Quando alguém que tem patrimônio morre e deixa herdeiros, esses bens não vão automaticamente para os beneficiários. Antes disso, é preciso cumprir uma das etapas da sucessão patrimonial, que é o inventário.

Segundo o advogado Luiz Kignel, sócio do escritório PLKC Advogados, a partilha da herança exige um planejamento, que envolve questões contratuais e tributárias relativas ao patrimônio.

“Em processos sucessórios, sempre podem surgir situações inusitadas. É por isso que fazer esse planejamento em vida agiliza e facilita a partilha dos bens entre os herdeiros”, observa.

Neste guia, falaremos sobre os principais aspectos que envolvem um inventário — prazos, custos, responsabilidades, efeitos sobre o patrimônio, entre outros. Para saber mais sobre o tema, continue a leitura a seguir.

O que é inventário?

Inventário é o processo pelo qual se transfere a posse física do patrimônio de alguém que morreu para os seus herdeiros. Para isso, é preciso fazer um levantamento de todos os bens e dívidas que a pessoa falecida tinha. Se o saldo for positivo, ou seja, se o valor dos bens for superior ao das dívidas, haverá patrimônio a ser dividido.

Luiz Kignel explica que, entre o período do falecimento e da efetiva partilha de bens, existe a figura do “espólio”.

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“O espólio nada mais é do que a totalidade dos bens, direitos e dívidas que compõem uma massa que já é de direito dos herdeiros, mas ainda não foi partilhada”, diz o advogado. E o inventário serve justamente para que se possa ter o controle desses bens, depois de resolvidos eventuais litígios e pagos os respectivos impostos.

Qual a diferença entre testamento e inventário?

Testamento e inventário são dois institutos diferentes. O testamento é uma declaração de vontade da pessoa que o faz (o “testador”) sobre o que ela gostaria que acontecesse depois da sua morte.

Em relação ao patrimônio, o testamento organiza as disposições sucessórias dentro da lei vigente, mas ele não transmite patrimônio. Ou seja, é uma faculdade que a lei dá para que a pessoa, dentro dos limites legais, destine seus bens da forma como desejar

Já o inventário é o efetivo processo de transmissão dos bens aos herdeiros após o falecimento.

“O testamento é a disposição das regras de partilha de bens para a futura sucessão. Ele pode colocar regras, proteções, ou incluir e excluir herdeiros, por exemplo. E o inventário é a partilha em si”, explica Kignel.

Quando é preciso fazer um inventário?

Se a pessoa que faleceu deixou bens, será necessário fazer um inventário. Caso contrário, não haverá como transmitir o patrimônio aos herdeiros.

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O que pode acontecer é o valor das dívidas de quem morreu superar o somatório dos bens deixados. Nesses casos, muitas vezes os herdeiros nem abrem o inventário, mas algum credor do espólio pode pedir a abertura, segundo Kignel.

“Os herdeiros não herdam as dívidas, e sim o patrimônio líquido do espólio. Logo, se as dívidas forem maiores do que os bens, os herdeiros não serão obrigados a pagá-las, mas também não receberão nenhum patrimônio. E podem deixar para que os credores que tiverem interesse abram o inventário”, explica o advogado.

Dá para fazer inventário em vida?

Primeiramente, é preciso entender a diferença entre inventário e doação. Como explica Kignel, só se pode transferir patrimônio em vida por meio de doação. O que remanescer em nome da pessoa depois do falecimento é que será transferido por inventário.

“O inventário é partilha pós-morte, e a doação é partilha em vida. Ou seja, você não pode fazer inventário em vida, mas pode doar em vida”, diz o advogado.

Qual a diferença entre inventário judicial e extrajudicial?

Na partilha de bens, quando existe um testamento, a sua homologação se dá sempre pela via judicial. 

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Feita a homologação, o inventário poderá ocorrer pela via judicial ou extrajudicial, sendo que cada tipo dependerá de algumas condições preexistentes no processo.

