depoimentos e transcrições publicadas.

As delações de Youssef já valeram a ele uma cela própria, enquanto os CEOs e executivos das empresas acusadas de pagamento de subornos se amontoaram em celas no fundo do corredor. Alguns chegaram a dormir em colchões colocados no chão.

“Sem meu cliente, não há Lava Jato”, disse Basto, o advogado. “Ele é a ligação entre todos os envolvidos”.