Se as eleições nos Estados Unidos lhe parecem complicadas, saiba que você não é a única pessoa que acha confuso esse processo por lá. Afinal, a votação é completamente diferente do sistema eleitoral brasileiro, no qual elegemos os candidatos ao Executivo e Legislativo pelo voto direto.

Para entender a dinâmica eleitoral do país, é preciso saber o que são e qual o papel dos delegados nas eleições americanas. Esses delegados formam o Colégio Eleitoral, e eles é que votam no candidato à presidência, e não a população, como estamos acostumados aqui no Brasil.

A seguir, explicaremos quem são os delegados, o que é o Colégio Eleitoral norte-americano e como funciona o voto indireto no país. Acompanhe a leitura.

Quem são os delegados nas eleições americanas?

Para quem está acostumado com o processo eleitoral brasileiro, a figura dos delegados nas eleições dos EUA é a que costuma causar mais estranheza. 

Nos Estados Unidos, as eleições são indiretas. Quando o eleitor vai às urnas, ele vota nos delegados que integrarão o Colégio Eleitoral. E quem escolhe o presidente é o Colégio Eleitoral de cada estado”, explica Maira Scavuzzi, advogada especialista em direito constitucional.

Cada um dos 50 estados norte-americanos possui uma determinada quantidade de delegados, de acordo com o número de habitantes. Quanto mais populoso o estado, maior será o seu número de delegados, conforme veremos mais adiante.

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O que é o Colégio Eleitoral?

O Colégio Eleitoral norte-americano remonta à época da elaboração da Constituição do país. Segundo Fabrício Pontin, professor no curso de Relações Internacionais e na pós-graduação da Unilasalle Canoas, a ideia era garantir que todos os estados da federação tivessem representatividade na escolha presidencial.

“Havia a preocupação de que os estados menos populosos não fossem tão importantes na eleição presidencial. Se não existisse o Colégio Eleitoral, na época das treze colônias, entre os séculos XVII e XVIII, quem conseguisse vencer na Pensilvânia, Nova York e Virgínia ganharia a eleição, sem precisar fazer qualquer esforço nos outros estados”, explica.

Em outras palavras, o sistema eleitoral norte-americano garante que todos os estados sejam ouvidos, e isso faz com que qualquer um deles possa ser decisivo para o pleito. Historicamente, esse é o motivo da criação do Colégio Eleitoral.

Como os delegados são escolhidos?

Em cada estado, os partidos se reúnem em convenções ou comitês para escolher os potenciais delegados. Mas antes desses eventos, eles submetem a lista dos candidatos à secretaria eleitoral de cada estado para registro.

Pela lei norte-americana, qualquer pessoa pode ser delegado, inclusive quem não tem filiação partidária. As únicas exceções são os funcionários públicos federais e membros do Senado ou da Câmara dos Representantes, justamente para garantir que o delegado não tenha nenhum vínculo com o atual governo.

Por sua vez, os partidos tendem a escolher pessoas de confiança e com quem tenham afinidade, pois a responsabilidade de um delegado é fazer cumprir a vontade eleitoral. No entanto, mesmo sendo raro, um delegado pode votar contra o partido, como observa Maira.

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“Foi o que aconteceu em Washington em 2016, quando o Partido Republicano venceu as eleições presidenciais. Naquele estado, os democratas venceram, mas a maioria dos delegados votou em Colin Powell (foram votos de protesto, pois Trump era o candidato republicano), e não em Hillary Clinton”, lembra a advogada.

O caso de Washington em 2016 foi bastante significativo. Na ocasião, relembra Maira, o estado aplicou uma multa contra os delegados “infieis”, e eles contestaram judicialmente a punição, argumentando que tinham direito a um voto livre, pois integravam o Colégio Eleitoral. O caso foi parar na Suprema Corte, que, em 2020, concedeu liberdade aos estados para prever leis que obriguem os delegados a votar de acordo com a vontade popular.

“Não é que a Suprema Corte tenha proibido a infidelidade dos delegados na votação. Ela só deu mais poder aos estados para deliberar sobre isso. Antes dessa decisão, muitos estados já tinham leis que puniam ou substituíam o eleitor infiel, mas essas leis vinham sendo contestadas”, explica a advogada.

Número de delegados por estado

Ao todo, o Colégio Eleitoral norte-americano possui 538 delegados. Para que um presidente seja eleito, ele precisa vencer por maioria simples, ou seja, obter os votos de 271 delegados.

A quantidade de delegados depende da participação que cada estado tem no Congresso Nacional que, por sua vez, está diretamente relacionada à densidade populacional.

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Embora tenha se mantido praticamente estável nas últimas eleições, o número de delegados pode variar por estado, de acordo com eventual aumento ou redução da população local. Mas, como explica Maira, cada estado terá, no mínimo, três delegados, sendo dois representantes do Senado, pois todo estado tem direito a dois senadores. O que varia é a participação da Câmara de Deputados, que muda conforme a densidade populacional.

A Califórnia é o estado que possui o maior número de delegados (54 em 2024), seguida pelo Texas (40), Flórida (30), Nova York (28), Pensilvânia (19), Illinois (19) e Ohio (17). Juntos, esses estados respondem por cerca de 38% do Colégio Eleitoral.

“O vencedor leva tudo”

Na apuração dos votos, 48 dos 50 estados adotam a sistemática winner takes all (ou “o vencedor leva tudo”).

É o que acontece, por exemplo, no estado da Califórnia. Lá, basta que o candidato conquiste a maioria dos votos (mesmo que pouco mais da metade) para que leve todos os votos do Colégio Eleitoral.

Há somente duas exceções nessa metodologia, que são Maine e Nebraska, com 4 e 5 delegados, respectivamente. Esses estados distribuem os votos entre os candidatos de acordo com a proporção recebida por cada um.

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Os “swing states”

Outra peculiaridade das eleições norte-americanas é a preferência histórica de determinados estados por um ou outro partido. 

Esse viés, segundo Fabrício Pontin, tem a ver com a polarização da população em centros urbanos e rurais. Estados com populações rurais significativas tendem a ser mais republicanos, ao passo que as áreas urbanas mais expressivas costumam acompanhar os democratas. O exemplo mais emblemático dessa segmentação são os estados da Califórnia, tradicionalmente democrata, e do Texas, que elege republicanos há décadas.

Por outro lado, existem estados que costumam oscilar a cada eleição – os chamados “swing states” – que possuem mais equilíbrio entre as densidades rural e urbana.

“No fim das contas, a eleição norte-americana acaba sendo sobre 6 ou 7 estados, que são os swing states. Como tendem a ir de um lado para o outro, têm o potencial de decidir o pleito e, por isso, é lá que os partidos investem de fato”, observa o professor.

De tempos em tempos, o perfil dos estados-pêndulo também muda. Segundo Fabrício, hoje existem bem menos swing states em comparação a eleições passadas, e ele cita a Flórida como exemplo dessa mudança.

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“Até a eleição de Obama, a Flórida tinha a tendência de oscilar entre democratas e republicanos. Depois, houve um tensionamento muito conservador no padrão do eleitor de origem latina no sul do país, que se tornaram bem mais conservadores”, observa.

Por outro lado, a Geórgia, que era republicana, agora é predominantemente democrata, pois ficou mais urbana. Além disso, a população negra, segundo Pontin, está mais ativa do ponto de vista político, para reivindicar direitos dos quais foi historicamente excluída até então.