O inventário extrajudicial, que é feito em cartório de notas, é bem mais rápido do que o judicial. Para que se possa optar por ele, é preciso que se cumpram três requisitos: todas as partes envolvidas devem ser capazes e maiores de idade, não pode haver litígio entre elas e deve-se recolher o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) — também chamado de “imposto de sucessão” — antes de assinar a escritura. 

Se essas três condições não se aplicarem ao mesmo tempo, será preciso fazer o inventário judicial. Mas, como explica Kignel, é possível começar o inventário na via judicial, conseguir um acordo e terminar o processo extrajudicialmente.

No inventário extrajudicial, assim que a escritura é assinada, os seus efeitos passam a ser válidos automaticamente, sem a necessidade de homologação judicial.

Quem é o inventariante?

Na sucessão patrimonial, existem duas figuras importantes: o testamenteiro e o inventariante. 

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O testamenteiro é quem vai garantir que o testamento seja cumprido. Normalmente (não é obrigatório), é o próprio advogado do falecido, que organizou a sucessão.

Conforme alerta Kignel, quando se nomeia um advogado testamenteiro, é importante colocar no testamento que a nomeação é sem o pagamento da vintena, para que o cliente não se surpreenda com custos futuros.

“A vintena é a remuneração do testamenteiro, que vai de 1% a 5% do valor dos bens. Muitas vezes, o cliente não sabe que isso existe, e o advogado pode esquecer de avisá-lo”.

Já o inventariante é o administrador do espólio, e sua atuação no processo vai da nomeação do juiz até o momento da partilha. O papel do inventariante é administrar o patrimônio até que chegue às mãos dos herdeiros.

Para Kignel, o ideal é que o inventariante seja um dos familiares, alguém de confiança da pessoa falecida, pois é ele quem efetivamente vai cuidar do patrimônio.

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“O testamenteiro apenas cumpre o testamento, ao passo que o inventariante é quem administra o patrimônio. Por isso, é importante que seja alguém de confiança do testador”, explica o advogado.

Prazo para fazer o inventário

Após o falecimento, o prazo para abrir o inventário é de 60 dias. Depois disso, há um segundo prazo importante, que é o de pagamento do ITCMD.

Como esse tributo é da esfera estadual, os prazos de recolhimento podem variar de estado para estado. Em São Paulo, por exemplo, o prazo para pagamento do imposto de sucessão é de até 180 dias, segundo Luiz Kignel.

O que acontece se atrasar o inventário?

Se o inventário não for requerido dentro do prazo de 60 dias, incidirá multa de 10% sobre o valor do ITCMD. Já se o atraso do processo superar 180 dias, a multa passará a ser de 20% sobre o referido imposto.

Muitas vezes, como explica Kignel, o que atrasa a abertura do inventário é a falta de documentação dos bens do falecido. Nesses casos, o advogado recomenda que, se o processo não foi aberto em até 60 dias, ao menos se formalize uma escritura pública de nomeação de inventariante para cumprir o prazo, pois o documento faz as vezes do inventário judicial.

“Se você comprovar que o inventário atrasou porque está buscando os documentos e ainda não conseguiu, o juiz pode autorizar a não incidência de multa e prorrogar o prazo”, explica o advogado.

E há também casos em que o impeditivo de abrir o inventário é a falta de dinheiro para pagar os custos legais. Se for essa a situação, é preciso alegar isso para o juiz e pedir um alvará para que se possa vender algum bem do espólio para pagar o ITCMD, já que não se pode ter acesso aos bens sem o imposto pago, complementa Kignel.

Custos do inventário

Todo inventário tem um custo certo, que é o ITCMD, e o teto para a cobrança desse imposto é de 8% sobre o valor do patrimônio. 

A aprovação da reforma tributária tornou o ITCMD progressivo, o que passará a valer a partir de 2025. Ou seja, São Paulo, por exemplo, que hoje cobra alíquota fixa de 4, poderá cobrar até 8%, dependendo da faixa de valor dos bens que estão sob inventário.

Além do imposto de sucessão, poderá ser cobrado um imposto sobre ganho de capital, quando a Receita Federal entender que houve uma valorização do bem que será transferido aos herdeiros. 

Por fim, há municípios que podem cobrar ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) em determinadas situações de partilha de bens, como explica Kignel.

“Por exemplo, quando em uma sucessão uma pessoa fica com um imóvel e outra com dinheiro, alguns municípios entendem que houve compra e venda dentro do inventário. Nesse caso, pode haver a cobrança de ITBI”, diz o advogado.

Como calcular o valor de um imóvel para inventário?

No caso dos imóveis, há três valores que podem ser considerados para fins de inventário: o que consta na declaração de IR, o valor venal (utilizado para fins de IPTU) e o valor de mercado. A escolha dependerá de cada estado, segundo Luiz Kignel.

“No Rio de Janeiro, por exemplo, não se usa o valor venal para fins de inventário, pois lá o Fisco manda avaliar o bem”, diz.

O advogado explica que existem estruturas de planejamento tributário na sucessão que eventualmente possibilitam reduzir o valor do imposto, mas a análise deve ser feita caso a caso.

“Na transmissão de bens por sucessão, analisamos a origem do bem, a data de aquisição, o seu valor de mercado, tudo isso para tentar obter uma carga menor de impostos. Esse momento é uma janela de oportunidade, mas o estudo é sempre individual”, observa o advogado.

Jóias e obras de arte no inventário: atenção!

Para simplificar a partilha de bens, as pessoas devem tentar evitar esses dois itens no inventário. Segundo Kignel, jóias e obras de arte complicam o processo, pois é sempre difícil definir os valores.

“Normalmente, nem o inventariante nem o fiscal da Fazenda sabem quanto valem jóias e obras de arte. Então, é preciso mandar avaliar tudo, e isso vai atrasando o inventário. Outra opção seria abrir uma empresa para colocar esses bens, o que é bem mais burocrático e caro. Por isso, nós costumamos orientar os clientes para que doem esses itens em vida”, aconselha.

Quanto tempo demora para o inventário ficar pronto?

Tudo vai depender da complexidade da documentação envolvida no processo. Muitas vezes, inventários que envolvem um volume maior de patrimônio são concluídos mais rapidamente do que partilhas menores.

“Você pode ter uma cobertura que vale R$ 30 milhões e com matrícula ok, e um terreno de R$ 100 mil que só tem posse, não tem IPTU, e que os herdeiros nem sabem se está ocupado. No primeiro caso, o processo é rápido; no segundo, pode se estender por muito tempo”, exemplifica Kignel.

Como fazer o inventário?

Seja judicial ou extrajudicial, o inventário sempre exige a presença de um advogado.

O primeiro passo é providenciar toda a documentação do falecido, dos herdeiros e do patrimônio a ser partilhado. Certidões de nascimento e casamento, matrícula de imóveis, extratos bancários, balanços de empresas (se for o caso), tudo isso será necessário para iniciar o processo.

Para Kignel, o ideal é se fazer uma análise detalhada de toda a documentação e da linha sucessória antes de abrir o inventário, pois sempre podem surgir surpresas.

“Já tive casos de investigação de paternidade que estava em curso quando a pessoa morreu. Em situações assim, se você abre o inventário, ele fica parado até que venha o resultado do exame”, relata o advogado.

Outra situação comum é quando se descobre uma união estável depois de um casamento que não foi formalmente desfeito. Nesse caso, podem aparecer herdeiros que a família anterior não conhecia, e tudo isso vai travando o processo.

“Gasta-se mais tempo analisando documentos e linha sucessória antes de abrir o inventário. Por outro lado, com essa avaliação prévia, é possível evitar muitas surpresas que poderiam travar o inventário ali na frente”, avalia Kignel.

O advogado também fala sobre a importância de um testamento, pois ele facilita o inventário.

“Quando existem bens, é importante fazer um testamento. Pode ser que todo mundo se dê bem, mas um filho está enrolado com dívidas, o outro tem um cônjuge não muito confiável, e por aí vai. Não é só por causa de litígio que se faz testamento, mas pela oportunidade que a lei dá para proteger não só o patrimônio, mas também a família”, avalia o advogado.